Igreja, uma mãe cheia de graças!
Padre Geovane Saraiva*
A Quaresma pede de nós cristãos, abertura para o mistério insondável da dor, da cruz e da morte. É importante pensar no sentido do jejum, como uma maneira de se aproximar de Deus, no espírito de despojamento e abertura para com o próximo. Da mesma forma, devemos ter a arma poderosa da oração, a qual nos ajuda a experimentar a bondade e a intimidade amorosa de Deus. É claro que não podemos esquecer a importância incomensurável da partilha da própria vida, através da proposta da esmola, na esperança de que esse gesto seja fecundo, transformando-nos em criaturas de enorme coração, marcadas pela generosidade, segundo a vontade do nosso bom Deus.
A proposta para vivermos bem neste mundo, na lógica do projeto de Deus, quer nos encaminhar na direção do reino, inaugurado por Jesus de Nazaré, através da doação de sua própria vida. Ele não somente despojou-se de tudo, mas assumiu na sua vida, a condição dos sofredores, para com eles caminhar, para curá-los, restaurá-los e oferecer-lhes a dignidade de filhos de Deus. E o reino continua hoje, neste mundo, com a doação daqueles que assumem a mesma causa de Jesus, tornando-se pobres, com o mesmo Espírito do Mestre. Neste mesmo contexto, Dom Helder Câmara dizia que: “Caminhar é ir ao encontro de metas. Significa mover-se para ajudar muitos outros a moverem-se, no sentido de tudo fazer para criar um mundo mais justo e humano”.
Nesta Quaresma de 2015, a Campanha da Fraternidade, pela voz da Igreja, lança um maravilhoso convite aos católicos do Brasil para refletir, meditar e rezar, tendo diante dos olhos, a relação entre Igreja e Sociedade. Portanto o tema: “Fraternidade: Igreja e Sociedade”, e o lema: “Eu vim para servir” (cf. Mc 10, 45), deseja ter como foco central a Páscoa do Senhor. É imprescindível colocar na mente e no coração aquilo que disse o Papa Francisco aos 31/04/2013: “Amor de Deus é mais forte que o mal e a própria morte; significa que o amor de Deus pode transformar a nossa vida, fazer florir aquelas parcelas de deserto que ainda existe em nosso coração” .
O Evangelho do sermão da montanha começa com as bem-aventuranças, declaração maravilhosa e solene, proclamada pelo Filho de Deus, na qual o reino de Deus nos é revelado como uma boa notícia aos pobres. Essa declaração ou anúncio é um grito de alegria, dito por Jesus de Nazaré, pela chegada do reino de Deus e, ao mesmo tempo, uma proposta rigorosa e exigente a um estilo de vida, no desprendimento e despojamento: “Bem-aventurados sereis quando vos caluniarem, quando vos perseguirem e disserem falsamente todo o tipo de mal contra vós por causa de mim” (cf. Mt 5, 11).
Vivemos em mundo no qual experimentamos diariamente inúmeros sinais de morte, e ainda assim nunca nos acostumamos com a dura realidade da morte. Ela pesa sobre nós. Sofremos muito com a morte, porque somos criaturas humanas e apegadas a esta vida aqui da terra. Por isso, não enxergamos a morte, na maioria das vezes, como algo natural, tudo por causa das nossas contingências e limitações. As bem-aventuranças querem nos colocar diante das tensões e dos desafios. Mas para nós, pessoas de fé, de maneira alguma, as situações duras e sinais de morte nos apontam para o fim. Deus que enviou o seu Filho Jesus e o ressuscitou, nos ensina a viver bem aqui na terra, com pés firmes no chão, e assim, sonhar com a glória futura. “Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus” (cf. Mt 5, 12).
É necessário compreender que somos limitados, que não conseguimos dar um passo a mais, diante das tragédias, tensões e situações de limites. Elas nos ensinam e revelam algo precioso: a certeza de que a realidade dura e pesada dos sinais de morte nos engrandece e humaniza, dizendo-nos que a vida está acima de tudo. Daí olhar para a realidade da morte como nossa irmã e companheira inseparável. O exemplo vem de Francisco de Assis, ao dizer com grande fé, sabedoria e confiança: “Louvado seja Deus pela irmã morte”. Quando injustiça e tudo aquilo que gera a morte chegar perto de nós e bater à nossa porta, surpreendendo-nos e deixando nosso coração marcado pela dor e sofrimento, peçamos que a tristeza se transforme em alegria e esperança, certos de que o critério para o nosso julgamento é o da prática da justiça. Somos, portanto, desafiados a colocar a nossa própria vida diante do projeto de Deus, no amor que se traduz em justiça, verdade e solidariedade. É deste modo, que a piedade divina se transforma em misericórdia e generosidade, como diz tão bem o Profeta Oséias: “Quero misericórdia e não sacrifício” (cf. Os 6, 6).
Jesus nos promete e nos assegura a felicidade, não apenas em um futuro longe e distante, lá no céu, na eternidade, mas já aqui na terra. A vontade de Deus é que o seu reino seja algo concreto e presente no mundo, através de nós, seus seguidores. Todo aquele que deseja participar e tem como sonho maior o reino de Deus, precisa experimentar a alegria da transformação interior, no desprendimento e despojamento, usando os bens deste mundo, mas com uma grande vontade de abraçar os bens que são eternos, que não passam, tendo diante dos olhos a promessa do Filho de Deus, na busca da sua própria felicidade e a do próximo.
Nesta Quaresma, façamos a experiência da graça de Deus, convictos de que as forças do mal devem ser suplantadas pelas forças do bem, voltando-nos para o querido Papa Francisco, a nos ensinar que a partir do mistério indizível da contemplação, nas dores de Nosso Senhor Jesus Cristo, ajude a Igreja de Deus a sair si mesma, para mergulhar nas periferias existenciais, num ardente desejo de ser sempre mais uma mãe cheia de graça, num constante esforço de viver da doce e confortadora alegria de evangelizar. Assim seja!
*Escritor, blogueiro, colunista, vice-presidente da Previdência Sacerdotal e Pároco de Santo Afonso, Parquelândia, Fortaleza-CE - geovanesaraiva@gmail.com