PAULO E A COMUNICAÇÃO

PAULO E A COMUNICAÇÃO

Antônio Mesquita Galvão

São Paulo é sempre uma referência na Igreja quando o assunto é comunicação. Isto acontece porque este apóstolo não mediu esforços em interagir com comunidades, primando pelo uso dos meios mais rápidos de comunicação disponíveis no seu tempo, sem desprezar o contato direto com as pessoas. A desenvoltura na comunicação certamente teve como motivação a experiência de Jesus Cristo, a paixão pelo Evangelho e o amor ao povo ao qual se sentia chamado a anunciar. Tanto no passado como no presente, a comunicação continua a ser um tema urgente. Paulo abre-nos algumas pistas para a reflexão e para a prática comunicacional, conforme vamos tentar mostrar após fazer um aceno à comunicação nos âmbitos interpessoal e instrumental.

1. Falando de comunicação

A comunicação é uma das necessidades básicas do ser humano. É por meio da comunicação verbal e não-verbal que as pessoas interagem entre si e constroem a sociedade. Assim como não existem homens sem sociedade, também não existe sociedade sem comunicação. É o fio condutor que perpassa pessoas, grupos sociais e instituições possibilitando a construção do que chamamos cultura. O filósofo Noam Chomsky (nascido em 1928), um comunista norte-americano, fala, em uma de suas obras (“Visões Alternativas”) nas estratégias que o sistema (e aí se incluem as elites sociais, políticas, educacionais, econômicas e até religiosas) utiliza para manipular o pensamento das pessoas e assim conformar a opinião geral às suas ideologias. O curioso é que os sistemas, de direita ou esquerda, capitalistas ou socialistas, religiosos, agnósticos ou ortodoxos, todos usam as mesmas técnicas e táticas, visando cooptar (eu até diria “domesticar”) e impor seus pontos de vista, para assim dominar, suplantar e “vender o seu peixe”.

George Orwel († 1950) o célebre escritor e ensaísta inglês, referindo-se ao mau uso que os sistemas fazem da mídia, afirmou que “a massa sustenta a marca; a marca patrocina a mídia e a mídia controla a massa”. Orwel é autor do livro (levado às telas) “1984” (escrito em1949) onde foi tratado pela primeira vez o sistema de espionagem social conhecido como “O grande irmão” (Big Brother).

1.1 Comunicação: uma experiência antropológica

A comunicação é, em primeiro lugar, uma experiência antropológica fundamental, cujo significado está no próprio termo. O primeiro sentido, provindo do latim, remonta ao século XII (1160), e remete à idéia de comunhão, de partilha. A comunicação é sempre a busca do outro e de um compartilhar. Porém, por mais que a palavra comunicação esteja fora de moda, em desacordo entre o discurso e a prática, nem sempre as pessoas participam de maneira satisfatória desse processo, particularmente na relação interpessoal, chegando, às vezes, a mal-entendidos.

Não basta querer interagir. Se alguém não consegue expressar seus pensamentos e sentimentos de maneira inteligível ao interlocutor, a comunicação pode fracassar, transformando-se em um mero ruído. Comunicar também não é só emitir mensagens, mas é estar receptivo para receber e interpretar o que o outro tem a dizer (o feedback). Ou seja, o bom comunicador não é aquele que fala muito, mas o que fala o necessário e escuta com atenção, de modo a dar a resposta adequada e criar “interação”. Neste sentido, a escuta é um elemento importante no processo comunicacional. Escutar não se reduz a “ouvir”.

Podemos ouvir um barulho, uma voz, uma mensagem e não nos importar com seu significado. Escutar, ao contrário, é dar atenção e buscar um significado não só à mensagem que é recebida, mas à pessoa que transmite o seu conteúdo. Escutar é perceber o outro na sua situação. Para isso é necessário vencer o desejo de dar respostas sem antes "escutar" ou, então, de emitir uma resposta, antes que o interlocutor termine de dizer totalmente o que pensa. A comunicação é tão importante que podemos afirmar que dela depende a qualidade de nossas relações humanas.

1.2 A comunicação instrumental

Entendemos, hoje, por comunicação tanto a que acontece diretamente, entre duas ou mais pessoas, como a difusão, à distância, de idéias, conhecimentos e experiências, mediatizados pelas técnicas criadas pela inteligência humana. Tais instrumentos nasceram especialmente a partir do século XV, com a imprensa, e se desenvolveram rapidamente no século XX, com os veículos eletrônicos e informáticos (revistas e jornais impressos, telefone, televisão, rádio, Internet e outros). Além desses aparatos que chamamos "mídia", surgiram também os meios de transporte que facilitaram a interação entre as pessoas: automóvel, trem, avião, navio, etc.

Foi para comunicar-se melhor, para compartilhar, para difundir informações que os instrumentos técnicos de comunicação se desenvolveram e entraram de tal forma na vida cotidiana que engendraram uma nova cultura. De fato, há uma cultura veiculada pela mídia cujas imagens, sons e espetáculos ajudam a urdir o tecido da vida cotidiana, dominando o tempo de lazer, modelando opiniões políticas e comportamentos sociais, e fornecendo o material com que as pessoas forjam sua identidade. O rádio, a televisão, o cinema e os outros produtos da indústria cultural fornecem os modelos daquilo que significa ser homem ou mulher, bem-sucedido ou fracassado, poderoso ou impotente.

A cultura da comunicação, tal como atualmente está constituída, se organizou com base no modelo de produção de massa. Assumiu uma forma de cultura comercial e seus produtos são mercadorias que tentam atrair o lucro das grandes empresas. É impossível pensar a sociedade sem a comunicação instrumental (os mass media) e esta, por sua vez, é difícil de ser pensada, isolada de interesses que envolvem lucro e poder. Todavia, não podemos, evidentemente, reduzir a mídia a interesses comerciais. Instituições religiosas, culturais, educativas, ONGs, e outras organizações deste gênero, também descobriram a importância dos instrumentos de comunicação, utilizando-os em suas atividades. Cresce sempre mais a consciência de que sem o uso desses instrumentos é impossível desenvolver qualquer iniciativa de promoção humana eficaz. A comunicação instrumental é importante, porém, não pode fazer-nos esquecer que ela é antes de tudo uma experiência humana. O uso das tecnologias comunicacionais facilitou os contatos e os intercâmbios de informações, porém não há nenhuma prova de que melhoraram a qualidade da comunicação entre as pessoas.

O mesmo acontece com a Internet, o mais novo espaço de comunicação para o qual convergem todas as mídias. Desenvolvida principalmente nas duas últimas décadas, a Internet, como todos os outros meios de comunicação, reforça e estimula o intercâmbio de experiências e informações, porém, não substitui as relações pessoais nem a vida comunitária. A comunicação, com todo o avanço tecnológico, segue como desafio.

2. Falando de Paulo como “comunicador”

Evangelizar é “comunicar”. Paulo é o apóstolo que não se cansou de proclamar a boa notícia de Jesus Cristo. É assim que ele inicia a carta aos Romanos: “De Paulo, servo de Jesus Messias, chamado a ser apóstolo, reservado para anunciar a boa notícia de Deus...” (Rm 1,1.) Paulo não mediu esforços em seu trabalho de evangelização. Além de manter-se em contínua comunicação com os que estavam ao seu lado, buscou todos os recursos técnicos de comunicação disponíveis da época para fazer o evangelho chegar aos que estavam distantes. Soube buscar o equilíbrio entre a comunicação interpessoal e a indireta, por meio de suas cartas, com um só objetivo: chegar a todos com a Palavra de Deus.

2.1 Um emissor com mensagem clara

A comunicação é um processo do qual faz parte o emissor que transmite uma mensagem e um receptor (um ou mais) que a recebe. Ao descrever o apóstolo Paulo, do ponto de vista da comunicação, podemos afirmar que ele tem clara sua mensagem. Sabe o que deseja anunciar. Paulo tem um conteúdo que nasce, não só de sua formação intelectual, mas principalmente de sua experiência de vida. Educado na mais perfeita tradição judaica, Paulo trazia consigo uma bagagem cultural que incluíam um conhecimento profundo das tradições do judaísmo e noções das filosofias e religiões gregas de seu tempo. Porém, a experiência que fez na estrada de Damasco, conhecida comumente como “conversão”, marcou profundamente sua vida, mais do que todos os estudos e práticas religiosas.

No caminho de Damasco, o perseguidor ferrenho dos cristãos tem um encontro inusitado que o faz cair por terra. Encontra-se com Jesus Cristo, o mesmo que ele perseguia na pessoa dos cristãos. Ananias, que o acolhe depois dessa experiência, tem uma visão na qual o Senhor afirma: “esse homem é um instrumento que eu escolhi para anunciar o meu nome aos pagãos, aos reis e ao povo de Israel” (At 9,15).

Paulo, em pessoa, torna-se um “instrumento de comunicação” da boa-notícia, que tempos depois o faz reconhecer: “agradeço àquele que me deu força, a Jesus Cristo nosso Senhor, que me considerou digno de confiança, tomando-me para o seu serviço, apesar de eu ter sido um blasfemo, perseguidor e insolente” (1Tm 1,12-13). Da conversão de Paulo nasce a missão cujo fundamento está numa convicção. “Sei em quem depositei a minha fé”, escreve a Timóteo (2Tm 1,12). Tem consciência de que o evangelho, que comunica com tanta paixão a todos os povos, chegou a ele por meio de uma revelação que transformou totalmente sua vida. O que move a comunicação de Paulo é a fé em Jesus Cristo, a ponto de dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu que vivo, pois é Cristo que vive em mim. E esta vida que agora vivo, eu a vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20).

2.2 Fazer-se “tudo” para todos

Paulo não consegue conter o que descobre e o que pensa em relação à revelação que recebe. Sente um impulso forte para a missão. “Anunciar o evangelho, afirma o apóstolo dos gentios, não é título de glória para mim; pelo contrário, é uma necessidade que me foi imposta. Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho!” (1Cor 9,16). O apelo que sente intimamente para anunciar o evangelho é respondido nos inúmeros contados com pessoas e comunidades, como descreve, por exemplo, o capítulo 16 da Carta aos Romanos.

O evangelho faz o Apóstolo romper todas as barreiras do preconceito e da discriminação, e buscar a todo custo criar e reforçar a comunhão. Para ele, o importante é chegar a todos, considerando a situação concreta de cada um. Por isso afirma: “com os judeus, comportei-me como judeu, a fim de ganhar os judeus; com os que estão sujeitos à Lei, comportei-me como se estivesse sujeito à Lei - embora eu não estivesse sujeito à Lei (...). Com os fracos, tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Tornei-me tudo para todos, a fim de salvar alguns a qualquer custo”. (1Cor 9,22). As cartas que escreveu a um público diversificado não se reduzem à transmissão escrita de uma doutrina e nem substituem o contato pessoal. Seus escritos registram também um carinho enorme para com os destinatários e refletem o desejo de estar presente junto às pessoas. É o caso quando escreve aos coríntios, em cuja carta afirma: “Irei até vocês depois de passar pela Macedônia... Não quero vê-los apenas de passagem; se o Senhor permitir, espero ficar algum tempo com vocês” (1Cor 16,5.7).

Revela também a intenção de estar com os cristãos da Tessalônica: “Irmãos, já faz algum tempo que estamos separados de vocês, longe dos olhos, mas não do coração, e por isso temos o mais vivo e ardente desejo de tornar a vê-los”. (1Ts 2,17). Igualmente, expressa este sentimento a Timóteo: “Escrevo-lhe estas coisas esperando encontrá-lo em breve”. (1Tm 3,14). Paulo comunica por meio de cartas, mas sente o “ardente desejo” de ver, de estar com as pessoas. Mesmo quando se encontra na prisão, busca de certa forma levar sua mensagem ao destinatário, por meio de algum colaborador, que faz o “contato pessoal”. Envia, por exemplo, Timóteo e Epafrodito a Filipos (Fl 2,23ss) e Tíquico e Onésimo a Colossos (Cl 4,7ss).

Seja diretamente ou por meio de outras pessoas, Paulo busca não só passar mensagens, mas também “escutar”. Na verdade suas cartas são respostas às necessidades, indagações e situações das comunidades. É o caso, por exemplo, do que escreve na primeira carta aos Tessalonicenses: “Timóteo acaba de chegar da visita que fez a vocês, trazendo boas notícias sobre a fé e o amor de vocês” (1Ts 3,6). Paulo manda a boa-notícia, mas permanece atento às “notícias” que chegam de seus destinatários. Desta maneira constrói relações sólidas que criam “comunhão”.

2.3 Linguagem correta em canais adequados

Paulo nasceu aproximadamente no ano 10 da era cristã, em Tarso da Cilícia, uma cidade grande para a época, com aproximadamente 300 mil habitantes. Conhecia muito bem a cultura urbana, de modo particular a linguagem e as necessidades das pessoas. Isso, associado ao uso dos recursos de comunicação, incluídas as estradas e a navegação, contribuiu para a difusão do evangelho. Mesmo os momentos mais difíceis, como o período em que passou na prisão, não desanimaram o Apóstolo em sua missão de "comunicar". Podia estar no cárcere, mas tinha absoluta certeza de que não havia motivos para a palavra de Deus estar algemada (2Tm 2,9). Fazia o possível para que a boa notícia chegasse onde ele, por algum impedimento, não podia estar presente. E fazia chegar com os meios mais modernos de comunicação da época, dentre esses, as cartas escritas, dirigidas a alguns de seus colaboradores mais próximos ou às comunidades.

O apóstolo Paulo tinha conhecimento do alcance de suas cartas, na época em que viveu. Sabia que uma mesma mensagem escrita podia chegar a muitas pessoas e comunidades. Esta estratégia pode ser percebida na recomendação que faz aos colossenses, quando ele dá a seguinte recomendação: “Depois que vocês lerem esta carta, façam que seja lida também na Igreja de Laodicéia. E vocês leiam a de Laodicéia” (Cl 4,16).

Hoje, comunicadores cristãos modernos usam a Internet para circular suas mensagens de evangelização. Outro detalhe que Paulo nos ensina em seu modo de comunicar o que se refere à adequação da linguagem ao destinatário. Ele tinha a capacidade de adaptar o evangelho à linguagem do contexto cultural em que vivia. Recordamos que enquanto Jesus era um homem do campo que usava parábolas com termos, tais como, semente, ovelha, videira, pastor, Paulo, originário da cidade, utiliza palavras como estádios, competições esportivas, desfiles, armaduras. Enquanto Jesus anuncia a boa notícia pelas estradas, nos montes, à beira de lagos. Paulo prega nas praças de grandes cidades.

O livro dos Atos dos Apóstolos testemunha que depois de Paulo ter pregado em numerosos lugares se dirige ao areópago onde anuncia o evangelho, utilizando uma linguagem adequada e compreensível naquele ambiente (cf. At 17, 22-31). O areópago representava no seu tempo o centro da cultura do douto povo ateniense. Buscando a linguagem correta e os meios adequados, Paulo responde às exigências de seu tempo. O papa Paulo VI afirmou no século XX “se Paulo vivesse hoje seria jornalista”.

Conclusão

Muitos homens e mulheres de Igreja buscaram em Paulo a inspiração para o trabalho pastoral com os meios de comunicação. Um desses, o bem-aventurado Tiago Alberione († 1971), intuiu, em 1914 que uma das necessidades de seu tempo era justamente utilizar os meios técnicos mais rápidos e eficazes para chegar aos que “estavam distantes”, que para ele eram os que não participavam da vida das comunidades. Fundou um conjunto de congregações e institutos voltadas exclusivamente à comunicação.

Em 1960, ainda antes do Concílio Vaticano II, que tratou de maneira positiva os instrumentos de comunicação, Alberione escrevia: “Se são Paulo vivesse hoje, continuaria a inflamar-se com aquela chama de um mesmo incêndio: o zelo por Deus e pelo seu Cristo, e pelos homens de todas as nações. E para ser mais ouvido falaria dos púlpitos mais altos e multiplicaria sua palavra com os meios do progresso atual: imprensa, cinema, rádio, televisão”.

Nas últimas décadas a Igreja foi descobrindo o mundo da comunicação como o primeiro areópago dos tempos modernos que está unificando a humanidade e transformando-a em na “aldeia global” preconizada por McLuhan († 1988). De fato, os meios de comunicação se tornaram o principal meio informativo e formativo que influencia, em alguma medida, os comportamentos sociais e individuais e condicionam as novas gerações.

O Documento de Aparecida ressalta, porém, que não basta apenas ter a consciência da importância dos instrumentos de comunicação social. Reconhece que muitas vezes as linguagens utilizadas na evangelização e na catequese não levam em consideração a mutação dos códigos e existencialmente relevantes nas sociedades influenciadas pela pós-modernidade e marcadas por amplo pluralismo social e cultural. A Igreja tem ainda uma grande dificuldade de entrar na cultura pós-moderna dos meios de comunicação.

São Paulo continua a ser inspiração para todos os que acreditam na evangelização com as novas tecnologias da comunicação. Soube usar os meios mais rápidos e eficazes de seu tempo, com linguagem adequada, sem perder a dimensão humanista. Dele aprendemos que não existe Igreja sem comunicação. Ou a Igreja se comunica ou deixa de ser Igreja... Seu exemplo nos mostra que se a evangelização não assume os elementos positivos da cultura corre o risco de ser apenas um ruído no meio de tantos outros. Perde a eficácia por não atingir os objetivos elementares.

À luz da vida de Paulo, terminamos esta reflexão com algumas indagações: imersos na cultura da comunicação, dominada por interesses do mercado, qual o verdadeiro móvel quando o assunto é evangelização? Num mundo marcado pela comunicação instrumental, que espaço é dado, nas comunidades e na Igreja, à comunicação interpessoal? Como recuperar a dimensão humanista e cristã da comunicação?

O autor é Filósofo, Moralista e Comunicador