PLACEBO E PROFETAS
A medicina e a psicologia já constataram um fenômeno interessante: há pessoas que se consideram doentes, mas, de fato, não estão; outras, de fato doentes, se curam ingerindo substâncias neutras e inofensivas, convictas que são remédios. Estes “remédios”, que não são remédios, são os chamados placebos.
Verifica-se, em certos casos, que pessoas se curam de suas doenças físicas tomando placebos. A vontade de se curar e a ilusão de estarem tomando remédios faz com que em seu organismo despertem energias psíquicas e físicas que aumentam a resistência às doenças, produzindo anticorpos, que levam à cura.
Bem, se isto ocorre no nível físico, será que no nível espiritual e religioso não existem também tais placebos? Penso que sim. São “remédios” espirituais, que não são remédios.
No nível da medicina, às vezes, se pode legitimar eticamente o uso de placebos em experiências, e no caso em que o médico sabe que não seriam necessários remédios para uma determinada cura, mas a pessoa, por motivos psíquicos, julga necessária esta ingestão. Nos demais casos é repreensível enganar ou iludir pessoas.
No caso espiritual e religioso, existiria alguma situação em que seria permitido enganar a alguém, ou oferecer-lhe um “ópio” religioso? Marx generalizou quando criticou as religiões como sendo o ópio do povo. Isto é, uma droga que tira a consciência e a racionalidade, afastando as pessoas da compreensão do real, alienando-as. Sob diversos aspectos Marx tinha razão, pois diariamente verifica-se que, de muitas formas, charlatães, que se autodesignam profetas e apóstolos, servem às multidões ingênuas e ignorantes o “placebo” dos milagres enganosos com uma “fé” que não passa de ópio e enganação.
Ao lado das tantas mentiras e enganações políticas, o povo brasileiro, atualmente, ainda se deixa enganar por tantas prédicas e programas de televisão, cujos “pastores” midiáticos se consideram superiores ao próprio Deus, exigindo Dele que, constantemente, mude as leis de sua criação, realizando “milagres”. Por que será que o Governo permite concessões de TV e mídia para gente que ilude o povo? Se estes tais “pastores milagreiros”, aproveitassem suas arengas religiosas para ensinar saúde ao povo, exigindo dos governos melhor atendimento médico, melhores hospitais, vá lá. Mas o Governo permitir que os cidadãos sejam ludibriados por charlatães, que prometem curas milagrosas para quem cheira, ou se enxuga com um pano cheio de suor de um “falso profeta”, é lamentável. Ainda mais, arrecadando dinheiro para seu prestígio e proveito, sem pagar impostos. Se os governantes supersticiosos acreditam no poder destes milagreiros, por que não os contratam para atenderem no SUS?
Mas, além destas enganações na média, existem outros “placebos espirituais” supersticiosos. Em São Paulo se faz propaganda pelas chamadas “pílulas de Frei Galvão”. Nada contra a santidade de Frei Galvão! Mas, incentivar pessoas para que engulam um pedacinho de papel com uma rápida oração, para que o Santo os cure milagrosamente de suas doenças e angústias existenciais, é humilhante, e não cabe no horizonte de qualquer espiritualidade ou ética mesmo que estas “pílulas” sejam gratuitas. Isto é lamentável no âmbito de uma fé, que quer dialogar com a razão, e de fato dialoga.
Entre muitos outros “placebos espirituais”, que não passam de droga inebriante, não poderia deixar de mencionar as promessas de “religiosos”, que se dispõem a viajar para Jerusalém(com viagem paga com o dízimo dos fiéis!), levando bilhetes, onde os seus fiéis escreveram seus pecados, prometendo queimá-los na “cidade Santa”, garantindo que Deus então perdoará estes pecados.
Outro exemplo de “placebo”, proposto diariamente em programas televisivos, é o incentivo de “pastores midiáticos”, para que os assistentes, geralmente ao final do programa, coloquem um copo de água, encima ou ao lado da TV, para que seja abençoado, e a água se torne mediação da graça de Deus para a família. Claro, esta água até pode ser boa para quem tem sede!
E assim se multiplicam propostas aberrantes para uma sã espiritualidade. Diante disto, proponho: liberdade religiosa sim, fé num Ser Superior sim, louvor ao Supremo Criador sim, mas iludir os fiéis, não. Propor “placebos espirituais” é charlatanismo perante a ética, a lei, a sã razão e o Deus da fé.
Inácio Strieder é professor de filosofia. Recife- PE.