Ateus einsteinianos

ATEUS EINSTEINIANOS

Miguel Carqueija



Há quem levante esta dúvida: ateus existem realmente? Será que existe alguma pessoa sobre a face da Terra que em seu foro íntimo duvida realmente da existência de Deus, da vida após a morte e de qualquer transcendência? Note-se que Deus não é uma invenção da religião, como apregoam. Sua existência está ao alcance da razão humana e foi reconhecida por filósofos, independente de revelações. Aliás, sem Deus (o “existente em essência”) não se explica o universo.

Curioso é notar que na literatura e no cinema de ficção científica, afora crentes explícitos como C.S. Lewis, existem sem dúvida muitos autores que se dizem ateus. Porém, surpreendeu-me que no exame da obra de vários dos mais importantes materialistas da FC, encontrei com frequência vislumbres de espiritualidade, de busca pela transcendência da parte daqueles que, como descrentes que são, deveriam se mostrar de todo imanentistas. O verdadeiro ateu, o ateu completo, não deveria aceitar nada que fosse superior ao Homem, aí considerado o “deus de si mesmo”. No entanto, insistindo em negar um Ser Supremo, os escritores e cineastas aos quais vou me referir não escondem um verdadeiro anelo pela transcendência — algum tipo de transcendência — o que mostra que, no fim das contas, não lhes satisfaz a total aniquilação que lhes promete a sua “religião” atéia.

Um caso típico é o de Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke, cujo filme “2001: a space odissey” é curiosamente místico. Até ouvi dizer que era o filme favorito de São João Paulo II, mas não dou certeza disso, visto que em geral nõs não temos um, mas vários filmes favoritos.

Como quer que seja, a espiritualidade desta película foi reconhecida até por Dom Estêvão Bettencourt O.S.B., que analisou o simbolismo do megalito; além disso o desfecho da fita é de um intenso misticismo, um mergulho no transcendental. Clarke, aliás, assina um conto de fundo religioso, “Os vinte milhões de nomes de Deus”; nele monges tibetanos pedem ajuda a um computador para definir todos os nomes que se pode dar a Deus e, terminada essa tarefa, o mundo acaba... e no romance “O fim da infância” a humanidade é absorvida por uma entidade cósmica, um super-ser que é o sucedâneo de Deus na visão dessa história, ainda que se trate de uma ataque à religião, inclusive à Religião Revelada. Mas Clarke não ilude o fato (que fica óbvio) de que, mesmo não querendo aceitar o Ser Supremo, ele aspirava à transcendência, e coloca um super-ser no lugar de Deus...

Porque nessas manifestações de ateus na ficção científica deparamos frequentemente com isso: embora aparentemente sigam os dogmas de fé do materialismo (não há Deus, não há alma, não há transcendência, não há vida post-mortem; tudo dogmas negativos) eles acabam buscando “algo mais” que o simples humano mortal: e nas suas histórias aparecem super-seres que não se distinguem dos deuses mitológicos, absorção da humanidade por entes superiores que dirigem o universo, busca pela imortalidade física...

Até mesmo Isaac Asimov não escapou a esse tropismo, ou atração pelo excelso, sobrenatural ou super-humano: e no seu pouco conhecido mini-conto “Olhos sentem mais que vêem” a humanidade, num futuro imensamente distante, sobrevive como espíritos flutuantes no universo, e se distraem manipulando a matéria.

Outro célebre descrente, o cientista Carl Sagan, realizou uma película de ficção científica assaz religiosa, “Contato”.

Esse acúmulo de exemplos que começo a colecionar não pode ser mera coincidência. Que dizer do produtor Gene Roddemberry, criador de “Star Trek” (Jornada nas estrelas)? Com todo o aparente materialismo da série (originada, é claro, do materialismo do produtor) nela aparecem os tais super-seres, como o cínico “Q”.

Mesmo na série literária alemã “Perry Rodhan” os super-seres são importantíssimos, apesar de a religião propriamente dita estar praticamente ausente. Mas lá aparece “Aquilo” (é o nome mes mo do personagem) a “entidade cósmica” que presenteia o protagonista com o ativador celular que lhe confere imortalidade relativa.

H.P. Lovecraft (1890-1937) também se dizia ateu. Todavia em sua mitololgia de horror cósmico destacam-se, aliás dominam o cenário, entes demoníacos, os Grandes Antigos, imortais e super-poderosos. São demonios na versão lovecraftiana. Ou seja, ao menos no lado maligno existe o sobrenatural.

Nosso estimado Jorge Luiz Calife, também descrente, nem por isso deixou de criar heroínas imortais e uma curiosa entidade conhecida como a “Tríade” que já pelo nome, mesmo não tendo sido a intenção do autor, faz pensar na Trindade cristã.

Será então que muitos ateus, especialmente no campo da ficção científica, são na verdade ateus einsteinianos, relativistas? E que na verdade eles não renegam a transcendência sobre este mundo material?



Rio de Janeiro, 6 de maio de 2016.