CABALA E MAÇONARIA- A DOUTRINA DA REENCARNAÇÃO
I- As origens da crença
A questão da reencarnação é de fundamental importância na doutrina da Cabala. Como diz um famoso rabino, não é possível entender essa doutrina sem acreditar que a alma é eterna e está sujeita á múltiplas reencarnações.[1]
A doutrina da reencarnação, no conjunto da teologia judaica, não é originária da Cabala. Na verdade, é uma crença que já fazia parte das doutrinas professadas por seitas judaicas anteriores ao cristianismo. Ela já aparece entre as crenças defendidas pelos adeptos da seita dos fariseus, ferrenhos adversários de Jesus. Mas essa não era uma crença firmemente estabelecida entre os judeu, pois havia quem não acreditasse na possibilidade de ressurreição, e, ao que parece, o próprio Jesus não defendia essa doutrina já que a sua ideia de ressurreição dos mortos estava vinculada a um final apocalíptico do mundo, onde todos aqueles que experimentaram uma vida seriam julgados, sendo recompensados ou punidos segundo os atos que praticaram em suas vidas. Essa disposição aparece bem expressa no episódio em que Jesus confronta os saduceus que buscam a sua opinião acerca da ressurreição, colocando para ele a pegadinha da lei do Levirato.[2]. A lei do Levirato (yibum em hebraico) prevista nas regras do Deuteronômio, obrigava um homem a se casar com a viúva de seu irmão falecido sem filhos, com a finalidade de lhe dar uma descendência. O filho primogênito que nascesse dessa relação era considerado como sendo do irmão falecido.[3] O Levirato, como se pode perceber, era uma lei de conservação tribal, uma regra de proteção do clã, que os israelitas haviam adotado para manter a sua pureza racial, evitando assim que os clãs e os entroncamentos familiares se perdessem pela diversidade de relacionamentos.
Destarte, a crença da reencarnação parece ter se originado na prática dessa lei, porque como se sabe, é através do fenômeno da “transmigração de almas” que a Cabala justifica o complexo processo de reencarnação defendido por essa doutrina. A crença embutida nessa prática era a de que o marido morto voltava á vida através da vida do filho nascido de sua mulher e seu irmão, num casamento por Levirato.[4] Assim, além da preservação da pureza sanguinia e da conservação da herança familiar, essa lei cumpria também uma função escatológica, no sentido de conservar a pureza dos judeus, com a manutenção do kitsch racial até em termos de vida espiritual.
A Transmigração de Almas (em hebraico chamado de Guilgul Neshamot) é o processo segundo o qual, após a morte, a alma do defunto reencarna em uma nova forma física. Os pressupostos dessa doutrina estão expressos nos dois principais livros da Cabala o Sefer-Há-Bahir (Livro da Iluminação) e o Sefer-Há-Zôhar (Livro do Esplendor) e são ambos fundamentais para o entendimento da teoria cabalística sobre esse assunto. Nesse processo a alma é comparada a uma vinha que deve ser replantada várias vezes até que possa produzir uma fruta perfeita.
Assim, a escatologia cabalística difere da cristã que prega um necessário fim de mundo e um consequente julgamento final. Na verdade, não há, para a Cabala, um final apocalíptico de mundo, mas sim um contínuo aperfeiçoamento de sepa espiritual da humanidade até um final glorioso em que o mundo todo será redimido. Isso acontecerá quando cada alma, através de suas sucessivas reencarnações, completar, finalmente, a missão para a qual foi feita. Quando isso ocorrer, e todas as almas voltarem, completamente puras, para o Centro Único de onde todas saíram, a obra de Deus estará também completa e só então virá o fim. Mas será um final glorioso e não uma tragédia cósmica como a que prevê São João em seu Apocalipse. Nesse sentido a escatologia cabalística se aproxima bastante da visão teilhardiana, que prevê a consumação da experiência humana em um “Ponto Ômega”, centro único onde toda a energia do universo um dia se concentrará, como um dia já esteve concentrada, antes do advento do Big-Bang.[5]
Embora a crença na reencarnação seja, como é óbvio, uma concepção judaica para justificar suas próprias teses a respeito da sua pureza racial e a suposta escolha que Deus teria feito desse povo para servir de “maquete” para a humanidade, a doutrina da Cabala oferece, não obstante, uma vigorosa ferramenta de auto ajuda para aqueles que acreditam no livre arbítrio.[6] Porque aqui a felicidade (material e espiritual), neste ou em qualquer outro mundo, só depende do exercício voluntário de nossas próprias vontades e não de uma disposição divina que ninguém sabe qual é, e por conta disso, muitos espertalhões podem manipulá-la á vontade em prol de seus próprios interesses. É nessa defesa do livre arbítrio que ela se aproxima bastante dos ensinamentos originais de Jesus, que também atribui um importante papel á vontade humana no processo de salvação da alma, embora, na execução desse processo, o rito seja bem diferente.[7]
Isso porque, na Cabala, como já disse, não há uma previsão de julgamento final, com um consequente final apocalíptico do mundo, mas sim um continuo aperfeiçoamento da humanidade, para que, um dia, ela possa se integrar ao seu Criador.
(Continua)
I- As origens da crença
A questão da reencarnação é de fundamental importância na doutrina da Cabala. Como diz um famoso rabino, não é possível entender essa doutrina sem acreditar que a alma é eterna e está sujeita á múltiplas reencarnações.[1]
A doutrina da reencarnação, no conjunto da teologia judaica, não é originária da Cabala. Na verdade, é uma crença que já fazia parte das doutrinas professadas por seitas judaicas anteriores ao cristianismo. Ela já aparece entre as crenças defendidas pelos adeptos da seita dos fariseus, ferrenhos adversários de Jesus. Mas essa não era uma crença firmemente estabelecida entre os judeu, pois havia quem não acreditasse na possibilidade de ressurreição, e, ao que parece, o próprio Jesus não defendia essa doutrina já que a sua ideia de ressurreição dos mortos estava vinculada a um final apocalíptico do mundo, onde todos aqueles que experimentaram uma vida seriam julgados, sendo recompensados ou punidos segundo os atos que praticaram em suas vidas. Essa disposição aparece bem expressa no episódio em que Jesus confronta os saduceus que buscam a sua opinião acerca da ressurreição, colocando para ele a pegadinha da lei do Levirato.[2]. A lei do Levirato (yibum em hebraico) prevista nas regras do Deuteronômio, obrigava um homem a se casar com a viúva de seu irmão falecido sem filhos, com a finalidade de lhe dar uma descendência. O filho primogênito que nascesse dessa relação era considerado como sendo do irmão falecido.[3] O Levirato, como se pode perceber, era uma lei de conservação tribal, uma regra de proteção do clã, que os israelitas haviam adotado para manter a sua pureza racial, evitando assim que os clãs e os entroncamentos familiares se perdessem pela diversidade de relacionamentos.
Destarte, a crença da reencarnação parece ter se originado na prática dessa lei, porque como se sabe, é através do fenômeno da “transmigração de almas” que a Cabala justifica o complexo processo de reencarnação defendido por essa doutrina. A crença embutida nessa prática era a de que o marido morto voltava á vida através da vida do filho nascido de sua mulher e seu irmão, num casamento por Levirato.[4] Assim, além da preservação da pureza sanguinia e da conservação da herança familiar, essa lei cumpria também uma função escatológica, no sentido de conservar a pureza dos judeus, com a manutenção do kitsch racial até em termos de vida espiritual.
A Transmigração de Almas (em hebraico chamado de Guilgul Neshamot) é o processo segundo o qual, após a morte, a alma do defunto reencarna em uma nova forma física. Os pressupostos dessa doutrina estão expressos nos dois principais livros da Cabala o Sefer-Há-Bahir (Livro da Iluminação) e o Sefer-Há-Zôhar (Livro do Esplendor) e são ambos fundamentais para o entendimento da teoria cabalística sobre esse assunto. Nesse processo a alma é comparada a uma vinha que deve ser replantada várias vezes até que possa produzir uma fruta perfeita.
Assim, a escatologia cabalística difere da cristã que prega um necessário fim de mundo e um consequente julgamento final. Na verdade, não há, para a Cabala, um final apocalíptico de mundo, mas sim um contínuo aperfeiçoamento de sepa espiritual da humanidade até um final glorioso em que o mundo todo será redimido. Isso acontecerá quando cada alma, através de suas sucessivas reencarnações, completar, finalmente, a missão para a qual foi feita. Quando isso ocorrer, e todas as almas voltarem, completamente puras, para o Centro Único de onde todas saíram, a obra de Deus estará também completa e só então virá o fim. Mas será um final glorioso e não uma tragédia cósmica como a que prevê São João em seu Apocalipse. Nesse sentido a escatologia cabalística se aproxima bastante da visão teilhardiana, que prevê a consumação da experiência humana em um “Ponto Ômega”, centro único onde toda a energia do universo um dia se concentrará, como um dia já esteve concentrada, antes do advento do Big-Bang.[5]
Embora a crença na reencarnação seja, como é óbvio, uma concepção judaica para justificar suas próprias teses a respeito da sua pureza racial e a suposta escolha que Deus teria feito desse povo para servir de “maquete” para a humanidade, a doutrina da Cabala oferece, não obstante, uma vigorosa ferramenta de auto ajuda para aqueles que acreditam no livre arbítrio.[6] Porque aqui a felicidade (material e espiritual), neste ou em qualquer outro mundo, só depende do exercício voluntário de nossas próprias vontades e não de uma disposição divina que ninguém sabe qual é, e por conta disso, muitos espertalhões podem manipulá-la á vontade em prol de seus próprios interesses. É nessa defesa do livre arbítrio que ela se aproxima bastante dos ensinamentos originais de Jesus, que também atribui um importante papel á vontade humana no processo de salvação da alma, embora, na execução desse processo, o rito seja bem diferente.[7]
Isso porque, na Cabala, como já disse, não há uma previsão de julgamento final, com um consequente final apocalíptico do mundo, mas sim um continuo aperfeiçoamento da humanidade, para que, um dia, ela possa se integrar ao seu Criador.
(Continua)
[1] Rabi Arieh Kapla-Meditação e Cabala- Ed. Sefer, 2012
[2] Os saduceus colocaram um caso hipotético a Jesus, segundo o qual havia sete irmãos. O primeiro, tendo casado, morreu e, não tendo descendência, deixou sua mulher para o seu irmão, que também não deixou descendente. E assim se seguiram os casamentos dos sete irmãos com a mesma mulher, sendo que nenhum deles conseguiu suscitar descendência ao irmão anterior. Por fim morreu também a tal mulher. A pergunta feita a Jesus foi a seguinte: na ressurreição dos mortos, de qual dos sete irmãos a mulher seria esposa? Pois se todos os sete irmãos haviam casados com a mesma mulher, de quem seria esse direito? Jesus respondeu a esse enigma com outro enigma: “Errais” disse ele, “não conhecendo as Escrituras nem o poder de Deus. Porque, na ressurreição, nem casam, nem se dão em casamento; são, porém, como os anjos no céu. E, quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus vos declarou: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó? Ele não é Deus de mortos, e sim de vivos.” (Mateus 22:29-32).
[3] Deuteronômio, 25:5;6; ver também Gênesis 38:8
[4] Levir, levita, em hebraico, quer dizer cunhado.
[5] Teilhard de Chardin- O Fenômeno Humano, Cultrix, São Paulo, 1968
[6] Essa concepção está baseada no texto bíblico que registra a aliança que Deus teria feito com o patriarca Abraão. “Estabelecerei a minha aliança entre mim e ti, e a tua semente depois de ti, nas suas gerações, por concerto perpétuo”. Gênesis 17:7. A Cabala substitui o termo gerações por encarnações
[7] Como já foi dito, Jesus pregava um final apocalíptico do mundo e de um julgamento final. Essa era uma ideia muito em voga na sua época e tinha na seita dos essênios os seus principais defensores. Ver a esse respeito John P. Meyer – Um Judeu Marginal- Vol. III – Imago, São Paulo, 2001