SATANISMO E MAGIA NEGRA
Penso que muitos leitores do Recanto das Letras ainda se lembram do bárbaro assassinato da atriz Daniela Perez, em 1992, pelo ator Guilherme de Pádua. Na ocasião, atores e atrizes se declararam com medo e perplexos. E ainda mais assustados se mostraram quando surgiram versões de que o crime poderia ter sido praticado num ritual de magia negra, em obediência às ordens do espírito de um tal “preto velho Chicão”, em decorrência de um culto satânico.
O assassinato de Daniela Perez, e de tantos outros assassinatos análogos, principalmente de crianças, que ocorreram nestas últimas décadas, supostamente para obter favores de entidades, que exigiam sacrifícios humanos em troca de sucesso na vida profissional, econômica, política ou artística dos sacrificadores, mexe com um tema que, para muitos, parecia apenas medieval: o satanismo.
Satã, diabo, capeta, belzebul, belial, lúcifer, espírito dos ares, príncipe deste mundo, pai da mentira, espírito enganador, maligno, tentador, anjo mau, anjo exterminador são conceitos usados para caracterizar tudo que se opõe à ordem estabelecida pelo Criador do Universo. Desde a Antiguidade, o organizador do universo é denominado pelo conceito “Deus”. Deus é a fonte da ordem, do bem, da verdade, da paz, do amor; enquanto o caos, a desordem, a transgressão, a mentira, as desavenças, o ódio, a destruição e todo o mal se personificam no diabo, ou satã.
Numa visão dualista dos poderes cósmicos, Deus e Satã estão em eterno conflito. Ora vence um, ora outro. Superando esta visão dualística, o cristianismo ensina que, basta estar bem com Deus, para estar livre dos poderes do mal. É a superação de um dualismo, em que Deus teria como concorrente poderoso a satã, interferindo soberanamente no mundo de Deus.
Onde a visão dualística entre Deus e Satã não estiver superada, muitos “crentes”, esquizofrenicamente, se encontram em guerra contra o grande inimigo: o demônio. Como se o demônio pudesse ameaçar a obra de Deus. Neste sentido, alguns pastores midiáticos parece falarem mais do demônio do que de Deus. Um destes midiáticos, inclusive, prega que o demônio pode se alojar em todos os “furicos” humanos, e originar doenças e sofrimentos.
Quem não é “crente”, mas se orienta por uma visão dualística (esquizofrênica) dos poderes cósmicos, muitas vezes, recorre a rituais míticos para estar bem com deus e o diabo. Para conseguir os favores de satanás pratica, então, cultos satânicos, celebra “missas negras”, vende sua alma ao diabo, organiza orgias shabáticas, chega a oferecer sacrifícios humanos em práticas de “magia negra”. Homens envolvidos em tais práticas cultuais confessam estarem cumprindo ordens de Lúcifer, firmando pactos com o diabo. A literatura medieval fala em bruxaria, sacrifícios de crianças, orgias eróticas, criaturas súcubas e íncubas, necromancia, vampirismos, e em muitas outras perversões e taras humanas.
Ninguém há de negar que conheça muitos males praticados perversamente pelos homens. Frente a estas insanidades espirituais, a sã teologia cristã ensina que o homem somente adquire saúde espiritual, assumindo como referencial único de sua vida os ensinamentos do “Logos”, que se encarnou entre os homens. Diante da mensagem deste “Logos” todos os outros poderes cedem, e são neutralizados. Assumindo esta mensagem, as superstições perdem seu encanto e poder, e desaparecem.
Embora a mensagem cristã, submetendo todos os poderes do cosmos ao poder absoluto do único Deus, já esteja sendo proposta há dois mil anos, a realidade cultural, mesmo no mundo ocidental, dito cristão, ainda demonstra estar longe de conseguir colocar ordem na compreensão espiritual da humanidade. Os elementos do caos, a esquizofrenia dualística, continuam povoando a mente individual e coletiva de grande parte dos homens. Neste sentido, em um debate na RádioJornal, Geraldo Freire interpelou um pregador, muito afim de exaltar os poderes do demônio, dizendo: “vem cá, vocês estão combatendo o demônio há 2.000 anos, e ainda não conseguiram vencê-lo?”. O religioso ficou mudo!
É notório que neste início do séc. XXI, embora nos gloriemos de nossa ciência e tecnologia avançadas, ainda vigoram entre nós estranhas e abstrusas visões de mundo, repletas de entidades míticas. Até altos dignitários da nação brasileira oferecem flores a forças da natureza personificadas, principalmente por ocasião da passagem de ano. Recursos a superstições também fazem parte da vida de muitos políticos, principalmente em épocas de eleição. A sociedade brasileira está repleta de búzios, cartas, augúrios, adivinhações, necromancia, horóscopos, signos, despachos, pomba-giras, caboclos, exus, e entidades múltiplas das cidades e das florestas.
Este matagal de entidades é chão fértil para práticas cultuais da natureza, e outras, de outra ordem, que são “magias negras” e satanismos. Não estou negando que neste campo de personificações de forças míticas não possam acontecer incentivos a ações caridosas.
A mente dos antigos gregos e romanos, bem como dos povos bárbaros, estava povoada de entidades míticas personificadas. As esquizofrenias, paranoias e pavores, que tais personificações provocavam no espírito humano, foram sendo (ou deveriam ter sido!) sanadas pela espiritualidade cristã. De fato, nunca se conseguiu superar totalmente as superstições.
Na Idade Média houve um recrudescimento das fantasias demoníacas. Chegou-se a afirmar que, ao redor da terra, havia tantos demônios que, se os espíritos não fossem transparentes, a luz do sol não chegaria à terra. O inferno foi vivamente representado como uma grande cozinha, onde os diabos remexiam, com seus forcados, o grande fogão à lenha, que esquentava enormes panelas em que cozinhavam as almas dos condenados. Hoje, com os fogões a gás, elétricos e os microondas, o inferno medieval é difícil de se imaginar.
Entretanto, o satanismo se travestiu em centenas de outras entidades, rituais e práticas supersticiosas. A mente de muitos brasileiros ainda está fragmentada em dezenas de personificações fantasiosas e perturbadoras. Tais mentes, inebriadas pela “ação” dos supostos poderes maléficos, provindos de concorrentes de Deus, ou que agem à margem do poder de Deus, não são capazes de entender a realidade social perversa e injusta em que vivem. A atribuem a poderes mágicos maléficos, inocentando os homens, e responsabilizando os demônios pelas maldades que nos afetam.
Será que a reflexão científica, a psicologia, a medicina, a filosofia, e uma sã teologia, algum dia, conseguirão libertar nossos concidadãos de tantas entidades e espíritos malignos que, se prega, estarem interferindo em nossas vidas? Só então não haverá mais cultos satânicos, “magia negra”, e pregações assustadoras sobre demônios, que desafiam o poder de Deus.
Inácio Strieder é Professor de Filosofia- Recife/PE