O DESENVOLVIMENTO HUMANO PELA ÉTICA DA MISERICÓRDIA

      A verdade de ser perdoado e perdoar, evidencia a possibilidade do desenvolvimento pessoal. Dado que não se deixar ferir como efeito a qualquer contraposição à própria personalidade na vivência das relações interpessoais é um hábito de alguém evoluído, pois que é habitado por uma fonte transcendente de Vida e Amor que lhe alimenta sempre a ponto de transbordá-los para a alteridade. Nesta compreensão, há de se ter fundamento na pessoa de Jesus Cristo, ícone e hermeneuta do Pai – redentor universal e, Nele, adotar a disciplina da crucificação da egolatria, como ato de libertação e felicidade pessoais.

      O Filho de Deus assumiu a história humana praticando o bem, curando (At 10,38), ensinando com sua vida o princípio da doação como via para a felicidade (At 20, 35); deu a ética do Amor e do perdão absolutos (Mt 5, 44) que faz do ser humano, através Dele e do Espírito de Deus, semelhantes a Ele - Filho eterno do Pai e homem perfeito – que, nesta senda, vai se tornado fidedigna imagem de Deus que é Amor e Misericórdia (I Jo 4,8; Êx 34, 6).

      Ao se escutar o mistério da Páscoa de Jesus, sua cruz e glorificação, propiciando ao ser humano a graça de ser preenchido pela vida divina, mesmo sem deixar de ser natureza criada, compreende-se a beleza do Ser divino realizando Sua manifestação total, num transbordamento de Amor por sua criatura, até o limite de um rebaixamento-esvaziamento (Fl 2,7s) para alcançar o último ser humano que viesse a se encontrar no abismo das trevas da distância do Amor (Von Balthasar).

      Este Amor divino por cada pessoa humana é de uma infinidade a ponto do Verbo eterno do Pai ter assumido a natureza humana como filho da Virgem Maria, na cultura hebraica (Gl 4, 4), e descer na sua Paixão às mais espessas trevas inferiores (I Pd 3, 19s) onde o homem conseguiu se distanciar do divino amor, para oferecer a reconciliação com Deus, “amor, amado e amante” (Sto. Agostinho).

      Deus ama de tal modo as pessoas humanas que lhes dá a chance de viverem, remidos, no Espírito Santo, transbordando-o na comunidade humana e no cosmos, fazendo dos que aceitaram o dom da salvação, pessoas evoluídas que transparecem e transmitem a presença do Amor na alegria da conformação de todos os atos pessoais ao mistério da cruz e ressurreição do Filho de Deus, pelas fé e caridade. Conforme a teóloga russa M. Lot-Borodine: “o ser humano recebe pela graça aquilo que Deus tem por natureza; isto para que se torne pela graça aquilo que Deus é por natureza, ou seja, só Caridade, porque Deus é amor”.

      Com este pressuposto espiritual, pois “a divinização é possível pela visão e conhecimento da verdadeira Imagem de Deu s[Cl 1, 15]” (M. Tenace), tem-se o suporte para exercer a disciplina contra a “carne-ego”, crucificando-a para que a pessoa humana à imagem e semelhança de Jesus Cristo (Gl 5, 16s), tenha uma existência genuinamente humana, transmitindo vida plena e felicidade.

      Quem vive essa ascese sob a égide da cruz gloriosa, transcende os insultos ou agressões que venha a receber do outro; pois vive a paternidade ou maternidade espirituais que tudo perdoa, resplandecendo o divino amor que reside na sua interioridade; compreendendo que uma pessoa que insulta e agride, apenas tem desamor para oferecer; esta não encontrou alguém que lhe ame, não encontrou Deus, ainda está buscando-O.

      Assim, quem transborda o Amor, não se deixa ferir por quem careça de vida em plenitude, mas, no perdão, crucifica os apelos de retratação da sua “carne-ego” e torna-se plenamente humano, em Cristo, transmitindo o perdão e a presença do Amor. Neste sentido, o perdão, como vivência transbordante do divino Amor, faz evoluir as pessoas que, interpeladas por Cristo, aceitam a sua senhoria e tornam-se templos do Espírito de Deus, gerando vida e alegria, pela não-violência, no coração da sociedade e do universo, contribuindo com a Palavra de Deus, para a paz.

REFERÊNCIAS:

BALTHASAR, Hans Urs Von.  Mysterium Paschale in Mysterium Salutis III/6.
BÍBLIA de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 2002.

SANTO AGOSTINHO. A Trindade.4,ed. São Paulo: Paulus, 2007. (Col. Patrística, 7).

TENACE, Michelina. Para uma antropologia de comunhão II: da imagem à semelhança - a salvação como divinização. Bauru: Edusc, 2005