OS RAMOS DA VIDEIRA (Cristologia)

OS RAMOS DA VIDEIRA

Cristologia

Antônio Mesquita Galvão

Carmen Sílvia Machado Galvão

1 Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor. 2 Todo ramo que não dá fruto em mim, o Pai o corta. Os ramos que dão fruto, ele os poda para que dêem mais fruto ainda. 3 Vocês já estão limpos por causa da palavra que eu lhes falei. 4 Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unido a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto. Vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim. 5 Eu sou a videira, e vocês são os ramos. Quem fica unido a mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não podem fazer nada. 6 Quem não fica unido a mim será jogado fora como um ramo, e secará. Esses ramos são ajuntados, jogados no fogo e queimados (Jo 15, 1-6).

A alegoria da “videira” é uma das mais conhecidas pelos leitores dos evangelhos. Trata-se do tema preferido para reflexões, homilias e meditações em retiros espirituais, encontros eclesiais e outras celebrações, pela excelência do tema, rico em comunhão e pertença ao grupo de seguidores de Jesus.

Como as outras narrativas, o presente texto tem um argumento simples, facilmente compreensível, firmado em cima das realidades agrárias do Oriente Médio, no tempo de Jesus, acessível porém aos ouvintes de todos os tempos. Ora, quem ignora a realidade exposta a partir de uma parreira que produz uvas, um agricultor que zela por ela, os ramos e os frutos? Trata-se de um fato simples, como simples deve ser a nossa vida cristã. Com a simplicidade de uma árvore, que tem tronco, galhos, folhas e produz frutos saborosos, chega-nos a inspiração para o nosso dia-a-dia, no seguimento a Jesus.

O texto traz em seu núcleo central a idéia de uma ligação com o Deus Trinitário, liame esse adquirido a partir do nosso batismo. A idéia fundamenta-se na lição que diz que o galho (o cristão) separado do tronco (Jesus) não produz frutos, nem pode desfrutar a abundância da vida (cf. Jo 10, 10). Se deixarmos o ramo secar, estrangulado ele não vai deixar passar a seiva (a graça), e com isso caem as folhas e o fruto não se cria. A fecundidade de nossa vida cristã ocorre a partir da seiva que circula entre o tronco e os ramos.

A expressão-chave empregada nessa tradução que utilizamos é ficar unido. Respigando o original, encontramos o verbo permanecer, ménoo, cujo significado é sinônimo de ficar ou estar unido. Pois a idéia de permanecer unido a Cristo, aparece, neste curto texto de seis versículos, quatro vezes. No texto inteiro, a incidência é maior: v. 4 (duas vezes); 5 (uma vez); 6 (duas vezes); 7 (uma vez); 9 (uma vez); 10 (duas vezes).

Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unido a vocês. O ramo que não fica unido à videira não pode dar fruto. Vocês também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim (v. 4).

Esta é uma das grandes declarações proferidas por Jesus, e indica o roteiro de uma vida espiritualmente frutífera, aquela que agrada a Deus, tornando-se benéfica para o próximo e edificante para toda a comunidade. A lição de permanecer unidos revela a preocupação de Jesus com a unidade, com ele e com os demais membros da Igreja.

Em algumas oportunidades se vê pessoas buscando “produzir frutos” a seu bel-prazer, fazendo exclusivamente aquilo que agrada a elas, que alimenta seu ego e resultando em oportunidade de promoção pessoal. Laboram pensando em si e esquecem-se da obra de Deus. Esses não estão unidos ao tronco, e seus frutos são falsos e amargos.

Na farta utilização do verbo permanecer, Jesus chega a ser repetitivo quanto à necessidade de estabelecermos uma relação mística com o Pai (o agricultor) através dele (a verdadeira videira). A finalidade desse discurso de Jesus é alertar os crentes de todos os tempos, contra o pecado da presunção, da autossuficiência e do pensar que podem fazer as coisas a seu modo, sem estarem unidos a ele. É por isto que ele nos alerta:

...sem mim vocês não podem fazer nada (v. 5 b)

A frase de Jesus tem um sentido nitidamente espiritual. Tem gente que reza, reza, vai à igreja, faz novena, vai a procissões e não progride. Parece que suas orações não são aceitas... Trata-se de uma espiritualidade mal conduzida, onde busca-se Deus unicamente como um “pronto socorro”. Mesmo sabendo que Jesus ensinou o peçam e receberão (cf. Lc 11, 9), nossa oração não pode ser só de pedidos. Necessidades todos nós temos. Deus as conhece tão bem ou melhor que nós. Há pessoas, com um tipo de espiritualidade mais discernida que, movidas por uma fé muito forte (fé de quem se sabe unida ao grande tronco), que ao invés de pedir, já agradecem a Deus, pelos benefícios e pelos dons, mesmo antes de eles se fazerem sentir. A gente sabe o que Deus pode fazer por nós. Cabe, em paralelo, a questão: o que eu posso fazer por Deus, pelo Reino, pela missão de impregnar o mundo de evangelho? O fruto abundante (o amor cristão) será a glória do agricultor.

A figura da parreira, ou videira, é empregada em vários trechos do Antigo Testamento, como símbolo da nação de Israel (cf. Is 5, 1; Ez 19, 10-14; Sl 80, 8-19), usada para expressar vida e comunicação, desvelo e produção de frutos. No Novo Testamento, essa árvore retrata Jesus como a fonte inesgotável de toda a vida, onde ocorre a comunhão divina (representada pelos ramos unidos ao tronco). O destino do ser humano, quando distanciado dessa comunhão, não produz fruto algum. Pelo contrário, só serve para ser jogado fora e queimado, naquele fogo escatológico referido pelo profeta (cf. Is 27, 11).

O verbo podar aparece, no original grego, como airei, mais no sentido de recolher, preservar. Ora, para quê o agricultor poda a parreira? Para que dê mais frutos, não é assim? O podar às vezes implica em ferir, arrancar, até tirar pedaços, para arrancar o galho daquela letargia das rotinas. Assim também, Deus nos poda, certas vezes, para que não nos afastemos de nossa missão, que é dar os frutos que ele espera.

Os ramos que dão fruto, o agricultor os poda para que deem mais fruto ainda (v. 2 b).

Como podemos manter-nos unidos ao tronco da videira, rico em seiva e vida? Buscando a santidade de uma vida fiel ao projeto de Deus, alavancada por uma fé (“sei em quem acreditei...”, cf. 2Tm 1,12) discernida, crescente e testemunhal, prática e plena de obras. Ramos e videira retratam, por todos os séculos uma união vital.

A que conclusões podemos chegar após ler esta parábola de Jesus? Será que é preciso abrir um tópico à guisa de “conclusão”, ou o texto que estudamos se se explica por si mesmo? Quem sabe hoje, com o relativo conhecimento que possuímos das coisas de Deus, talvez não necessitássemos ser ensinados através da linguagem figurada das parábolas. Essa necessidade, no entanto, para o povo do tempo de Jesus era indispensável.

Mesmo assim, observa-se, nos dias atuais, que muitos cristãos prendem-se ao contexto emocional, literário ou místico da parábola, sem intuir a mensagem subjacente que Jesus quis imprimir à narrativa. Tem gente que se emociona com a parábola do samaritano, ou do filho pródigo, mas se esquece de ser solidário e, convertendo-se, voltar à casa do Pai. Há os que conhecem de cor a maioria das histórias, parábolas e alegorias que Jesus contou, mas não têm a suficiente coragem para imprimi-las às suas vidas, transformando-se. Vemos, também, os que se convertendo, não prestam atenção ao exemplo da lição do semeador, e por não terem base ou raiz, em pouco tempo abandonam a virtude.

Se de um lado é verdade que Jesus falou por parábolas aos homens de seu tempo, pela limitação da capacidade intelectual deles em intuir a mensagem do Mestre, de outro, vemos que hoje, pela pouca formação doutrinária de alguns, e pela dureza de coração de outros, continua necessária a pedagogia de Jesus, em expor as verdades do Reino através de histórias simples, mas que têm um valor inestimável, na medida em que ensinam com os fatos do dia-a-dia.