A CÉSAR QUEM É DE CÉSAR – conclusão

Jesus morreu na cruz não para que todos o seguissem. Ao contrário, foi para que quem não quisesse segui-lo

pudesse manifestar livremente sua escolha sem ser importunado ou hostilizado pelos demais.

O Estado é Estado. A Igreja é Igreja – embora haja casos que uma coisa se imbrica na outra. O líder político cuida do Estado, de seres civis, e se baseia na Constituição pra isso. O líder religioso cuida das pessoas de modo geral, de seres humanos e, para basear sua atuação, usa (no caso dos cristãos) a Bíblia.

No caso do Brasil, a situação começa a ficar confusa quando líderes religiosos influentes propõem que se consiga por meio da legislação civil o que se deveria obter pela argumentação e a influência do Poder Superior.

A partir do momento que a Constituição garante o livre exercício da fé, assegura proteção aos locais de culto, isenta as igrejas de impostos e ainda lhes permite organizar e implementar seus próprios sistemas confessionais de educação, de saúde, suas editoras, etc., qual a necessidade de se invocar Deus ou a Bíblia pra impedir essa ou aquela alteração nas leis civis, sendo que nenhuma dessas garantias está sob ameaça?

No caso dos homossexuais, por exemplo, o que se está procurando fazer é apenas tornar legítimo algo que, desde que o mundo é mundo, já é real. E todos, principalmente os líderes religiosos cristãos, sabemos muito bem disso.

“Mas dois homens ou duas mulheres se beijando na frente de uma criança pode influenciá-la. Esse tipo de atitude tem que ser coibido”.

Francamente! O Bob Esponja teria uma argumentação mais sólida.

Quem foi que determinou que homem só tem que beijar mulher e vice-versa?! E se eu tenho direito de orientar meu filho ou qualquer outra criança a se relacionar com o sexo oposto, na condição de cidadão igual a mim, por que qualquer outra pessoa não teria o mesmo direito se quiser orientar a criança em sentido contrário? Quem determinou que a minha orientação é a melhor, a mais pura, a mais correta e mais saudável?

O Brasil é um Estado DEMO, não TEOcrático de Direito. E ainda que fôssemos uma Teocracia, se esta fosse baseada no cristianismo, a chance de existirem dois tipos de cidadão (um melhor, mais puro e moralmente superior e outro inferior) seria infinitamente menos possível, posto que nenhuma outra crença religiosa nivela tanto os seres humanos quanto esta. “Por que todos pecaram e carecem da glória de Deus”. “Não há justo, nem sequer um” – é o que diz o livro sagrado dos cristãos.

“Ora, isso é blasfêmia! É apologia à libertinagem à licenciosidade, um atentado ao pudor”, dirão os defensores da moral e dos bons costumes.

E eu repito – podem me mandar pra fogueira se quiserem [e puderem] –: Deus e a Bíblia não cabem na Constituição de nenhum país laico. Quem adora é o ser humano, o cidadão comum. O homem público é um escravo das legislações de seu país. Quem quer influenciar pessoas e formar ou ampliar uma comunidade de crentes, valha-se da Constituição naquilo que ela já lhe ampara e, no mais, conte com ajuda sobre-humana e extraterrena.

Querer assegurar a dogmatização da sociedade tendo como fundamento a legislação civil de um país laico é tão eficaz quanto tentar fazer um corte na água. Se Deus é tão poderoso quanto professamos, como queremos convencer disso os que não O seguem temendo que simples mortais possam representar a mais grave ameaça a Ele e às instituições e princípios que o Próprio estabeleceu? Isso é tão coerente quanto temer que a carroça venha a puxar o boi ou que o oceano seja engolido por um córrego.

E mais: Quando foi que o cristianismo – desde o seu estabelecimento – dependeu da simpatia (ou da antipatia) de governantes para o seu êxito? Muito pelo contrário. Se dependesse dos governos (tanto judeu quanto romano) da época, tal crença jamais teria se estabelecido. Afinal, qual foi a grande contribuição que Jesus recebeu dos governantes em apoio ao Seu Evangelho?

O que se pode impor ou restringir por meio da legislação civil são as questões civis. Os dogmas também podem ser impostos. Os meios, no entanto, são outros, a saber, a argumentação convincente e a fé, entre outros.

Os que professam o cristianismo, principalmente os líderes, fariam um bem maior a si e a todos se a energia dispendida em inócuos debates em torno de medidas legais para questões comportamentais e afetivas fosse empregada para cumprir à risca a recomendação do Mestre Nazareno: “amar o próximo sem medida, sem restrição e sem retribuição”. Afinal, Jesus constituiu os cristãos suas testemunhas, não seus advogados; e os comissionou a salvação das pessoas, não o julgamento destas. Jesus não veio ao mundo pra mudar ninguém. Ele apenas criou as condições para aqueles que, por ventura, queiram mudar. E isso não pode ser feito por força de lei nem por procuração.

Enquanto isso, parafraseando o Mestre: “deixem com César quem é de César e com Maria quem é de Maria e assim por diante”. Jesus morreu na cruz não para que todos o seguissem. Ao contrário, foi para que quem não quisesse segui-lo pudesse manifestar livremente sua escolha sem ser importunado ou hostilizado pelos demais.