A ikebana a serviço do mistério celebrado
Luiz Barros Pereira
O ser humano desejoso de celebrar sua porção transcendente em um mundo em que o humano está desumanizado cria espaços sagrados. E não fica só por aí, nasce também, à necessidade de ornamentá-los com alguns elementos da natureza. Um exemplo disso são os arranjos de flores, que quando feitos com arte, simplicidade e sentido litúrgico, embelezam e nos apontam para o Mistério.
Às vezes, ao entrarmos num espaço sagrado, deparamos com arranjos de flores com beleza e arte, mas em tamanha quantidade, a ponto de não percebermos os outros elementos que naquele espaço poderiam estar apontando para o mistério que está sendo celebrado. Eles têm a razão de existirem por si mesmos. Não estão a serviço da liturgia. Também encontramos arranjos de flores sem a menor inclinação artística, apenas compondo o espaço. Sendo assim, perdem a força simbólica e não servem para a liturgia que é toda envolvida de símbolos.
Assim como os cantos e as leituras expressam o sentido a litúrgico que a assembleia esta celebrando/vivendo, a ornamentação também tem essa função. Por isso, é recomendável uma ornamentação apropriada para cada tempo litúrgico e festa.
Quanto ao rito romano, a Sacrosanctum Concilium diz: deve-se caracterizar por uma nobre simplicidade, ser claro e breve, evitar as repetições, estar ao alcance dos fiéis e não necessitar de muitas explicações (SC 34).
A partir dessa recomendação que arranjo floral poderia combinar com a nobreza e simplicidade do rito? Não só rito mas também do ser do ser humano?
Penso que a IKEBANA, por sua nobreza e simplicidade, pode ser um dos elementos que pode compor a ornamentação do espaço sagrado.
A escolha do material para fazer uma ikebana ou outro tipo de arranjo tem critério: não se deve dar preferência ao mais fácil, por preguiça ou falta de fé. Assim, flores e plantas só naturais. O mesmo vale também para os jarros. Sempre preferir a nobreza e a simplicidade do barro, da madeira, da pedra ou do ferro.
Ikebana em japonês significa "dar mais vida à flor" e esta é a principal preocupação do praticante ao realizá-la. O termo surgiu no século XVI, quando os arranjos passaram a enfeitar os ambientes onde se fazia o Chadô (cerimônia do chá), mas bem antes disso os japoneses já tinham o costume de oferecer flores aos deuses e antepassados.
Na ikebana, procura-se retratar o equilíbrio existente no cosmo, unindo o céu (Shin), o ser humano (Soe) e a terra (Tai ou Hikae) dentro de um mesmo arranjo.
Palavra ikebana é, em princípio, a arte de arranjar flores, ramos e galhos naturais numa composição que lhes evidencie a beleza. Expressão artística desenvolvida ao longo dos séculos que leva à harmonia interior.
A seguir vamos aprender a fazer uma ikebana seguindo os seguintes passos.
1. Corte as plantas dentro da água, fazendo o "mizuguiri" ( o corte das plantas debaixo de água). Depois, retire as folhas desnecessárias como mostra a foto.
2. Após colocar o kenzan (também chamado rã espetado, é um dispositivo específico usado para a fixação das flores no recipiente) dentro do vaso e enchê-lo com água, coloque o primeiro galho, "Shin", simbolizando o Céu.
3. Preste atenção que ele deve ter o ângulo de 75º, dando a impressão do vento existente na natureza - elemento Ar. Medida para o primeiro galho: diâmetro mais altura do vaso, multiplicado por dois.
4. Coloque o segundo galho, "Soe", que simboliza o ser humano.
5. Este deve ter o ângulo de 45º. Medida: metade da linha "Shin".
6. Coloque o terceiro elemento, "Hikai" (ou "Tai"), simbolizando a Terra. Ângulo de 15º. Medida: metade da linha "Soe".
7. Disponha o restante das flores no suporte, sempre prestando atenção na harmonia do conjunto.
8. Deixe sempre um espaço para o elemento Água da ikebana "respirar". O elemento Luz também deve estar presente, e pode ser percebido através da sombra projetada na água.
9. Sua ikebana está pronta!
A ikebana por ser nobre e simples pode ser uma das possibilidades de ornamentação recomendada pelos bispos reunidos em Itaicí – SP, na 27ª Assembleia Geral em abril de 1989, que resultou em um lúcido documento intitulado, Animação da Vida Litúrgica no Brasil, nº 43 que diz o seguinte: a ornamentação do local concorre muito para expressar o sentido do templo. Por isso, nossas igrejas e também os outros lugares onde se celebra o culto, devem recorrer à arte e ao bom gosto para criar um ambiente digno, cômodo, funcional e simples sem ser banal.
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Referencial Bibliográfico
CONFERÊNCIA Nacional dos Bispos do Brasil. Animação da Vida Litúrgica no Brasil. Documento da CNBB 43, n. 143. São Paulo: São Paulo, 1989.
CONSTITUIÇÃO Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia. In: Compêndio do Concílio Ecumênico Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1979.
SALES, João Batista Magalhães. Ensaiando a Festa do Coração, São Paulo, Paulus, 1998.
SHIMIZU, Francine. NJ e Divulgação.