Felicidade

- Você é feliz?

- Sim!

- Claro, todo gordo é feliz!

Inocente passagem de passado distante.

Década de 1970.

O diálogo aconteceu entre amigos da comunidade de jovens da igreja.

Confesso que menti naquele momento.

Não me sentia feliz naquela época.

Adolescente, deveria estar com 17 anos quando o fato ocorreu, inseguro, incomodado com o fato de estar bem acima do peso ideal, sofrendo de uma depressão crônica, com sérios problemas de relacionamento com o pai, fechado, calado, ruminando tormentas de emoções fortíssimas, com pouca habilidade social, com o fervor sexual hormonal no ponto máximo mas sem saber como me aproximar de garotas, timidez total, pressionado por mim mesmo a ter um excelente desempenho escolar, torturado pelas obrigações religiosas que me faziam temer o pior e não me permitiam o menor deslize, enorme sentimento de culpa, sentimento de inadequação e de inferioridade, necessidade de manter uma imagem perante todos de pessoa boa, inteligente, equilibrada.

Mesmo assim, respondi “Sim! ”. Não poderia baixar a guarda e deixar transparecer que algo não ia bem.

Passados quase 40 anos, crises de estresse acentuado, terapias e medicamentos, a minha resposta é mais do que nunca “Sim! “.

Felicidade para mim deixou de ter o significado mais comum de um estado de animação intensa.

Fazendo um balanço, só tenho a agradecer, me ver como uma pessoa abençoada, repleta de graças.

Minha esposa é um verdadeiro anjo. Meus filhos são dádivas dos céus, dois corações de ouro que nos enchem de orgulho e amor. Minha carreira profissional foi melhor do que o esperado, nos dando conforto material, realização, amigos, evolução mental, preparo para futuros desafios. Meus pais, com todo sacrifício possível, vindos de famílias humildes, batalharam heroicamente para fornecer a mim e às minhas irmãs o melhor possível de educação, conforto e valores morais. São mesmo heróis, pois venceram obstáculos que fariam muitos desistirem ou se acomodarem. Fui também abençoado com duas irmãs de corações elevados e batalhadoras. Tive a dádiva de encontrar em minha jornada, pessoas e instituições que me iluminaram o espírito com as revelações mais evoluídas do real significado da vida e da trajetória destinada a todos nós.

Enfim, não poderia antever naquele longínquo e sofrido período de minha adolescência, os progressos que estavam destinados a mim.

A alegria ainda está por vir, mas a felicidade, posso afirmar do fundo de meu ser, está comigo desde sempre, pois ela não se desfaz com as misérias da vida que nada mais são do que degraus em nossa jornada para o alto.

“Mas bem-aventurados os vossos olhos, porque vêem, e os vossos ouvidos, porque ouvem. Porque em verdade vos digo que muitos profetas e justos desejaram ver o que vós vedes, e não o viram; e ouvir o que vós ouvis, e não o ouviram”. (Mateus 13, 9-17)