A VIDA
Foi em um desses dias frios de inverno americano que a polícia de Nova York encontrou, debaixo de uma velha ponte abandonada, o corpo gélido e já sem vida de uma jovem senhora, vítima de uma onda de nevasca que estava passando pelo país.
Há alguns anos um fato dessa natureza, não pela nevasca, obviamente, mas pela singular semelhança dos fatos, também deixou o coração bondoso e caridoso de Irmã Dulce, fundadora de famosos movimentos sociais e caritativos, sangrando de dor, em Salvador, na Bahia.
Ao se ler, naturalmente, a notícia se parece com milhares com as quais somos bombardeados diariamente pela mídia e nas quais não damos nenhuma importância nessa miserável estrutura social de troca de valores da nossa sociedade atual. Mas pelos documentos que a desafortunada trazia consigo, os investigadores policiais descobriram que se tratava dos restos mortais de Constancy Kenedy Onásis, famosíssima atriz e cantora norte americana, que em tempos idos fora uma expoente de raríssima beleza e simpatia, admirada e cortejada por todas as rodas finas da mais alta sociedade americana e mundial.
Filha única de pais milionários, pai ator (Frank Onásis) e mãe cantora (Nancy Kenedy), Constancy se destacou pela inteligência, capacidade e desenvoltura com que encarava seus papéis e personagens em filmes, que logo se tornavam campeões de bilheterias, tais como: “No brilho das estrelas”, “Ao por do sol”, “Um amor para Constancy” e imortalizada no filme “Muito além do horizonte”, entre outros. Na música se consolidou como a intérprete mais perfeita do sentimento de amor dos norte americanos. Por vezes teve que fazer duas ou três sessões de apresentações no Carnegie Hall, em Nova York devido a lotação da casa de consertos mais famosa da cidade desde 1891. Cantava sucessos como: “My love for Lucy”, “Time to love”, “From the bottom of my heart”, “Wonderful love” e muitas outras que marcavam a vida das pessoas e as faziam ama-la mais ainda. Era só o que se ouvia pela cidade: “Constancy, Constancy, Constancy!”, Constancy, you're wonderful, we love you!
Um triste relato de uma vida que nos faz refletir em como são efêmeras e transitórias as glórias e belezas deste mundo. Com a morte dos pais, herdou sozinha uma fortuna avaliada em milhões de dólares, mansões, carros e aviões. Casou-se várias vezes, mas nunca foi feliz em seus relacionamentos amorosos, foi abandonada por todos e pelos filhos (John e Marie) por ter se envolvido com álcool e drogas pesadas. Fora abandonada também pelos que se diziam amigos, enquanto ainda possuía bens e fama. Depois, caiu na vida. Vendeu tudo o que possuía para manter o vício da bebida alcoólica, cocaína e heroína. Passou a viver e conviver com a escória nova iorquina e passar as noites, de um tremendo inverno, ao relento, embaixo de uma velha ponte em desuso na famosa cidade de New York, a mesma que a louvava e a aplaudia de pé em tempos de fama, riqueza, juventude e de beleza extrema.
A cena fantasmagórica nos faz pensar profundamente por instantes junto aos pertences amassados e congelados que a desditosa senhora Constancy carregava dentro de uma velha mala Tumi, a mala das celebridades americanas. Ali estavam prêmios musicais como: Grammy, American Music Awards, Globo de ouro e outros. E para a surpresa de todos, estavam também troféus de melhor atriz da Academia de astros de Hollywood, o Oscar dos melhores atores e atrizes do mundo, no qual fora indicada por cinco vezes e venceu tres. Tesouros que naquele desgraçado e triste momento nada mais valiam.
Aquele vultoso cadáver envolve uma eloquência que emudece. Porque é inevitável não perceber e avaliar o contraste da cena. Os lindíssimos trajes que a acompanharam pela vida, agora se transformaram em meros trapos. A obcecada admiração daquele rosto formoso e dos olhos verdes lindíssimos, que deixavam milhares de pessoas boquiabertas de admiração e até desejos, transformaram-se agora em face cadavérica e órbitas aprofundadas.
A mente de um ser humano cristão se dobra meditativa diante deste transe do homem, levada por uma sociedade sem alma e entregue a uma corja de elementos desumanos, malandros, vagabundos, traidores dos padrões morais, irracionais, corruptos e assassinos covardes das famílias, dos bens mais valiosos que podemos ter: O amor e a honra.
Nosso mundo contemporâneo que sabe apenas admirar a beleza física e exterior. A televisão, as revistas, jornais, internet, dedicam páginas e mais páginas em uma louca louvação sem escrúpulos, sem medir consequências, sem dó e nem piedade dos menos afortunados de um padrão de beleza imposto por um grupo que se acha no direito de tirar a felicidade da pessoa humana e sua dignidade, infernal louvação sem fim.
Diabólica tendência de hoje, a de se menosprezar a verdadeira beleza natural da alma e divorciar das mãos de Deus, o criador, a verdadeiríssima beleza, aquela que vem de dentro, do mais profundo da alma de todo ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus.
Pr. Camilo Martins
[Crônica adaptada da notícia publicada no Jornal Diário de Pernambuco do dia 12.12.1979 na página A-11 sobre miss Heléne Soubiroux – A famosa miss Paris. Nomes pessoais, de músicas e filmes são irreais, assim como os nomes dos prêmios, qualquer semelhança vem a ser mera coincidência]