Francisco: o céu inicia na comunhão com Jesus
Padre Geovane Saraiva*
A Eucaristia é Jesus mesmo que se doa por inteiro a seu povo. Alimentar-se dele, mistério inefável, quer dizer habitar nele mediante a comunhão eucarística, acolhida com muita fé. A partir do Filho de Deus, pão descido do céu, a vida das pessoas, evidentemente, se transforma em dom para Deus e para os irmãos. Alimentar-se daquele “Pão da Vida” significa entrar em sintonia com o coração de Cristo e colocar na mente e no coração seu projeto de amor para com a humanidade, nas palavras do Papa Francisco logo no início do seu pontificado (17/03/2013): “Sejam mais indulgentes e não tão apressados em condenar as falhas dos outros; um pouco de misericórdia torna o mundo menos frio e mais justo”. Isso significa verdadeiramente entrar em comunhão com Deus, como criaturas transformadas, alegres e felizes, homens e mulheres de paz, perdão, reconciliação e partilha solidária, associados ao amor salvífico de Deus, no exemplo do Salvador da humanidade.
Como é importante fixar na mente que, na celebração da missa, as espécies se conservam inalteradas. É o íntimo, é o interior humano que deve tornar-se outro, ser transformado. Só mesmo renovados pelo Corpo e Sangue de Cristo podemos rezar, a exemplo do Papa Francisco: “Como seria belo se cada um de vós pudesse ao fim do dia dizer: ‘Hoje realizei um gesto de amor pelos outros!’” (30/04/2013). Nas celebrações eucarísticas, temos o procedimento, final do ofertório, de lavar as mãos, que é chamado, em latim, de “lavabo”, indicando que as mãos dos sacerdotes são lavadas em sinal de purificação e inocência (cf. Sl 26, 6). O gesto do sacerdote, enquanto presidente da assembleia, é realizado também em nome dos fiéis presentes, a partir do nosso bom Deus, que nos ama de modo incondicional, convencendo-nos, na sua bondade e infinita graça, que somos criaturas novas e transformadas ou transubstanciadas, sobretudo a partir do nosso ser interior.
Dom Helder Câmara, em uma vida de profunda intimidade com o Pai, ensina-nos o verdadeiro sentido das celebrações eucarísticas: “Havia tanta emoção nas palavras da consagração que o vimos muitas vezes chorando ao celebrar a Missa. E sempre repetia com toda convicção que o verdadeiro celebrante da Missa é Nosso Senhor Jesus Cristo” (cf. Pe. João Carlos Ribeiro). O gesto de lavar as mãos expressa o desejo de purificação interior do sacerdote e da assembleia, povo de Deus, dizendo em silêncio: “Lavai-me, Senhor, das minhas faltas e purificai-me do meu pecado”. Daí a purificação externa expressa uma profunda e forte simbologia de mudança, na qual, e é bom que fique claro, quer envolver e atingir o interior das pessoas que participam da celebração, pessoas novas e transubstanciadas no milagre eucarístico.
O Pão da Vida foi o tema da alocução do Papa Francisco (16/08/2015), que sempre precede a oração do Angelus, tendo como palavra-chave: “O céu começa com esta comunhão com Jesus, tornamo-nos como Jesus”. Falou o Augusto Pontífice da importância do sim com adesão de fé, diante da pouca fé e da objeção em relação à Santa Missa: “Mas para que serve a Missa? Eu vou na Igreja quando sinto vontade, rezo melhor sozinho. Mas a Eucaristia não é uma oração privada ou uma bonita experiência espiritual, não é uma simples comemoração daquilo que Jesus fez na Última Ceia. Nós dizemos, para entender bem, que a Eucaristia é ‘memorial’, ou seja, um gesto que atualiza e torna presente o evento da morte e ressurreição de Jesus: o pão é realmente o seu Corpo oferecido por nós, o vinho é realmente o seu Sangue derramado por nós”.
Diante do acima citado, agradeço ao bom Deus os meus 27 anos de sacerdócio, pelas mãos de Dom Aloísio Cardeal Lorscheider (14/08/1988), sem nunca esquecer o desejo de viver a sedução de Deus no profeta Jeremias: “Tu me seduziste, Senhor, e eu me deixei seduzir” (Jr 20, 7), igualmente, a frase de São Francisco de Sales, grande místico e mestre na escola de espiritualidade da Igreja: “Fazer-se tudo para todos”. Por onde passei, dentro das minhas limitações, pude contribuir, procurando animar os desanimados, na esperança de que somos peregrinos do absoluto, em meio às coisas passageiras, a caminho do definitivo, da glória futura, da vida junto de Deus, na lição persistente do Servo de Deus, Helder Câmara: “É graça divina começar bem, graça maior é persistir na caminhada, mas a graça das graças é não desistir nunca”.
*Escritor, blogueiro, colunista, vice-presidente da Previdência Sacerdotal e Pároco de Santo Afonso, Parquelândia, Fortaleza-CE – geovanesaraiva@gmail.com