O CAOS
O CAOS
Muita gente imagina que a palavra caos só se aplica às desordens da socie-dade, da política e dos sistemas das relações formais. No entanto, se formos olhar detidamente, veremos que há caos instalado também nas famílias e nos corações das pessoas. Ao contrário de desejável clima de amor, quando um casal não tem a suficiente competência para estruturar sua relação, a família torna-se, ao invés de um lar, um caos.
A Bíblia nos relata que
No princípio, criou Deus os céus e a terra. E a terra era sem
forma e vazia; e havia trevas sobre a face do abismo; e o
Espírito de Deus se movia sobre a face das águas (Gn. 1.1,2).
Em muitas traduções, nas mais antigas, especialmente antes da padroniza-ção levada a efeito pelas “conferências episcopais”, as expressões sem forma e va-zia, e face do abismo são substituídas por caos, para identificar uma desordem original que caracterizava essa criação primeva. Na tradição platônica, o estado geral desordenado e indiferenciado de elementos que antecede a intervenção do demiurgo (divindade organizadora), por meio da qual é estabelecida a ordem uni-versal. O verbete caos desde sua origem, na filosofia grega traz consigo o sentido de desordem.
Também conhecida como Teoria do Caos, Teoria do Intervalo ou Teoria da Ruína-Restauração, esse pensamento representa uma aproximação entre o criaci-onismo bíblico, cosmogonias (mitologia) e cosmologias modernas.
A História da Filosofia nos diz que na mitologia e cosmogonia pré-filosóficas, o caos é um vazio obscuro e ilimitado, um sinônimo de abismo, que precede e pro-picia a geração do mundo.
De acordo com a Teoria do Caos, o relato em Gênesis 1,2 de que a terra es-tava “sem forma e vazia” indica que existiu um pré-mundo que fora destruído, provavelmente, pela ação revoltosa de Lúcifer contra a Terra quando o mesmo foi expulso do paraíso. Essa teoria afirma que existe uma lacuna de tempo de milha-res, milhões ou até mesmo bilhões de anos entre os versículos 1 e 2 do primeiro capítulo do livro de Gênesis, e esse seria o período do pré-mundo.
Em Isaías 45,18 lemos que “Deus criou a terra não para que fosse um caos, mas para que fosse habitada.” É esse versículo, em suma, que leva os defensores de tal tese a acreditarem que “sem forma e vazia,” em Gênesis 1,2, é uma referên-cia a restauração de um mundo que havia sido criado previamente (e que fora, por alguma razão destruído ou ignorado). A teoria envolve, a respeito desse pré-mundo, duas ideias: a primeira diz que o pré-mundo era habitado por anjos e, quando alguns anjos pecaram e se tornaram demônios, (baseado em Judas 6), es-te pré-mundo foi destruído. Em Gn 1,1 lê-se que Deus tira o universo do caos primitivo. Os escritos babilônicos da criação se referem ao caos como uma entida-de maléfica, com a qual o Criador trava uma verdadeira batalha.
A segunda idéia, talvez a mais popular, diz que esse pré-mundo corresponde á pré-história e, com a queda de Lúcifer na terra, com a força e potência de um meteoro, aconteceu o chamado “efeito K-T”, mais conhecido com a força de extinção dos dinossauros. Então, nos dois casos, Deus recria o mundo atual, em uma semana metafórica, conforme o primeiro capítulo de Gênesis. Quando o cronista bíblico inicia seu relato criacional, ele fala em caos ou abismo, mas não dilucida maiores detalhes. Menciona a atividade de Satanás e Lilith, mas não conta o surgimento dos espíritos maus nem a exclusão de Lúcifer.
De outro lado, modernamente, instaura-se o caos, semelhante ao primitivo, quando certas pessoas manipulam suas consciências, ao ponto de chegarem a uma concepção radicalmente subjetivista do juízo moral. Nesse tipo de compor-tamento vamos encontrar aqueles que tentam induzir valores em seus atos, mo-ralmente falhos, afirmando que “vão responder por suas cabeças”, de acordo com aquilo que pensam. Isso é o cúmulo do subjetivismo!
Quem pensa assim parece desconhecer que a consciência humana, pressio-nada por estímulos de todas as formas, geralmente tende a se adaptar a uma mo-ral de situação. Nessa distorção ética, a consciência se transforma num tribunal que legisla e julga em causa própria. Esta visão identifica-se com a ética indivi-dualista, na qual cada um se vê confrontado com a sua verdade, diferente da ver-dade dos outros. Estas diversas concepções estão na origem das orientações de pensamento que sustentam a antinomia entre lei moral e consciência, entre natu-reza e liberdade.
Fora de um controle moral, a vida humana e seus comportamentos tornam-se um caos, desordenados em propósito e finalidade. O descontrole, que em geral passa por um desregramento moral, tem gênese no egoísmo. Este é, sem dúvida, o gerador do caos, primeiro nas consciências, depois nos comportamentos e, por fim, na relações entre as pessoas. O egoísta não sabe amar. Ele só ama a si pró-prio, e embora queira parecer altruísta ele ama mais a si do que aos outros, e nis-so busca satisfação de seus desejos, em primeiro lugar. Ao dizer que “... inferno é não saber amar”, o escritor Dostoiévski (in Crime e Castigo, 1866) afirma, dentro de uma cadeia de silogismos, que o egoísta gera, para si e para os outros, um in-ferno de proporções incalculáveis. Se inferno é não amar, também o é a solidão a dois e, principalmente, o viver egoisticamente só em função de seus objetivos mesquinhos..
O contrário do egoísmo é o altruísmo, ou seja, devotar-se, em primeiro lugar ao alter, o outro. Jesus Cristo ensinou e mostrou com suas ações: “Ninguém tem maior amor que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13). Na verdade, Deus não criou o caos. Toda a criação, organizada e ponderada induz a pensar no equilíbrio com que Deus quis o mundo e a vida. Se há caos, se existe desencontro movido pelo egoísmo, no mundo, na sociedade, nas famílias, ele é fruto do pecado.
Quando a lei moral, não a que dimana do direito positivo humano, muitas vezes submisso a sistemas, mas aquela que brota do direito natural, eterno, não é seguida, ocorrem desordens nas diversas formas de comportamento dos seres humanos. A razão humana, obliterada por uma mídia hedonista e eminentemente consumista, fruto de certas correntes e teorias econômicas e filosóficas de grande curso na cultura contemporânea, deixa de perceber a universalidade da lei moral. Quando a sociedade perde o referencial da lei moral, as desordens tornam-se uma conseqüência desse agir equivocado. Esta universalidade de juízos não prescinde da individualidade dos seres humanos, nem se opõe à unicidade e irrepetibilidade de cada pessoa: pelo contrário, abraça pela raiz cada um dos seus atos livres, que devem atestar a universalidade do verdadeiro bem.
A teologia moral nos mostra que o moderno caos instalado pela insurgência do egoísmo, é o oposto da felicidade, sedimentada pela prática constante e discer-nida do amor. O antônimo de amor não é ódio, mas indiferença... O amor, diria São Paulo (cf. 1Cor 13), não é arrogante, nem soberbo nem tampouco injusto. Desenvolver o amor, fazê-lo crescer e irradiar-se testemunhalmente, é missão diu-turna de quem faz, do matrimônio, bandeira do afeto e da participação.
O amor cresce nos pequenos gestos, no carinho e na humildade. Humildade não é - diz Saint Exupery - submissão aos homens, mas a Deus. Ser humilde não é ser servil, mas colocar-se filialmente perante Deus e serviçalmente ante o próxi-mo. No amor vence quem perde, é proprietário que se entrega, alegra-se quem sabe chorar com o outro, vive quem se dispõe a morrer.
Quando os judeus tentaram envolver Jesus, dizendo-lhe que Moisés permi-tiu uma série de liberalidades aos homens de seu tempo, o Mestre invocou a dureza de coração como causa daquela desordem, afirmando que “... não foi assim desde o princípio...” (Mt 19, 8).
De fato, não foi sempre assim. No princípio estava o amor de Deus que criou o ser humano, homem e mulher, por amor e para o amor. Só fiel ao projeto de Deus a vida humana adquire seu verdadeiro e irrepetível sentido. Fora disto, ins-tala-se o caos.