Ditadura do Relativismo e livre-exame
DITADURA DO RELATIVISMO E LIVRE-EXAME
Miguel Carqueija
“Felipe levantou-se e partiu. Ora, um etíope, eunuco, ministro da Rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, tinha ido a Jerusalém para adorar. Voltava sentado em seu carro, lendo o profeta Isaías. O Espírito disse a Felipe: “Aproxima-te para bem perto deste carro”. Felipe aproximou-se e ouviu que o eunuco lia o profate Isaías, e perguntou-lhe: “Porventura entendes o que estás lendo?” Respondeu-lhe: “Como é que posso, se não há alguém que me explique?” E rogou a Felipe que subisse e se sentasse junto dele.
A passagem da escritura que ia lendo era esta: “Como ovelha foi levado ao matadouro; e como cordeiro mudo diante de quem o tosquia, ele não abriu a sua boca. Na sua humilhação foi consumado o seu julgamento. Quem poderá contar a sua descendência? Pois a sua vida foi tirada da Terra.” O eunuco disse a Felipe: “Rogo-te que me digas de quem disse isso o profeta: de si mesmo ou de outrem?” Começou então Felipe a falar, e principiando por esta passagem da escritura, anunciou-lhe Jesus.” (At 8, 27-35)
Por esta maravilhosa passagem dos Atos dos Apostolos escritos por São Lucas, vemos claramente que a Igreja tem o seu Magistério (aqui exercido pelo apóstolo São Felipe) e que os fiéis não estão jogados às feras, eles têm o direito de acesso à doutrina segura.
Nossos irmãos protestantes aferram-se ao malfadado princípio do “livre exame” instituído por Lutero. Sobre isso, comentando a multidão de seitas em que, desde os primeiros tempos, se dividiu o protestantismo, cita o Padre Duvivier SJ, em seu erudito “Curso de Apologética Cristã”, palavras do próprio Lutero já em 1525, ou seja, oito anos após o início de sua rebelião: “São quase tantas as seitas e as crenças quanto as cabeças: este não quer o batismo, aquele rejeita o sacramento do altar, aqueloutro coloca um mundo entro o mundo atual e o dia do juízo, a tais há que até negam que Jesus Cristo seja Deus. Não há homem, por muito boçal que seja (obs. faz lembrar alguns pastores mais rústicos de nossos dias, que nem falar direito sabem) que não se julgue inspirado pelo Espírito Santo, e que não dê como profecias as suas imaginações e sonhos.”
O falecido Dom Ireneu Penna OSB, virtuoso e culto monge beneditino, confidenciou-me certa vez que, no seu entender, os espíritas podiam ser considerados protestantes. Afinal, eles também utilizam os Evangelhos. Para Dom Ireneu, protestante seria “quem se afasta da Igreja e diz que é cristão.” Isto com certeza atinge os nossos irmãos espíritas modernos. Alan Kardec, por exemplo, autor do apócrifo bíblico “O Evangelho segundo o Espiritismo”, e com ele demais espíritas dos últimos dois séculos, não considera Jesus Cristo como Deus, mas como um espírito superior. Jesus é reencarnacionista; João Batista é a reencarnação de Elias. Para Alziro Zarur, criador da Legião da Boa Vontade – conforme ouvi dele mesmo, certa vez, no rádio – Jesus é o “fundador deste planeta”. Um médico homeopata brasileiro, o Dr. Penna Ribas, num extravagante livro intitulado “Verdades imperecíveis” (sic) declara ter fundado em 1972 uma nova religião, o “neoespiritismo” (sic) e considera Jesus não como o Verbo Divino, mas como o “governador” da Terra. Portanto, como se vê, Jesus está num patamar um pouco acima de Pezão e Alkmin...
Por aí se vê como é importante e caro, para nós católicos, que a Igreja Católica se firme não em um (que se desequilibraria), mas em três pilares doutrinais, ou seja, a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério. Sem o magistério cai-se na anarquia doutrinal, justamente o que Jesus quis evitar ao estabelecer a hierarquia com os Apóstolos e o Papa – São Pedro, o primeiro, a quem deu o poder das chaves, valendo obviamente também para todos os sucessores até a Parusia.
Mas retornando ao grande Duvivier e seu clássico tratado, vemos como ele prossegue (no capítulo intitulado “O Protestantismo não possui as notas da verdadeira Igreja de Jesus Cristo”) observando, sobre o livre exame: “Rejeitando afinal os protestantes o princípio da autoridade da Igreja, divinamente encarregada de determinar quais são as Escrituras inspiradas e quais as Tradições autênticas e genuínas, e de as interpretar de um modo infalível, forçosamente hão de cair em erros e desvarios sem número. Têem eles como norma geral que a Bíblia, e só ela, interpretada segundo as luzes da razão individual ou própria de cada um, é que há de dar a conhecer a cada pessoa o que ela está obrigada a crer. Bem se vê logo quão fatais hão de ser as consequências de um tão pernicioso princípio. Nem sequer pouparam logo desde o princípio aos livros do Antigo e até do Novo Testamento, pois que muitos protestantes os declararam como apócrifos. E tão longe foram nos desvarios e consequências deste princípio do livre exame que já Bossuet pôde escrever uma famosa obra intitulada: “História das variações protestantes”.”
Por aí se vê que, ao menos em tese, o princípio do livre exame – que algumas pessoas defendem como se fosse dogma de fé (eles que negam o Sagrado Magistério...) levaria a cada leitor da Bíblia, a inventar sua própria religião, e já não seria, como no clássico bordão, “uma sentença para cada cabeça”, mas uma religião por cabeça.
É fácil relacionar esta mentalidade, com o fenômeno moderno que o grande Papa Bento XVI, alertando a humanidade, classificou como a “ditadura do relativismo”. Esta caixa de Pandora foi aberta por Lutero, e hoje está espalhada pela mídia, pela sociedade. Através do relativismo nada mais, nos campos religioso, moral e ético, possui firmeza; caminhamos na areia movediça, na anarquia moral. Com hábeis jogos de palavras defende-se hoje o que julgávamos indefensável: aborto, eutanásia, violência, pedofilia... corrupção de pólíticos e empresários... até que ponto esta nova sociedade “relativista” (e Einstein não tem culpa nenhuma disso) se inspira, ainda que por influência remota, no livre exame protestante?
NOTA: não há neste artigo, a mínima intenção de melindrar nossos irmãos protestantes e espíritas, mas de levá-los se possível a refletir nos argumentos apresentados. Independente da religião encontramos pessoas nobres e dignas em toda parte. E, a meu ver, o protestantismo pode descartar o tão prejudicial “livre exame da Bíblia” que joga os fiéis às feras, apresentando a eles edições bíblicas desprovidas de qualquer comentário ou orientação, até mesmo sobre fatores geográficos e linguísticos.
Rio de Janeiro, 20 e 21 de julho de 2015
imagem: capa do excelente livro não-relativista "A Moral Católica", do Professor Felipe Aquino
DITADURA DO RELATIVISMO E LIVRE-EXAME
Miguel Carqueija
“Felipe levantou-se e partiu. Ora, um etíope, eunuco, ministro da Rainha Candace, da Etiópia, e superintendente de todos os seus tesouros, tinha ido a Jerusalém para adorar. Voltava sentado em seu carro, lendo o profeta Isaías. O Espírito disse a Felipe: “Aproxima-te para bem perto deste carro”. Felipe aproximou-se e ouviu que o eunuco lia o profate Isaías, e perguntou-lhe: “Porventura entendes o que estás lendo?” Respondeu-lhe: “Como é que posso, se não há alguém que me explique?” E rogou a Felipe que subisse e se sentasse junto dele.
A passagem da escritura que ia lendo era esta: “Como ovelha foi levado ao matadouro; e como cordeiro mudo diante de quem o tosquia, ele não abriu a sua boca. Na sua humilhação foi consumado o seu julgamento. Quem poderá contar a sua descendência? Pois a sua vida foi tirada da Terra.” O eunuco disse a Felipe: “Rogo-te que me digas de quem disse isso o profeta: de si mesmo ou de outrem?” Começou então Felipe a falar, e principiando por esta passagem da escritura, anunciou-lhe Jesus.” (At 8, 27-35)
Por esta maravilhosa passagem dos Atos dos Apostolos escritos por São Lucas, vemos claramente que a Igreja tem o seu Magistério (aqui exercido pelo apóstolo São Felipe) e que os fiéis não estão jogados às feras, eles têm o direito de acesso à doutrina segura.
Nossos irmãos protestantes aferram-se ao malfadado princípio do “livre exame” instituído por Lutero. Sobre isso, comentando a multidão de seitas em que, desde os primeiros tempos, se dividiu o protestantismo, cita o Padre Duvivier SJ, em seu erudito “Curso de Apologética Cristã”, palavras do próprio Lutero já em 1525, ou seja, oito anos após o início de sua rebelião: “São quase tantas as seitas e as crenças quanto as cabeças: este não quer o batismo, aquele rejeita o sacramento do altar, aqueloutro coloca um mundo entro o mundo atual e o dia do juízo, a tais há que até negam que Jesus Cristo seja Deus. Não há homem, por muito boçal que seja (obs. faz lembrar alguns pastores mais rústicos de nossos dias, que nem falar direito sabem) que não se julgue inspirado pelo Espírito Santo, e que não dê como profecias as suas imaginações e sonhos.”
O falecido Dom Ireneu Penna OSB, virtuoso e culto monge beneditino, confidenciou-me certa vez que, no seu entender, os espíritas podiam ser considerados protestantes. Afinal, eles também utilizam os Evangelhos. Para Dom Ireneu, protestante seria “quem se afasta da Igreja e diz que é cristão.” Isto com certeza atinge os nossos irmãos espíritas modernos. Alan Kardec, por exemplo, autor do apócrifo bíblico “O Evangelho segundo o Espiritismo”, e com ele demais espíritas dos últimos dois séculos, não considera Jesus Cristo como Deus, mas como um espírito superior. Jesus é reencarnacionista; João Batista é a reencarnação de Elias. Para Alziro Zarur, criador da Legião da Boa Vontade – conforme ouvi dele mesmo, certa vez, no rádio – Jesus é o “fundador deste planeta”. Um médico homeopata brasileiro, o Dr. Penna Ribas, num extravagante livro intitulado “Verdades imperecíveis” (sic) declara ter fundado em 1972 uma nova religião, o “neoespiritismo” (sic) e considera Jesus não como o Verbo Divino, mas como o “governador” da Terra. Portanto, como se vê, Jesus está num patamar um pouco acima de Pezão e Alkmin...
Por aí se vê como é importante e caro, para nós católicos, que a Igreja Católica se firme não em um (que se desequilibraria), mas em três pilares doutrinais, ou seja, a Sagrada Escritura, a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério. Sem o magistério cai-se na anarquia doutrinal, justamente o que Jesus quis evitar ao estabelecer a hierarquia com os Apóstolos e o Papa – São Pedro, o primeiro, a quem deu o poder das chaves, valendo obviamente também para todos os sucessores até a Parusia.
Mas retornando ao grande Duvivier e seu clássico tratado, vemos como ele prossegue (no capítulo intitulado “O Protestantismo não possui as notas da verdadeira Igreja de Jesus Cristo”) observando, sobre o livre exame: “Rejeitando afinal os protestantes o princípio da autoridade da Igreja, divinamente encarregada de determinar quais são as Escrituras inspiradas e quais as Tradições autênticas e genuínas, e de as interpretar de um modo infalível, forçosamente hão de cair em erros e desvarios sem número. Têem eles como norma geral que a Bíblia, e só ela, interpretada segundo as luzes da razão individual ou própria de cada um, é que há de dar a conhecer a cada pessoa o que ela está obrigada a crer. Bem se vê logo quão fatais hão de ser as consequências de um tão pernicioso princípio. Nem sequer pouparam logo desde o princípio aos livros do Antigo e até do Novo Testamento, pois que muitos protestantes os declararam como apócrifos. E tão longe foram nos desvarios e consequências deste princípio do livre exame que já Bossuet pôde escrever uma famosa obra intitulada: “História das variações protestantes”.”
Por aí se vê que, ao menos em tese, o princípio do livre exame – que algumas pessoas defendem como se fosse dogma de fé (eles que negam o Sagrado Magistério...) levaria a cada leitor da Bíblia, a inventar sua própria religião, e já não seria, como no clássico bordão, “uma sentença para cada cabeça”, mas uma religião por cabeça.
É fácil relacionar esta mentalidade, com o fenômeno moderno que o grande Papa Bento XVI, alertando a humanidade, classificou como a “ditadura do relativismo”. Esta caixa de Pandora foi aberta por Lutero, e hoje está espalhada pela mídia, pela sociedade. Através do relativismo nada mais, nos campos religioso, moral e ético, possui firmeza; caminhamos na areia movediça, na anarquia moral. Com hábeis jogos de palavras defende-se hoje o que julgávamos indefensável: aborto, eutanásia, violência, pedofilia... corrupção de pólíticos e empresários... até que ponto esta nova sociedade “relativista” (e Einstein não tem culpa nenhuma disso) se inspira, ainda que por influência remota, no livre exame protestante?
NOTA: não há neste artigo, a mínima intenção de melindrar nossos irmãos protestantes e espíritas, mas de levá-los se possível a refletir nos argumentos apresentados. Independente da religião encontramos pessoas nobres e dignas em toda parte. E, a meu ver, o protestantismo pode descartar o tão prejudicial “livre exame da Bíblia” que joga os fiéis às feras, apresentando a eles edições bíblicas desprovidas de qualquer comentário ou orientação, até mesmo sobre fatores geográficos e linguísticos.
Rio de Janeiro, 20 e 21 de julho de 2015
imagem: capa do excelente livro não-relativista "A Moral Católica", do Professor Felipe Aquino