PENTECOSTALISMO: A MUDANÇA DA PRIMEIRA PARA A SEGUNDA ONDA PENTECOSTAL.
PENTECOSTALISMO: A MUDANÇA DA PRIMEIRA PARA A SEGUNDA ONDA PENTECOSTAL.
INTRODUÇÃO
Com o desenvolvimento da doutrina pentecostal no Brasil, durante metade do século XX, apenas duas igrejas se destacavam e representavam a origem do pentecostalismo. São elas: a Congregação Cristã no Brasil (1910, São Paulo/SP) e a Assembleia de Deus (1911 Bélem/PA). Iniciadas por missionários estrangeiros, ambas tiveram suas características distintas e cresceram sem cooperarem entre si. Este artigo apresentará o processo de transformação do pentecostalismo clássico em sua segunda vertente, ou como foi caracterizado por (FRESTON): de segunda onda do pentecostalismo.
O PENTECOSTALISMO CLASSICO E SUA AVERSÃO A TEOLOGIA
O pentecostalismo sempre manteve sua capacidade de transformar-se e de adaptação ao meio onde está inserido. Contudo, durante o início da década de 50, este iria mudar sua forma de atuação e de práxis de uma forma a haver uma metamorfose em relação às duas igrejas que o iniciaram. Tendo ao longo de quatro décadas (1910 a 1940) mantido o seu ethos, sua doutrina ascética e a simplicidade de uma religião popular e de grande aceitação entre a classe mais simples da sociedade.
Apesar do crescimento numérico e de sua ascensão, o pentecostalismo ainda tentava resistir às transformações sociais e religiosas que ocorriam no Brasil. Um exemplo desse comportamento é que enquanto outras igrejas históricas mantinham seus seminários e faculdades teológicas, a CCB e a AD mantinham ferrenha oposição ao ensino teológico. A Assembleia de Deus assim fazia por causa da influência do seu pioneirismo, tendo sido influenciada pelo seu crescimento principalmente no Nordeste, e assimilado o modelo de que Deus é quem capacita os seus obreiros, que o Espírito Santo ajuda na aquisição da sabedoria (e que não havia necessidade do estudo sistemático e teológico). José de Oliveira apresenta o pensamento da AD antes de sua mudança:
O século XX foi marcado profundamente pelo Movimento Pentecostal, que não se deteve nas fronteiras das discussões teológicas. Mais uma vez, Deus teria que LIBERTAR a mensagem do evangelho das GRANDES CATEDRAIS desde a Reforma do século XVI, através de um novo derramamento do poder do Espírito Santo, para cumprir a Grande Comissão. A inércia do cristianismo de então foi vencida por uma nova dinâmica, ganhando assim velocidade compatível com o clamor do mundo. (OLIVEIRA. 2012. p. 91-92) (grifo nosso)
É com essa concepção que o pentecostalismo clássico rompe a primeira parte do século XX. A liderança leiga era tida como uma estratégia que beneficiaria o crescimento, justamente por não haver pré-requisitos de formação teológica para os pastores e missionários que plantariam novas igrejas. Aliás, a maioria das igrejas que foram plantadas pela AD, foi através de líderes leigos. A teologia era vista com algo desnecessário, quando não negativo. O autor citado fala em “libertar” a mensagem do evangelho, que supostamente pelo o que ele expressa estava “presa” nas igrejas evangélicas tradicionais e históricas que estudavam e disseminavam a teologia.
Surge então um questionamento; como se dava o preparo dos obreiros da AD para a ministração e ensino em suas respectivas igrejas? Embora tivesse esse comportamento de aversão à teologia, a AD tinha em suas publicações periódicas um meio de “doutrinar” seus membros e lideranças, publicações como o jornal Mensageiro da Paz (terceiro jornal criado pela AD, os outros dois foram instintos) e a clássica Lição da EBD, que é lançada trimestralmente. Conforme, José Oliveira, muitos aprendiam a ler em suas próprias bíblias:
Os primeiros obreiros nativos inspiraram-se no modelo vivido pelos pioneiros, quanto ao espírito de sacrifício, intrépido, abnegado. Não esperavam qualquer formação acadêmica para iniciar nas lides da seara madura. Muitos aprenderam a ler a em suas próprias bíblias. Era gente do povo falando a linguagem do povo, um evangelho de exposição simples de ser compreendido e aceito, marcado pelo testemunho de conversões dramáticas de cada pessoa. (OLIVEIRA. 2012. p. 72)
É dentro desta concepção que a principal denominação do pentecostalismo clássico cresceu e alcançou todos os estados da federação em poucas décadas. A AD manteve acentuado crescimento mesmo com um colegiado de pastores nativos, que como afirma a citação acima, não precisavam de formação teológica para poder levar avante a obra da expansão pentecostal.
AS PRIMEIRAS TRANSFORMAÇÕES NO PENTECOSTALISMO CLÁSSICO: A ÊNFASE NA CURA DIVINA E A CHEGADA DE NOVAS IGREJAS
No início da década de 50, o pentecostalismo recebe novas igrejas em seu meio, contudo, a ênfase na vida ascética, na glossolalia, e no celeste porvir, haveria de sofrer transformações. Até aqui os pentecostais não davam uma ênfase exagerada a cura divina, bem como não se utilizava dos meios de comunicação para a propagação do evangelho. Elben César nos informa:
Na metade do século XX, a Assembleia de Deus e a Congregação Cristã foram as únicas igrejas pentecostais de grande porte no Brasil, embora sem nenhum laço de relacionamento mútuo. Foram necessários pouco mais de quarenta anos para surgirem, quase ao mesmo tempo, mais três grupos pentecostais no país: a Igreja do Evangelho Quadrangular (1951), a Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo (1955) e a Igreja Deus é Amor (1961). (CÉSAR. 2000. p.129)
Com o surgimento dessas novas igrejas, uma importada, que é a Igreja do Evangelho Quadrangular, as outras duas fundadas, por líderes brasileiros. Dá-se início a uma nova fase do pentecostalismo brasileiro, com traços próprios e com características diferenciadas do pentecostalismo clássico. Todas essas igrejas surgiram no Estado de São Paulo. Com nova roupagem e ousadas em ocupar espaços para as atividades evangelísticas que antes eram considerados “mundanos”, como estádios de futebol, teatros e outros, com essas mudanças ampliaram a ação evangelizadora, sem falar na “tenda de milagres”, como ficou conhecida a Cruzada Nacional de Evangelização, organizada pela Igreja do Evangelho Quadrangular. Essa igreja foi fundada em Los Angeles, nos Estados Unidos, na década de 20, por uma jovem senhora canadense de trinta e poucos anos. (CÉSAR. 2000. p. 129).
Trazendo uma nova forma de liderança a IEQ sofreu resistência por parte das igrejas já estabelecidas no Brasil. Mulheres assumiam a liderança pastoral, sendo chamadas de pastoras, como igualmente foi reconhecida e aceita a sua pastora e fundadora Aimee Semple McPherson.
A ênfase teológica na cura divina a partir dos anos 50 foi um fator definitivo para o acelerado crescimento e diversificação do pentecostalismo brasileiro, com a propagação dessa doutrina pelas principais denominações da segunda onda pentecostal, utilizando-se desse fator em seu proselitismo, que se tornou um forte apelo aos que ingressaram nessas igrejas. Mariano aponta para essa mudança:
Os quarenta anos que separam o início destas duas ondas – primeira e segunda – justificam o corte histórico-institucional proposto para distingui-las. Quanto à teologia, entretanto, as duas primeiras ondas pentecostais apresentam diferenças apenas nas ênfases que cada qual confere a um ou outro dom do Espírito Santo. A primeira enfatiza o dom de línguas, a segunda, o de cura. (MARIANO. 1999. p. 31)
Diante dessa nova ênfase na cura, as igrejas pentecostais da segunda onda, atraíram muitos adeptos pelos testemunhos de milagres e curas. Com a realização de grandes cruzadas de milagres, bem como com a vinda de muitos pregadores americanos que compartilhavam da mesma prática da na América. Nessa nova fase do pentecostalismo surgem então as duas primeiras igrejas iniciadas por líderes nacionais, já que até agora as principais igrejas do movimento pentecostal tinha em seus pioneiros missionários estrangeiros. Um pedreiro pernambucano inicia em São Paulo a igreja pentecostal com maior abertura, é ele o Manoel de Melo, fundador da Igreja Pentecostal o Brasil para Cristo. Essa é a primeira igreja pentecostal fundada por um líder nacional.
A IGREJA PENTECOSTAL O BRASIL PARA CRISTO
Esta é, sem dúvida, a primeira grande igreja pentecostal genuinamente brasileira. (OLIVEIRA. 2012. p.39). Diferente das outras igrejas pentecostais que foram fruto do trabalho de missionários europeus e norte-americanos. Na IPBC algumas características a tornaram alvo de muitas críticas, como por exemplo, a sua filiação ao CMI (Concílio Mundial de Igrejas), que é ecumênico, levando o líder da IPBC a sofrer críticas devido ao seu envolvimento no mesmo. Contudo, mesmo tendo esse traço polêmico, o líder da IPBC, marcou a sua geração com o seu estilo de liderança, com a sua ousadia e simplicidade, segundo o autor Marco Davi de Oliveira, relata em seu livro:
Manoel de Melo foi um dos maiores mitos da Igreja Evangélica Brasileira no Brasil. Com o seu modo simples de se comunicar, trouxe um singular avivamento para o movimento pentecostal brasileiro. É considerado um ícone que, por muito tempo, tornou-se exemplo para os jovens pastores pentecostais e até históricos, que pautaram várias de suas ações por aquele que viam como líder nato. (OLIVEIRA. 2012. p. 41)
Com esse espírito de liderança, Manoel de Melo inspirou muitos jovens a ingressarem na lide pastoral. Contudo, saiu um líder que iria fundar outra igreja da segunda onda do pentecostalismo; que é o David Martins Miranda, fundador da Igreja Pentecostal Deus é Amor. É uma característica do pentecostalismo a sua constante fragmentação e novos grupos que surgem (ou se insurgem) de suas respectivas igrejas, formando novas igrejas e/ou grupos dissidentes. Que rompem com suas lideranças e iniciam uma nova igreja. Esta sucessão de novas igrejas permanece até hoje sendo o que torna o pentecostalismo um movimento não homogêneo e de metamorfose permanente.
A IGREJA PENTECOSTAL DEUS É AMOR
Dando continuidade ao legado de Manoel de Melo, o missionário David Miranda, fundador da Igreja Pentecostal Deus é Amor, continua proporcionando uma liderança de muita turbulência no pentecostalismo. Considerada uma das mais controvertidas igrejas do pentecostalismo, por sua doutrina ascética, por suas proibições bizarras, que teimam em continuar sendo praticadas pelos seus membros. Conforme cita Oliveira:
Os adeptos da Deus é Amor não podem, por exemplo, assistir à televisão, entrar num cinema, frequentar o teatro ou mesmo ir à praia. Para eles, essas práticas são motivadas por demônios opressores. No entanto, ouvir rádio – um dos principais meios de comunicação utilizados pela denominação – não é incluído no rol das atividades pecaminosas. (OLIVEIRA. 2012. p. 43)
É dentro dessa proposta de uma vida ascética de fuga do mundo, que a IPDA tem se mantido ao longo de mais de cinco décadas de existência. O seu principal meio de divulgação é a comunicação via rádio, que absorve vários horários em muitas emissoras para a pregação do missionário e a divulgação das campanhas, bem como para o testemunho dos milagres ocorridos em sua membresia.
Seguindo o exemplo da Congregação Cristã no Brasil, a Igreja Pentecostal Deus é Amor, preserva a sua identidade sectária e de isolamento de outras igrejas pentecostais. Tem se mantido com a igreja pentecostal de padrões mais rígidos de usos e costumes. Cézar apresenta esses traços:
É a mais legalista e exigente de todas as igrejas pentecostais. Como na Congregação Cristã, as mulheres se assentam em uma ala do templo e os homens, na outra. Homem não pode usar roupa vermelha, mulher não pode usar sapato alto (no máximo três centímetros, se for fino, ou quatro centímetros, se for salto grosso), não toma anticoncepcional, não brinca de amigo secreto, não se faz uso de jogo de cartas, nem é permitido estudar teologia. (CÉZAR. 2000. p.141)
Essa é a principal característica de uma igreja sectária, isto é, coloca limitações em seus membros quanto: ao relacionamento com outras igrejas que professam a mesma fé; não podem fazer estudos sistemáticos e/ou teológicos; não podem questionar a sua liderança; tem que obedecer a todos os ditames de sua liderança como se fossem ordenanças do próprio Deus. Dentro desse ambiente de pressão psicológica e de medo, é mais fácil manter o controle os membros, que passam a perceber o mundo a sua volta com os “óculos” do entendimento e cosmovisão produzida pela revelação divina repassada ao seu grupo.
O MOVIMENTO DA CURA DIVINA
O movimento de cura divina, proveniente da teologia da prosperidade mudou a concepção pentecostal sobre o sofrimento. Antes este era visto como uma “cruz” que deveria ser levada até trocar por uma coroa na glória. Contudo, o sofrimento passa a ter uma nova perspectiva. Surge então neste período da segunda onda pentecostal (1950 – 1970) o processo que iria proporcionar o surgimento do mais controverso aspecto do pentecostalismo, que é o neo pentecostalismo! Com sua liturgia agressiva e abusiva de arrecadação de ofertas e dízimos.
O espaço em que acontece a segunda onda do pentecostalismo (1950 a 1970) absorveu a teologia vinda dos Estados Unidos da América, que teve como percussor Kenneth Hagin, o qual foi um dos principais expoentes dessa teologia da cura divina, é justamente nessa época que o Brasil começa a receber este “movimento da fé”.
Muitas pessoas no movimento da Confissão Positiva consideram Kenneth Hagin o pai desse ensino. (ROMEIRO. 2012.). Hoje o neo pentecostalismo tem se tornado o principal divulgador dessa teologia, que encontrou no Brasil uma terra fértil para o seu crescimento. Tendo nas igrejas que o apregoam, a parcela do pentecostalismo brasileiro que mais cresce, superando a todo e qualquer crescimento numérico que o mesmo tenha alcançado ao longo de um século de sua implantação no país.
É evidente a ligação entre a chegada dessa teologia e o período de transição no qual ela se estabeleceu e intensificou-se no Brasil, que é justamente o período de transição da segunda onda do Pentecostalismo para o início da terceira onda (1950 – 1970), é exatamente na década de 70 que surge o neo pentecostalismo, que tem a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) como a sua principal representação no início, e que de seu modelo surgiram várias outras igrejas tidas como neo pentecostais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos que o pentecostalismo em sua essência é um movimento que apesar de apresentar uma teologia própria, esta está sempre aberta a novas descobertas e novas manifestações espirituais. Que o mesmo permaneceu praticamente inalterado até a década de 50 em suas duas principais representações: A Congregação Cristã no Brasil e na Assembleia de Deus.
Contudo, a partir da década de 50, começar a chegar ao Brasil uma nova forma de pentecostalismo, que não é totalmente outra, senão inovações em suas práxis. Com a chegada da Igreja do Evangelho Quadrangular, igreja originária dos Estados Unidos da América, que trouxe a ênfase na cura divina, bem como nas grandes concentrações evangelísticas, com a sua Cruzada Nacional de Evangelização e os cultos realizados em tendas. Outra característica inovadora dessa igreja era o ministério pastoral feminino. Também nesse momento histórico do pentecostalismo, surge a primeira igreja pentecostal fundada por um missionário brasileiro, que e a Igreja O Brasil Para Cristo, tendo seu polêmico fundador Manoel de Melo, Pernambucano, que se tornou pioneiro em seguir o vento que soprava na época. Apesar de sua simplicidade e de uma fraca exegese bíblica, conseguiu difundir a pregação pentecostal e influenciar muitos jovens e novos líderes.
Seguindo o exemplo de Manoel de Melo, o missionário David Miranda após passar pela Assembleia de Deus, e pela Cruzada Mundial da Evangelização, resolveu fundar a Igreja Pentecostal Deus é Amor, que até hoje é a mais sectária e rígida nos usos e costumes das igrejas pentecostais. Tendo na figura carismática de seu líder o paradigma a ser seguido e observado. Ambas as igrejas foram pioneiras no uso do rádio como meio para a propagação do evangelho.
Estava configurando-se o cenário para o surgimento do neo pentecostalismo. As igrejas que surgiram nesse período da segunda onda do pentecostalismo fomentaram o terreno para a consolidação do que tem sido praticado pelos neo pentecostais. O exorcismo público, as campanhas de milagres, os votos financeiros, a ênfase na cura divina, entre outros aspectos que permeia até hoje entre as igrejas que surgiram depois da década de 70, década apontada como momento do início do pentecostalismo.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, José, Breve História do Movimento Pentecostal – dos Atos dos Apóstolos aos dias de hoje. Rio de Janeiro. CPAD. 2012.
CÉSAR, Elben M. Lenz. História da evangelização do Brasil – dos jesuítas aos neo pentecostais.Viçosa-MG. Editora Ultimato. 2000.
MARIANO, Ricardo. Neo pentecostais. sociologia do novo pentecostalismo no Brasil. São Paulo. Edições Loyola. 1999.
OLIVEIRA, Marco Davi de, A Religião mais negra do Brasil – por que mais de oito milhões de negros são pentecostais. Mundo Cristão. São Paulo. 2004.
ROMEIRO, Paulo. Super Crentes – o evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade. Mundo Cristão. São Paulo. 4ª reimpressão. 2012.