POR QUE ATÉ INTELECTUAIS ACREDITAM EM LENDAS

É compreensível que pessoas menos ilustradas acreditem em coisas que não se pode provar. Espíritos mais cultos se divertem com as crenças e superstições de povos antigos e atuais que não foram agraciados com o saber da Ciência.

Cuidando para não soarem desrespeitosos, acham graça dos antigos egípcios que faziam longas procissões atrás do andor em que carregavam a estátua de Ísis, deusa da fertilidade e protetora dos lares; dos celtas, que ao entrarem em densas florestas batiam três vezes no tronco das árvores para espantar os maus espíritos; das saborosas narrativas sobre sereias, cavalos alados, medusas, e especialmente, do deus Zeus engravidando mulheres mortais e gerando dessas uniões semi-deuses.

Hoje, tais crendices pertencem ao folclore e à Mitologia, e até as crianças sabem disso. Curiosamente, os mesmos espíritos cultos perdem todo poder da razão e da crítica, quando olham para suas próprias crenças, tão ingênuas quanto àquelas dos povos antigos. Assim, não é difícil encontrar, mesmo entre os intelectuais, aqueles que acreditam seriamente em um dilúvio universal, profeta que recebe leis de Deus, mar sendo aberto ao meio, espírito em forma de pomba que engravida uma jovem hebreia ou que o sinal da cruz possa protegê-los do azar. Como explicar que, com todo avanço da Ciência, da Filosofia e da Psicologia, encontramos pessoas de bom nível de escolaridade que ainda acreditam nesses mitos e fábulas?

Até onde pesquisei, encontrei as melhores explicações em Freud: “Nenhum crente se permitirá ser desviado de sua fé por esses argumentos ou outros semelhantes [argumentos baseados na razão e na Ciência]. O crente está ligado aos ensinamentos da religião por certos vínculos afetivos.” E em Gustave le Bon: “A [lógica] que rege o domínio do conhecimento não tem relação alguma com a [lógica] que suscita as crenças. É por isso que o sábio mais esclarecido poderá manifestar opiniões contraditórias, racionais ou irracionais, conforme o ciclo em que se achar: do conhecimento ou da crença.”

Outros autores explicam que a crença religiosa conforta. Crer em seres invisíveis, que se preocupam conosco, ouvem nossas queixas e pedidos, traz grandes benefícios ao emocional da pessoa que tem fé. Pensar muito na inconsistência dessas crenças traria desconforto e traria mais infelicidade ao crente num mundo já tão assolado por desgraças.

Ora, como explicar que Deus atendeu as preces do jogador que marcou o gol, mas não consegue aliviar o sofrimento daqueles que vivem nas regiões mais pobres da África, tão fervorosos nas orações quanto aquele atleta? Como explicar um Deus que atende a prece do motorista para achar as chaves do carro, mas não ajuda as milhares de mães que têm um filho morrendo em seus braços por causa da falta de comida? Melhor é não pensar nisso, e se concentrar em si mesmo. Dessa maneira, se fechando aos questionamentos, o crente (mesmo o mais culto), consegue viver sua fé sem danos.