KOIMETERION

Francisco de Paula Melo Aguiar

Para quê preocuparmo-nos com a morte? A vida tem tantos problemas que temos de resolver primeiro.

Confúcio

Epistemologicamente falando, o termo cemitério, palavra de origem grega, “koimeterion”, que literalmente conota para o significado ideológico de um dormitório eterno. Desde que concebido como sendo o lugar público e ou privado, à luz da legislação brasileira, onde se conservam “in memorian”, os restos mortais dos que já viajaram para a cidade do pé junto e bem sim já são considerados finados. O Brasil tem o costume de reverenciar todos os seus mortos no dia 02 de novembro de cada ano, assim declarado feriado nacional. Segundo a tradição de nossa gente, nos cemitérios brasileiros os corpos ali sepultados, depois de decorridos cinco anos, é feita a exumação com a finalidade de recolher as cinzas em pequenos recipientes e ou caixas funerárias que ocupam menor espaço. Isso já era, agora com dois anos já se ouve dizer que o corpo de fulano de tal foi exumado e ou retirado os ossos para sepultar outro no lugar dele. O ritual de incineração na nossa legislação é algo ainda pouco usado, até mesmo porque é coisa para gente rica usar. Tudo depende mais de ter sido um pedido ainda em vida do falecido no sentido de ser cremado após sua morte. Não se tem duvida de que a tradição cristã alimenta entre nós, mesmo que indiretamente que os cemitérios estão vinculados a ideologia arraigada no sentido de cultuar os mortos. É um caso cultural cristão. É assim mantido o sentimento da lembrança dos que partiram no coração humano, mesmo diante de todas as suas falhas e hipocrisias entre nós outros. Assim é evidente de que tal culto aos mortos vem tendo sentido religioso, isso já há muitos séculos, tudo porque se acredita em uma sobrevivência natural daqueles que partiram para a eternidade, país, estado, cidade, bairro, rua, número, CEP, e-mail e telefone, ainda não conhecido pelos homens, mesmo diante das descobertas das novas tecnologias estruturantes que todas as nações vivem lutando para dominá-las. E essa cultura secularizada pela humanidade, significa que os vivos ainda tem sentimento, respeito, saudade e veneração pelos seus entes queridos que “partiram” primeiro do que eles rumo a “eternidade”, estão plantados no “Koimeterion”, aguardando a ressurreição prometida à luz do evangelho de Jesus Cristo.

Outrossim, lembramos de que a cultura da ideologia cristã nos fornece a idéia inspiradora para manter os corpos dos falecidos imunizados, tudo porque todos aguardam a ressurreição final, por analogia com o que aconteceu com Nosso Senhor Jesus, que padeceu, morreu e ressuscitou dos mortos, abrindo o caminho certo para todos os seres humanos rumo para o céu. Assim sendo, provado está a idéia grega do termo cemitério que significa dormitório, também compreendido como sendo o lugar onde todos os filhos de Deus descansam em paz, esperando serem acordados com a ressurreição rumo a nova vida e novo homem. É essa a tese cristã à luz da fé.

Todavia, uma coisa sempre nos chama a atenção sobre os cemitérios do mundo todo e especialmente no Brasil, onde se tem alameda de rico, de pobre e de miseráveis. Não era para ter distinção nos cemitérios entre ricos, pobres e miseráveis, pois, fazem ouvido de marcador de que através do instituto da morte, todos são iguais indistintamente. É verdade, a morte iguala todos no mesmo nível. É uma questão de homogeneidade final. Sabe por que acontece isso?, porque a morte não recebe propina, em sendo assim não comete fraude, não faz chantagem e muito menos pratica estelionato material e/ou espiritual. Nada oferece pelo ato de dar e ou de receber em troca. Não é por acaso que Sigmund Freud, pai da Psicanálise moderna tem certeza de que “se quiseres poder suportar a vida, fica pronto para aceitar a morte”. A morte é ética e justa, vem para todos, indistintamente, seja natural e ou sinistra, provocada, etc. A morte patrocina inevitavelmente a maior derrotado do ser humano, transformando-o em pó e ou cinzas imprestáveis e inaproveitáveis para fazer e ou fabricar qualquer outro ser e/ou objeto, corroborando assim com a teoria de Antoine Lavoisier de que “na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. É a frase popular que o imortalizou em suas pesquisas. Ah! Assim o corpo humano é transformado a pó, mesmo diante da incineração cadavérica. Com a incineração surgem especulações diversas, dentre as quais se quem tem o corpo incinerado vai ser contemplado e/ou não com a ressurreição no último dia. Por outro lado, Leonardo da Vinci, informa “que o teu trabalho seja perfeito para que, mesmo depois da tua morte, ele permaneça”. Aqui acontece o confronto entre trabalho perfeito, em vez de ressurreição. Ambos os termos são coisas opostas entre si. É o encontro do saber profano com o saber sagrado. Ressuscitar o que, se o corpo foi queimado?!... Nos países civilizados europeus e em outras partes do mundo, entendem de que ricos, pobres e miseráveis devem ter o mesmo tratamento após a morte, o descanso eterno. E nada mais! Aqui entre nós, depois de dois anos de enterrados os corpos de gente pobre que não tem o jazigo eterno, seus restos mortais são arrancados e jogados na vala comum existente em cada cemitério: o ossário público, onde ninguém sabe mais quem foi ninguém, salvo diante das novas tecnologias, via exames de DNA. Coisa igualmente para gente fina e de dinheiro. Segundo Arthur Schopenhauer, “quem não tem medo da vida também não tem medo da morte”. Isso é apenas uma possibilidade, cientificamente falando e se tiver algum interesse jurídico em jogo e se as partes tiverem condições de arcar com tais despesas. Aqui entre nós a distinção da classe social dos mortos nos cemitérios é reinante, diante das construções arquitetônicas suntuosas das sepulturas, criptas, cenotáfios, etc., diante das humildes sepulturas do estilo rés-do-chão, covas rasas, onde ostentam apenas uma cruz, com o nome do falecido, data de nascimento e data de falecimento. Nem por isso os pobres estão excluídos da ressurreição no dia final. Isso já é suficiente. Não temos dúvidas de que Confúcio, tem razão quando afirma que “quem não sabe o que é a vida, como poderá saber o que é a morte?”. A vaidade da riqueza acompanha mesmo depois da mortes física dos seus, porém, não significa que serão os primeiros, os últimos e ou que não vão ressuscitar no último dia. O mistério sagrado da ressurreição só Jesus Cristo sabe o ano, o mês, o dia e a hora que isso irá acontecer.

Em síntese, diante da falta de simplicidade, surge entre nós em todas as partes do mundo a indústria e o comércio da prestação de serviços funerários, onde um sepultamento tanto na zona urbana, quanto na zona rural, significa uma verdadeira operação de guerra e de disputas internas localizadas entre os planos funerários para todos os gostos, pagos durante décadas e mais décadas, tudo para que a família do morto não venha passar vergonha quando do cortejo fúnebre dele, em ano, mês, dia e hora, ainda desconhecida, tudo porque a morte é incorruptível em sua essência natural. O estelionato pode ser praticado por quem quer que seja, menos pela morte. William Shakespeare, ensina que devemos “combater e morrer, é pela morte derrotar a morte, mas temer e morrer é fazer-lhe homenagem com um sopro servil”. Ela não pergunta se o individuo rico, pobre e ou miserável quer e/ou não quer morrer hoje, quando ela vem buscar, nunca volta de mãos vazias. O nosso Epicuro tem energia forte em sua sapiência quando nos informa que “a morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte, e quando existe a morte, não existimos mais”. Não precisa nem choro e nem vela. A morte leva o indivíduo com e/ou sem carpideira. A operação do antes, do durante e do depois do enterro, envolve e pesa no bolso dos vivos, sempre todos ficam assediados pelos empresários e ou corretores de planos funerários, que parece mais um descuido do destino do que amantes sinistros da própria morte.

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Cadeira 7 – Academia Paraibana de Poesia.

Cadeira 1 – Academia de Letras do Brasil

FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR
Enviado por FRANCISCO DE PAULA MELO AGUIAR em 20/06/2015
Reeditado em 20/06/2015
Código do texto: T5283819
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