Cruzadas e Crescentadas

CRUZADAS E CRESCENTADAS
Miguel Carqueija



Uma coisa que de há muito eu noto, na maneira como se critica a Igreja Católica, é que inúmeras pessoas, mesmo não estando mal-intencionadas, acostumaram-se a repetir certos chavões e jogá-los à face dos católicos como se fossem palavras mágicas e como se só por si pudessem desmoralizar a instituição. Sem exame, sem conhecerem a base histórica ou lógica, vão repetindo crentes de que tais “argumentos” são decisivos e que a Igreja não tem resposta para eles.
Um desses chavões ou palavras mágicas é o das Cruzadas. Basta falar em Cruzadas e, na imaginação dessas pessoas, joga-se a Igreja no chão. Eu não tenho a minima veleidade de me ombrear com Frei Boaventura Kopplenburg O.F.M., Padre Artur Alonso S.J., Gustavo Corção, Padre Duvivier S.J. e outros polemistas notáveis (para não falar em São Tomás de Aquino) mas alguma coisa eu posso ponderar a respeito.
Anos atrás, quando eu ainda estava na ativa, um colega de trabalho, tendo sabido que eu era católico, veio me provocar amigavelmente, dizendo-me com ironia: “Mas Miguel, e as Cruzadas? E as Cruzadas?” Como se vê, ele já partia da premissa da inegável infâmia dessa ideia.
Lembro que respondi na ponta da língua: “Ah, as Cruzadas? E as Crescentadas?
É lógico que o amigo em questão não esperava essa resposta e ficou desconcertado. Eu expliquei: antes das Cruzadas ocorreram as Crescentadas. As Cruzadas foram uma reação legítima às Crescentadas.
Vejam bem, o termo “Crescentada” fui eu quem inventou, embora possivelmente outras pessoas possam ter tido a mesma ideia antes de mim pois trata-se de uma palavra de significado óbvio. Refiro-me, é claro, às “jihads” ou guerras santas do Islã. Não sou muito a favor da cultura de wikipedia, mas se vocês forem lá encontrarão algumas informações básicas sobre a história da religião muçulmana e a origem das Cruzadas. O que fica evidente é que as guerras de expansão do Islamismo já começaram no século de Maomé, o século VII, enquanto as Cruzadas só tiveram início no século XI. Além disso as cruzadas já acabaram desde o século XIII e as Crescentadas sobrevivem até os tempos atuais. Nesse exato momento um grupo conhecido como o “Estado Islâmico”, de muçulmanos ultra-radicais, sustenta uma Crescentada na Síria e no Iraque. Católicos e outros cristãos vêm sendo crucificados, degolados e queimados vivos nessas regiões.
Faz parte da religião islâmica a guerra santa, e foi por ela que o Islã se expandiu em pouco tempo de forma espantosa, segundo Rudolph Thiel, de forma só comparável ao comunismo. E ambos se expandiram assim pela força das armas e pelo terror.
As Crescentadas tomaram à Cristandade o norte da África (onde inclusive viveu e ensinou Santo Agostinho, Bispo de Hipona) e chegaram até a Espanha, isso ainda no primeiro milênio da Era Cristã, e lá se mantiveram por séculos. No tempo de Cristóvão Colombo a reconquista da Península Ibérica ainda estava em curso, faltava o reino sarraceno de Granada. Os islamitas também chegaram à Hungria e, num movimento de pinças, poderiam chegar a sufocar o cristianismo em toda a Europa, pelo vil meio da força bruta, se não houvesse uma reação.
Quanto à Palestina, a Terra Santa, já havia estabelecimentos cristãos na região e os muçulmanos, que não eram de lá, também se apossaram da região. Os papas e príncipes católicos entenderam que deviam reagir à Crescentada, salvar os lugares santos daqueles invasores, libertar a Terra Santa. Por motivos muito menos sérios historiadores perdoam outras guerras. O que houve de fato foi legítima defesa.
Por certo, e damos isso de boa vontade, os cristãos também acabaram praticando crueldades, até contra comunidades cristãs; príncipes e chefes militares cometeram usurpações, maldades, desvirtuaram a essência das Cruzadas. A instituição em si, porém, era legítima.
Quero ressaltar que, apesar de os muçulmanos radicais (entre os quais se incluem inclusive adversários do Estado Islâmico, como o atual governo ditatorial da Síria) causarem com seus desmandos repulsa ao Islã, o fato é que existem muçulmanos de boa têmpera e que mantém bom relacionamento com os cristãos e praticam com dignidade seu culto a Alá. Existe inclusive diálogo inter-religioso (não confundam com o ecumenismo, que se refere às relações entre confissões cristãs) de alto nível entre a Santa Sé e líderes muçulmanos.
Em suma, eu entendo que, como diz o ditado, “da discussão faz-se a luz” e que polêmicas são saudáveis e que as pessoas devem se respeitar umas às outras apesar de pensarem diferente. Entendo que não-católicos têm todo o direito de questionar aspectos da Igreja Católica, mas também aprecio a objetividade nos argumentos. Assim sendo, não levo a sério críticas às Cruzadas como instituição católica, que não levem em conta o fato concreto e objetivo da existência anterior e posterior das Crescentadas.


Rio de Janeiro, 20 de abril de 2017.


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