Dom Helder, um presente do céu!
Padre Geovane Saraiva*
Os seguidores ou discípulos de Jesus de Nazaré são convidados a dar continuidade à obra por Ele iniciada. Ele está junto do Pai, mas ao mesmo tempo presente e caminhando com seu povo, inspirando a mente e renovando o coração de cada pessoa, deixando claro que nosso feliz destino é a glória. O mesmo Espírito de força, imprimido na mente e no coração dos discípulos, O Qual os encorajou e os animou na missão, nos convida a acolhê-Lo no coração.
A Igreja do Brasil produziu e ofertou incontáveis dons e talentos à Igreja Universal no século vinte. Não tenho nenhuma dúvida que a maior dádiva do céu que caiu sobre seu povo, enriquecendo a Igreja Universal foi o pastor dos empobrecidos, Dom Helder Câmara, pelos seus escritos: livros, poesia e pensamentos; sua capacidade de criar e realizar; mas, sobretudo, sua força mística, em profunda comunhão com Deus, ao afirmar: “Que eu aprenda afinal, com a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a cobrir de véus o acidental e efêmero, deixando em primeiro plano, apenas o mistério da Redenção".
Ninguém melhor do que Dom Helder para perceber o rosto de Deus na dor, na angustia e no sofrimento do próximo: “...nos rostos gastos pela fome e esmagados pelas humilhações vi o rosto do Cristo Ressuscitado”. Apesar de não ter convivido com Dom Helder, ao ingressar no seminário em 1974, passei a admirá-lo. Tive a sorte de estar com ele em três ocasiões. Sua vida foi um verdadeiro hino de louvor a Deus. Em 1948 como padre novo no Rio de Janeiro se expressou de modo extremamente profundo e em tom de poesia ao externar: “Se eu pudesse sairia povoando de sono e de sonhos as noites mal dormidas dos desesperados”.
Assaz sua participação no Concílio Vaticano II (1962-1965), agindo excepcionalmente, nos bastidores com um articulador da melhor qualidade. Certa vez Dom Hélder confidenciou: “Uma de minhas maiores emoções, em toda minha vida, foi quando da abertura da primeira sessão do Concílio Vaticano II”. Em sua aula inaugural, o Papa João XXIII disse com força: “Aqui estamos para a nossa conversão” e ele mesmo se incluía. Isso significava que nós, cristãos, padres e bispos e até o Papa, precisávamos voltar às origens do cristianismo e a reaprender o Evangelho. A beber novamente da fonte d’água da vida que é o próprio Deus. Como místico, tornou-se conhecido no Brasil e no mundo inteiro, por sua luta em favor de uma humanidade livre, especialmente, os desafortunados da vida, os empobrecidos, os “sem voz e sem vez”, como ele costumava dizer. O Papa Francisco, logo no início de seu pontificado deu sinais concretos da importância do Concílio Vaticano II: dispensou a cruz de ouro, recusou o carro de luxo, pagou a sua conta na pensão, exortou os bispos a saírem dos palácios e a irem para as periferias, disse que a Igreja sem a Cruz é tão somente uma piedosa ONG, pediu a bênção dos fiéis e se esforça para dar rumo aos trabalhos pastorais nos nossos dias.
No seu sonho em favor de uma Igreja restaurada e renovando no amor, dentro do espírito do Pacto das Catacumbas (16/11/1965), Dom Helder era de tal modo concreto, que em uma sugestão filial e profética, assim se expressou ao Santo Padre, Papa Paulo VI: “Santo Padre, abandone seu título de rei e vamos reconstruir a Igreja como nosso Mestre, sendo pobres. Deixe os palácios do Vaticano, vá morar numa casa na periferia de Roma. Pode até ter uma praça para saudar e abençoar as ovelhas. Depois, Santo Padre, convide a todos os bispos a largarem tudo o que indica poder, majestade: báculos, solidéus, mitras, faixas peitorais, batinas roxas. Vamos amontoar tudo na Praça de São Pedro e fazer uma grande fogueira, dizendo de peito aberto para o povo: 'Vejam, não somos mais príncipes medievais. Não moramos mais em palácios. Todos somos pastores, somos pobres, somos irmãos' ”.
Iniciado o processo de sua beatificação em 03/05/2015, saibamos olhá-lo, na sua espiritualidade genuína e cristalina, quando sua oração ao Deus altíssimo se transforma em ação e poesia: “Fomos nós, as tuas criaturas que inventamos teu nome!? O nome não é, não deve ser um rótulo colado sobre as pessoas e sobre as coisas… O nome vem de dentro das coisas e pessoas, e não deve ser falso… Tem que exprimir o mais íntimo do íntimo, a própria razão de ser e existir da coisa ou da pessoa nomeada… Teu nome é e só podia ser amor”.
Escritor, blogueiro, colunista, vice-presidente da Previdência Sacerdotal e Pároco de Santo Afonso, Parquelândia, Fortaleza-CE – geovanesaraiva@gmail.com