A Alma do Guerreiro
Quando uma pessoa se põe a pensar sobre sua própria vida, considera quase exclusivamente os aspectos externos da mesma: as brincadeiras da infância, os anos na escola, as amizades, o começo da vida amorosa, o ingresso na universidade, o primeiro emprego, as dificuldades financeiras, as brigas com o cônjuge, etc. Considera-se, na maioria das vezes, os triunfos e as derrotas neste mundo tridimensional em que vivemos. Infelizmente, ignoramos a crua realidade de nossa existência interior.
O que pensamos e sentimos, nossas recordações, nossos anelos, medos, frustrações, esperanças, etc., constituem nosso mundo interior ou mundo psicológico. Se compararmos tal mundo a uma grande cidade, poderemos verificar, por meio de um auto-estudo, que existem lugares limpos e organizados onde se encontram pessoas educadas e civilizadas; no entanto, também verificaremos a existência de locais onde imperam a obscuridade e a desordem; lugares repletos de pessoas traiçoeiras e violentas. Estas são nossos “demônios” internos, nossos medos e debilidades; as primeiras personificam nossas virtudes: altruísmo, coragem, domínio próprio, etc.
Analisemos a questão da mentalidade do guerreiro ou mentalidade marcial. O termo “marcial” tem origem no latim (* martialis, -e, de Mars, Martis) e está associado a Marte (deus da guerra para os romanos; conhecido como Ares entre os gregos). Marte é o deus da guerra e, por isso, muitos poderiam atribuir-lhe um caráter negativo e destrutivo. Ele também é o deus da vegetação e da primavera, mas não discorrerei sobre tais aspectos no presente artigo.
De um ponto de vista filosófico, devemos aprender a ver o duplo aspecto de todas as coisas. Marte enquanto planeta tem influenciado e segue influenciando a vida na Terra, sobretudo a vida humana. Assim como qualquer planeta, ele possui dois raios, um negativo e um positivo. No raio negativo de Marte encontramos toda forma de violência: agressões injustas, assassinatos, guerras, etc. Por outro lado, seu raio positivo se constitui na força edificante capaz de promover transformações benéficas: por exemplo, a luta de Martin Luther King pelos direitos civis dos negros nos Estados Unidos, a capacidade de se defender de uma agressão, etc.
Devemos deixar essa força positiva marciana impregnar nossa consciência e nossa vontade. Um verdadeiro guerreiro não é somente aquele que sabe lutar, manejar armas ou que conhece e domina estratégias militares. Um guerreiro autêntico é o homem ou a mulher capaz de olhar para dentro de si com a firme resolução de subjugar seus medos e vencer suas debilidades. Quando somos dominados pelo medo da derrota, somos derrotados interiormente.
Em muitas ocasiões somos vencidos pelos próprios pensamentos ao fazermos, por exemplo, um julgamento precipitado de uma pessoa e sentirmos antipatia por ela; assim, perdemos a oportunidade de construir uma amizade. Outras vezes somos vencidos por nossas emoções ou por nossos desejos desenfreados: pode dar-se o caso de um desejo frustrado que produza raiva e, então, ficamos desequilibrados nos aspectos mental, emocional e físico.
Muitos de nós já ouvimos alguma vez a célebre frase: “Conhecimento é Poder.”. Entretanto, conhecimento verdadeiro deve ser experimentável; do contrário, não passa de mera informação. Muito tem se falado e escrito sobre o autoconhecimento e ele pode ser vivenciado na vida prática com muita simplicidade. O turbilhão de pensamentos e de emoções em nossa psique é como uma multidão que procura nos arrastar. Não sigamos a multidão; observemo-la com serenidade.
Façamos um estudo silencioso e sereno de nossos pensamentos, emoções, desejos, etc. Auto-observação é a palavra-chave. Não se trata de pensarmos sobre nós mesmos, mas de fazermos consciência de nós mesmos. A consciência está além do corpo, da emoção e do pensamento. Devemos erguer o escudo da Consciência e empunhar a espada da Vontade. Esse é o trabalho do verdadeiro guerreiro, a conquista de si mesmo.
* "marcial", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, http://www.priberam.pt/DLPO/marcial [consultado em 30-09-2013].