O mistério da manjedoura

Padre Geovane Saraiva*

O clima alegre e esperançoso do Natal do Senhor favorece-nos a um bom mergulho no projeto de Deus. Para que essa esperança não seja passageira, somos convidados a contemplar o contexto misterioso da manjedoura, numa atitude de oração, louvor, agradecimento e súplica. Na missa da noite de Natal de 2016, na Basílica de São Pedro, o Papa Francisco falou de uma noite de glória, alegria e luz, e recordou as crianças que “jazem nas miseráveis manjedouras”. Disse que no Menino Deus “faz-se concreto o amor de Deus por nós”. Na simplicidade e fragilidade de um recém-nascido está Deus, e não na “sala nobre de um palácio”1 .

A contemplação do mistério do amor de Deus, visivelmente expresso na manjedoura, com toda sua forte simbologia, é claro que indica mudança interior. A reflexão do Santo Padre leva em conta as angústias e as dores, nas quais o mundo está envolvido, asseverando: “É um Menino que nos interpela e que nos chama a deixar as ilusões do efêmero para ir ao essencial, a renunciar às nossas insaciáveis pretensões”2 . Francisco falou das manjedouras de dignidade, referindo-se às crianças refugiadas, migrantes, as que não nascem, as que não são saciadas e as que não têm brinquedos, mas armas.

O Sumo Pontífice alimenta no íntimo do coração o sonho de Deus-Pai: o do esforço por um mundo solidário, capaz de eliminar a indiferença, vendo-a como um dos males de nossos dias. Deixou claro o paradoxo do Natal como mistério de esperança e tristeza, falando do sabor da tristeza quando José e Maria encontram portas fechadas na hospedaria e tiveram que colocar Jesus numa manjedoura. O Natal tem sabor da esperança no mistério: “Deus, nosso enamorado, atrai-nos com a sua ternura, nascendo pobre e frágil no meio de nós”3 .

A palavra do Bispo de Roma é um forte grito e consequente clamor, querendo acordar a humanidade: “Jesus nasce rejeitado por alguns e na indiferença da maioria. E a mesma indiferença pode reinar também hoje, quando o Natal se torna uma festa onde os protagonistas somos nós, em vez de ser Ele; quando as luzes do comércio põem na sombra a luz de Deus; quando nos afanamos com as prendas e ficamos insensíveis a quem está marginalizado”4 .

Não nos cansemos de agradecer ao bom Deus, na busca permanente de dignidade de filhos, pelo coração terno, afável e generoso do Santo Padre, ele que encarnou, infatigavelmente, o projeto de Deus: o dos seres humanos renovados, livres e resgatados, cheios de esperança, numa incessante e indissolúvel conjugação de esforços, esperança essa que tem sua origem no mistério da manjedoura: da terra se confundir com o céu e o céu se confundir com a terra. Assim seja!

*Pároco de Santo Afonso e vice-presidente da Previdência Sacerdotal, integra a Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza - geovanesaraiva@gmail.com

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1 Homilia do Papa Francisco, Missa do Galo, Natal de 2016.

2 Ibid.

3 Ibid.

4 Ibid.

Geovane Saraiva
Enviado por Geovane Saraiva em 27/12/2016
Reeditado em 27/12/2016
Código do texto: T5864712
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