O testemunho é mais importante que o contra-testemunho

O TESTEMUNHO É MAIS IMPORTANTE QUE O CONTRA-TESTEMUNHO
Miguel Carqueija


Às vezes eu leio diatribes (ou simples textos desiludidos) de pessoas que acham ser a religião inútil ou coisa de hipócritas e se baseiam numa série de lances negativos, ou contra-testemunhos, generalizando a coisa como se fosse o padrão. Ora bem: religião quer dizer religação com Deus, após a separação. É evidente que, em si, é algo que Deus deseja, inclusive por amor a nós. Tudo o que é bom pode ser desvirtuado, e deve-se levar este fator em consideração antes de condenar a religião em bloco, como infelizmente há pessoas que fazem, radicalizando posições.
Em criança eu soube de um caso que na época foi muito rumoroso. Em algum lugar do Brasil – já não recordo em qual estado – um padre matou o bispo da diocese, a tiro de revólver. Também não sei qual foi o motivo, provavelmente questão de disciplina. O que sei é que foi um terrível contra-testemunho da religião – e nem por isso deixei de ser católico.
Ora bem. Será que um contra-testemunho da Fé, mesmo tão radical assim, é mais importante que o testemunho de Madre Teresa de Calcutá, Irmã Dulce dos Pobres, São Francisco de Assis, São Vicente de Paula, São João Bosco, Santa Rita de Cássia etc.?
Tomemos o caso de Martin Luther King, pastor protestante que deu sua vida para defender a cidadania dos negros em seu país. Ou Gandhi, ou o Dalai Lama. Ou o Padre Damião de Veurster, hoje reconhecido como santo, que deixou para sempre o conforto da Europa do século XIX para cuidar de uma colônia de leprosos no Taiti? Onde ele acabou pegando lepra e morrendo leproso? Será que esse testemunho é menos importante que o contra-testemunho de padres e pastores protestantes pedófilos, que infelizmente existem?
Lembro agora de um fato histórico que minha mãe, que viveu na época, me contou (era algo público e notório, mas hoje um fato esquecido) e depois encontrei na biografia “Dom Leme, bispo da Eucaristia”, do Padre Piasentin: como o grande Cardeal do Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme, salvou o Brasil no longínquo 1930, ao impedir que o presidente da república fosse assassinado pelos soldados revoltosos. Arriscou a própria vida e salvou a do Presidente Washington Luís, então cercado no Palácio do Catete pelos rebeldes da revolução outubrista, que levou Getúlio Vargas ao poder. O presidente não queria se render, entrincheirara-se no palácio. Com a coragem de um homem que tem a Deus no coração e para salvar a nação de uma grande tragédia, o cardeal foi lá, passou pela tropa e retirou Washington Luís do local, depois de convencê-lo a sair. Ninguém tocou neles, e oficiais da tropa, para conter os soldados com os ânimos esquentados, gritavam: “Respeitem o Cardeal! Respeitem Dom Leme!” O presidente deposto conseguiu sair incólume e partiu para o exílio.
Então, por que se preocuparem tanto com os contra-testemunhos na Igreja, que os bons católicos repudiam? Antes de menosprezar a Igreja por causa de contra-testemunhos, examinem os testemunhos.


Rio de Janeiro, 10 de janeiro de 2016.

imagem de Dom Sebastião Leme