DE QUEM É ESSE ROSTO?
 
 
     Um tema que ainda agita historiadores, escritores e principalmente os chamados “amadores do insólito” é o Sudário de Turin, uma peça de linho depositada na catedral dessa importante cidade italiana e que supostamente teria servido de mortalha para envolver o corpo de Jesus Cristo quando ele foi arriado da cruz pelos servos de José de Arimatéia. Isso porque o corpo não poderia ser preparado para o sepultamento naquele mesmo dia, uma sexta–feira, já que a partir das seis horas da tarde (horário do ocidente), começaria o Sabath, dia sagrado para os judeus. Nessa data eles comemoravam a Páscoa e nenhuma atividade poderia ser feita. Assim, o corpo de Jesus foi simplesmente tirado da cruz, envolvido em um lençol e colocado em um sepulcro pertencente á família de José de Arimatéia, no mesmo estado em que foi tirado. Depois da Páscoa, os discípulos, ou parentes de Jesus, poderiam então, lavá-lo e prepará-lo devidamente com os óleos e especiarias comuns nesse caso, e então realizar o funeral com todas as cerimônias de praxe.
     Preparar o defunto para a sepultura era trabalho de mulheres. Assim, logo após a Páscoa, algumas discípulas de Jesus foram ao sepulcro para executar essas tarefas. Mas elas encontraram o sepulcro vazio e o lençol que envolvia o corpo de Jesus estava atirado no chão, junto á mesa de pedra onde o corpo havia sido depositado. O cadáver havia desaparecido. E no lençol, por um processo até hoje desconhecido pelos estudiosos, ficou estampada, como se fosse uma fotografia em negativo, uma imagem de corpo inteiro de Jesus.
Nenhum dos evangelhos canônicos fala no assunto. Isso dá para entender. A crença dos judeus (e Jesus e seus discípulos eram judeus) proibia qualquer reprodução de figura humana. Assim, se nos lençóis que envolveram o corpo de Jesus estava estampada uma imagem, eles, mais que depressa tiveram que esconder essa relíquia, pois possuir uma coisa dessas poderia implicar na morte do seu possuidor.
    Porém, a tradição cristã afirma que o lençol que envolvia o corpo de Jesus, impregnado com a sua imagem, foi recolhido por um dos seus discípulos (dizem que foi Tomé) e guardado como relíquia sagrada. Não se sabe como essa história começou, mas parece que o primeiro registro da existência dessa relíquia vem da cidade de Edessa, na Turquia (hoje Sanliurfa), onde uma tradição conta que o rei daquela cidade, Abgar I, teria recebido do próprio Jesus, ou através de um de seus discípulos, um pano com a sua imagem estampada nela. Essa história é contada em um dos Evangelhos apócrifos, o chamado evangelho de Nicodemo.
     Se é verdadeira ou não essa história, ninguém conseguiu até hoje, confirmar ou desmentir. O fato é que muitos registros antigos falam que, nessa cidade, desde os primeiros anos do cristianismo, um pano contendo a imagem de Jesus era venerado pelos cristãos como relíquia sagrada. Ele era conhecido como Mandilyon ou Sundaryon. Uns diziam que era uma toalha, com a qual uma mulher chamada Verônica havia enxugado o rosto de Jesus a caminho do Calvário; outros diziam que se tratava dos lençóis que envolveram o corpo dele quando foi tirado da cruz.
     A tradição registrada no evangelho de Nicodemo diz que esse pano havia sido enviado ao rei Abgar I pelo próprio Jesus, junto com uma carta, cujos termos foram  gravados em uma pedra e fixados no portão de entrada da cidade. Hoje esse registro não existe mais, pois Edessa (a atual Sanliurfa) sofreu muitas invasões, destruições e reconstruções ao longo do tempo. Mas vários testemunhos históricos indicam que nos primeiros séculos do cristianismo havia lá uma relíquia venerada pelos cristãos. Essa relíquia, conhecida como a Imagem de Edessa, foi uma espécie de modelo para todos os ícones pintados por artistas bizantinos durante a baixa Idade Média. Era considerada a única imagem conhecida de Jesus, ou seja, o único retrato conhecido dele. Era o chamado Cristo Pantocrátor, ícone que ainda hoje pode ser visto nas igrejas cristãs do Oriente e da Europa Central, onde a cultura bizantina imperou e sobreviveu.
     Em fins do século VII um terremoto arrasou Edessa, e o famoso Sudário, contendo o retrato de Jesus, foi levado para Jerusalém, onde vários cronistas registraram o fato de os romeiros ocidentais irem á cidade santa para ver essa relíquia. A conquista de Jerusalém pelos muçulmanos e a sua conhecida aversão pela idolatria, fez com que o Sudário fosse levado de volta á Edessa, para salvá-lo de uma possível destruição pelos iconoclastas do Islam.
     Em meados do século X o sultão de Edessa entregou o Sudário ao imperador bizantino como parte de pagamento de um acordo, para que as tropas bizantinas não invadissem a cidade. Assim, o Sudário de Cristo foi parar em Constantinopla.
     A presença dessa relíquia em Constantinopla foi fartamente documentada desde então, sendo inclusive cunhadas moedas com esse motivo, que ainda podem ser vistas no Museu de Istambul e de outras cidades da Turquia e da Europa Central. Durante mais de dois séculos, imagens de Jesus, conforme mostrada no Sudário, foram pintadas em centenas de igrejas por toda a Europa Bizantina. Elas podem ser vistas ainda hoje.
     Em 1204 um exército cruzado, naquela que ficou conhecida como a Quarta Cruzada, invadiu e saqueou Constantinopla. A maioria das igrejas da cidade foi saqueada e suas relíquias roubadas pelos invasores. Uma das mais preciosas era justamente o Santo Sudário e este desapareceu depois disso. Na tropa de cruzados invasora havia um grande contingente de Cavaleiros Templários, e ao que tudo indica, foram justamente eles que acabaram ficando com a sagrada relíquia. Esse fato foi documentado por vários depoimentos de Cavaleiros Templários por ocasião do processo movido contra a Ordem a partir de 1307, processo esse que resultou na sua extinção. Que o Santo Sudário se tornou propriedade dos Templários e na sua posse ficou durante mais de um século, parece fora de dúvida, tendo em vista os diversos registros e depoimentos coletados pelos autores que comentaram sobre esse assunto.
    Ressalte-se que é justamente a partir do saque de Constantinopla que começam os rumores de que os Templários haviam se tornado idólatras e veneravam secretamente, nos rituais desenvolvidos nos seus capítulos mais avançados, uma cabeça barbada, mais tarde conhecida pelo nome de Baphomet. Essa cabeça, segundo a maioria dos depoimentos coletados, era semelhante á que aparece no Sudário.
    Alguns anos mais tarde, por volta de 1350, o Sudário de Cristo, que estava desaparecido desde o saque de Constantinopla em 1204, apareceu na propriedade de um nobre chamado Geoffrey de Charney, conde de Lirey, o qual pediu ao Papa da época permissão para construir uma capela, onde o Sudário seria exibido publicamente. Curiosamente, esse nobre era neto de outro Geoffrey de Charney, ou seja, exatamente o preceptor Templário da Normandia, que foi queimado na fogueira junto com Jacques de Molay, o último Grão-Mestre do Templo. Coincidência demais para ser ignorada.
     Depois disso o Sudário circulou por várias mãos até ser adquirido pelo Vaticano onde passou a ser conhecido como o Sudário de Turin. Desde então muito se falou sobre essa relíquia e mais ainda se especulou a respeito. Milhares de livros foram escritos sobre o assunto, e muitos cientistas se debruçaram sobre ele para estudá-lo e submetê-lo a testes, inclusive com datação de carbono 14. Nenhum teste, ou estudo feito por qualquer cientista, até agora, foi conclusivo. Por consequência, há quem acredite que o Sudário é autêntico e se trata realmente do lençol que envolveu o corpo de Jesus nas horas em que ele esteve na tumba. Outros dizem que o Sudário é uma farsa que foi criada na Idade Média por algum alquimista falsificador. Inclusive a datação com carbono 14 teria provado que o pano foi fabricado entre 1260 e 1340, mais de mil anos depois da morte de Jesus. Isso deu asas á imaginação de muitos autores, alguns deles, inclusive, dizendo que a figura do Sudário não é de Jesus, mas sim de Jacques de Molay, o Grão-Mestre Templário queimado vivo em 1314. Outros dizem que foi Leonardo da Vinci quem “pintou” o Santo Sudário.
     Mas a figura que aparece no pano mostra claramente um homem bem mais jovem que o Grão-Mestre Templário, que tinha cerca de setenta anos quando foi executado. Portanto, a tese de que o corpo do Santo Sudário seria o de Jacques de Molay deve ser descartada. E a tese de que ela foi pintada por algum artista medieval ou renascentista também fica fora de questão porque já está mais que provado que a imagem sobre o tecido não foi pintada, mas sim impressa por algum método ainda desconhecido da ciência moderna. Na verdade, a imagem do Santo Sudário está mais para um negativo de fotografia do que para uma pintura. Mas quem poderia fazer semelhante trabalho há dois mil anos atrás, ou mesmo no século XIII ou XIV, quando a técnica da fotografia ainda era desconhecida? Isso quer dizer que, em termos históricos, o Sudário de Turim ainda é um mistério, até agora, insolúvel.
     Á parte todas essas especulações, que integram uma história que ainda poderá ser desvendada a partir das investigações que estão sendo feitas, o que parece cada vez mais claro é que, finalmente, depois de quase oito séculos de indagações e especulações, as mais variadas, finalmente se chega a uma quase certeza sobre o famoso ídolo que os Templários adoravam em suas cerimônias secretas. Depois das pesquisas feitas por Ian Wilson (O Sudário- Novas Luzes Sobre um Mistério de Dois Mil Anos) [1] e Bárbara Frale (Os Templários e o Sudário de Cristo)[2], parece não haver muitas dúvidas de que o ídolo conhecido como Baphomet, adorado pelos Templários na intimidade dos seus capítulos, não era mais que o próprio Sudário de Cristo, hoje depositado na Catedral de Turim.
     E se assim for, como tudo parece indicar que seja, essa é mais uma das incoerências que a História registra. Pois que os Templários foram condenados, e muitos deles morreram na fogueira justamente por fazer o que milhões de cristãos vivem fazendo desde o início do cristianismo, ou seja, venerar a figura de Jesus.
     Depois disso, só mesmo lembrando o inefável John Lennon, que dizia que Deus inventou a fé e o Diabo inventou a religião. E que no dia em que nós aprendermos a distinguir uma coisa da outra, quem sabe a verdadeira humanidade possa, de fato, começar.
 
 
 
 
 
 
 
[1] Ban-Tan Books- Londres, 2003
[2] Madras, São Paulo, 2012