O segredo do Tabernáculo
 
Todo iniciado na tradição maçônica sabe que o Templo de Jerusalém foi erigido segundo instruções místicas, que visavam reproduzir nesse edifício o próprio desenho do Cosmo, e que, segundo acreditavam os israelitas, era a “morada de Deus ”. [1]
Essa visão se justifica plenamente, pois na construção de um edifício, quanto mais sofisticado ele for, mais encontraremos noções de ciência aplicada. Nele se aplicam conhecimentos de física, química, geologia, sociologia, matemática, astronomia e muitas outras disciplinas, necessárias á perfeita construção e adequação do logradouro às necessidades que ele visa atender. É o que dizia Fulcanelli, por exemplo, quando se referia á catedral gótica, que no seu entender, era um verdadeiro santuário de tradição e aplicação das ciências físicas e sociais. [2]
 A Cabala chama de Sod aos enigmas que estão ligados ao desenho estrutural do universo, os quais foram reproduzidos na planta do primeiro Templo de Jerusalém. Por isso ele era originalmente chamado de Santuário da Solidão, pois ali reinava o Ùnico, o Santo dos Santos, que não tinha par entre todas as potestades do universo.
Como se sabe, o Templo de Jerusalém foi desenhado a partir das instruções que Deus deu a Moisés para a construção do Tabernáculo. Todos os utensílios, os adereços, as vestes dos sacerdotes e as próprias medidas do Templo tinham uma função específica e um significado arcano de grande importância.
O Tabernáculo tinha três divisões representando o céu (o altar onde ficava o Santo dos Santos), o mar (onde ficava o Lavatório, a grande bacia de bronze) e a terra (o Átrio, onde ficava o povo e altar do holocausto). Os quatro tipos de tecido usados na confecção do Tabernáculo simbolizavam os quatro elementos; a sobrepeliz do Sacerdote Supremo (Cohen gadol) com suas variações cromáticas era a imagem do universo nascente, que em sua origem apresentava uma profusão fantástica de cores.[3] As campainhas significavam a harmonia do som, já que esse é um dos elementos com os quais Deus constrói o universo; as doze pedras preciosas no peitoral do sacerdote e os doze pães da preposição simbolizavam, no plano cósmico, os doze signos do zodíaco e no sociológico as doze tribos de Israel, maquete da Humanidade Autêntica. As duas esmeraldas nas ombreiras do sacerdote eram o sol e a lua. Na mitra do sacer-dote as quatro letras do Nome de Deus (IHVH), diziam que todo o universo era construído a partir das letras do Nome Sagrado. O candelabro de sete braços (menorah) significava os sete planetas conhecidos na época. A mesa arrumada na direção norte, com os pães da preposição e o sal, todos arranjados na forma de uma mandala mágica, homenageavam a chuva e o vento, forças necessárias á produção da terra. A grande bacia de bronze que os sacerdotes usavam para lavar os pés e as mãos simbolizavam a limpeza de caráter que o homem devia mostrar frente á divindade.



 
     Assim, na simbologia do Templo de Jerusalém e de seus utensílios estava descrita toda a estrutura de constituição física do universo e, além disso, um vigoroso código de moral para guiar os seus construtores. Essa também seria a formulação simbólica que viria a inspirar, na Idade Média, os maçons operativos na mística da sua arte. Por isso é que eles mostravam, na execução do trabalho puramente operativo, o desvelo próprio de um artista que sente estar copiando a própria obra de Deus; e na alma que assim se consagra a esse trabalho havia um sentimento de ascese que transcendia o plano físico para levá-lo ao arrebatamento próprio daqueles que se dedicam á uma prática de natureza sagrada. Estava, assim, nascida a mística operativa que deu origem á Maçonaria.[4] 
 
O templo e o homem
 
Por outro lado, são muitas as tradições que sustentam ser o organis-mo humano, integrado á sua parte espiritual, um desenho do próprio universo, do qual reflete sua formulação mecânica e suas leis de formação e desenvolvimento. Essa analogia entre o homem e o universo se revela no postulado, tão caro aos hermetistas e já bem aceito por cientistas de renome, de que no microcosmo (o homem) se repetem as mesmas leis que formatam o macrocosmo (o universo).[5]
Se tudo isso é verdade provada ou mera especulação, só Deus poderia dizer. Nós só podemos deduzir e acreditar ou não. Mas há algumas coisas que não podem ser ignoradas. Uma delas é o que diz a teoria da evolução. Segundo essa teoria, todas as espécies vivas são "fabricadas" pela natureza com um "programa" específico que as submete a um processo evolutivo inexorável. Esse “programa” é necessário tendo em vista as constantes mudanças ambientais a que o universo está sujeito. A espécie que não consegue adaptar-se a essas mudanças acaba sendo substituída por outras mais competentes.
Essa é uma lei existente na natureza, chamada pelos antropólogos, de lei dos revezamentos. [6] Ela existe para promover uma necessária evolução nas espécies por ela produzidas por meio do aperfeiçoamento das suas habilidades e capacidades. Não se aplica somente ás espécies vivas, mas á toda a realidade universal, inclusive aos elementos químicos e a matéria bruta em geral. Pois todos os elementos químicos também são obtidos por interação de seus componentes, da mesma forma que os organismos moleculares. Quer dizer, repetem-se na matéria bruta os mesmos processos que formatam a matéria orgânica e tanto uma quanto a outra estão sujeitas ás mesmas leis de nascimento, formação, desenvolvimento e desaparecimento, o qual se dá pelo fenômeno da transformação seletiva.
Por isso, a teoria da evolução encontra mais paralelos na doutrina da Cabala do que nas outras tradições religiosas. Aqui ela é figurada através de um desenho mágico ─ filosófico, chamado Árvore Sefirótica, ou Árvore da Vida, esquema místico que representa as manifestações da Vontade Criadora no mundo das realidades sensíveis. Nesse desenho, cada sefirá (que aqui é visto como um campo de energia atuante) é uma fase de construção do universo e reflete um processo de evolução perene, constante e ordenado, que serve tanto para explicar o processo de construção das realidades do mundo material, quanto as realidades do mundo espiritual.
A Árvore da Vida mostra o mundo (e o homem) sendo construído como se ele fosse um lago que transborda e vaza para outro lago, até formar o grande mar universal, onde todas as formas de existência, físicas e espirituais, podem ser encontradas. Essa visão não deve ser considerada uma alucinação mística nem apenas uma especulação metafísica. Sabemos que quando dois elementos químicos se juntam eles formam um composto. Conservam suas características particulares, mas também formam um terceiro elemento com diferentes propriedades. O composto, que é o filho nascido dessa união, possui as propriedades dos elementos que o formaram e agrega aquelas que são desenvolvidas por ele próprio. Nessa fórmula está o segredo da teoria da evolução. Dois átomos de hidrogênio combinados com um de oxigênio formam uma molécula de água. A água é um composto, "filho de H²0," que tem H (hidrogênio) e O (oxigênio) na sua composição, mas também tem outras propriedades que seus "pais", individualmente, não possuem. Ela tem a propriedade de incubar a vida. A água é necessária à vida. É o leito onde ela nasce. É nesse sentido que Teilhard de Chardin vê o homem como sendo um “complexo-consciência”, ou seja, um composto feito por elementos orgânicos, obtidos por sínteses naturais (seleção natural) e elementos psíquicos, produzidos por sínteses mentais cada vez mais elaboradas, que resultam em um espírito individual, e estes, em um ser pluralístico, que no final comporão um ser espiritual coletivo que ele chama de Ponto Ômega.[7]
Assim também acontece com o restante do universo. Cada fase da evolução é uma combinação de elementos. Cada nova fase desenvolve suas próprias particularidades, que são as propriedades com as quais ela contribui para o desenvolvimento do universo como um todo. Por isso cada fase constitui um passo a mais no processo de evolução porque o composto que nasce da união dos elementos é sempre um resultado mais complexo dos que os elementos que o formam. Nada se perde do que já foi conquistado, apenas se transforma em algo novo, com diferentes propriedades, sempre em um estágio mais avançado de evolução.    
Por isso o novo é sempre maior que a soma das suas partes.  Novas propriedades são adicionadas ao universo a partir de cada interação praticada por seus elementos. E assim ele se supera em cada momento da sua constituição.

Por isso a Maçonaria adotou o Templo de Salomão como simbolismo máximo da sua arte. É que nesse edifício, construído a partir das instruções dadas por Deus para a construção do Tabernáculo, podem ser lidos o planos do Criador para o  desenvolvimento estrutural do universo e do próprio ser humano. Nesse simbolismo está o grande segredo desse estranho e místico aparato da religião judaica, onde Deus, na sua glória, iria se manifestar ao mundo.
 
 
[1] Alex Horne- O Templo do Rei Salomão na Tradição Maçônica. São Paulo. Ed. Pensamento, 1998.
[2] Fulcanelli. O Mistério das Catedrais. Lisboa, Ed. Esfinge, 1964.
[3] Ver, nesse sentido, a imagem apresentada por Stephen Hawking sobre a coloração inicial do universo saído do Big-Bang. O Universo em Uma Casca de Nóz- citado. Sobre esse assunto ver ainda a concepção de Gershon Scholem sobre a experiência mística, onde ele diz que “quase todos os místicos do nosso conhecimento retratam essas estruturas como configurações de luzes e cores”. Não seria essa uma indicação de que o nosso inconsciente tem, de fato, uma ligação mística com o início de todas as coisas?
[4] Alusão á crença dos antigos maçons que construíam os templos religiosos na Idade Média, de que eles eram os “operários do Bom Deus”, pois estavam construindo na terra as moradas da divindade. Por isso o caráter sacro da sua arte. Na Imagem, reconstituição do Templo de Jerusalém: Fonte: Alex Horne: O Templo de Salomão na Tradição Maçônica.
[5] Em linguagem hermética, “o que está em cima é como o que está em baixo.”.
[6] Lei dos revezamentos, em antropologia, é a lei segundo a qual os organismos que não desenvolvem uma estrutura capaz de sobreviver em ambientes desfavoráveis e diferentes daqueles nos quais vivem, fatalmente serão substituídos por outros mais competentes. Com isso a natureza mantém o processo da vida sempre ativo e com claro sentido evolutivo. Ver, nesse sentido, Teilhard de Chardin - O Fenômeno Humano, citado.
[7] Teilhard de Chardin- O Fenômeno Humano, Ed. Cultrix, 1990.