As Santas Missões e as Missões Ambulantes

Luiz Barros Pereira

Durante um bom tempo estive a serviço das Missões Populares e até fiz parte da AMMINE - Associação dos Missionários e Missionários do Nordeste (que tem uma metodologia diferente das santas missões tradicionais) pude na prática sentir, que as missões tradicionais dos capuchinhos, dos redentoristas e do padre Ibiapina ainda permanecem no imaginário simbólico do povo através dos benditos e das histórias dos castigos que os frades impunham a uma cidade que não aceitava na íntegra sua pregação. Ainda hoje os sapos não cantam numa lagoa que fica nos arredores de Alagoas Grande – PB. O povo conta que enquanto um frade pregava seu sermão, os sapos cantavam alto impossibilitando a escuta do povo. O frade amaldiçoou os sapos e até hoje os sapos não cantam naquela lagoa.

O contato da Igreja com o povo do interior se deu através dos missionários. Segundo Resende (1987, p. 136), a maioria dos padres da colônia não queria viver em lugares pobres ou afastados, mas preferia o conforto das cidades, entre os portugueses ricos.

Como a Igreja estava atrelada ao poder estava desautorizada a tocar em assuntos associados à injustiça social, daí não podia denunciar as injustiças daqueles que detinham o poder econômico e político. Sendo assim, o conteúdo da pregação dos frades tinha como missão corrigir os vícios da bebedeira, da prostituição, do concubinato, etc. Fala-se em anedotas a respeito. Uma delas foi o modo de um missionário famoso falar do concubinato, ou seja, dos casais irregulares, numa língua meio misturada de sotaque estrangeiro. Correu entre o povo que o frade falava de cão combinado. Foi assim durante séculos de missões. Aliás, as missões não eram programadas senão para manter intocável o depósito da fé bem formulado, sem ambiguidades, sem muita preocupação com os condicionamentos que envolviam o povo.

No geral as santas missões não passaram o evangelho para o povo. Tudo girava em torno dos sermões dos frades e das devoções. A evangelização se dava através do medo. O purgatório e o inferno ocupavam lugar central nos sermões. Por isso, após cada sermão, todos se dirigiam aos confessionários para confessar seus pecados. Daí podemos dizer que esse tipo de evangelização era no mínimo superficial, sem desmerecer o heroísmo desbravador dos missionários.

Um dos missionários que vai fazer a diferença vai ser o padre José Antônio de Maria Ibiapina. Nasceu no dia 05 de agosto de 1806 em Sobral, Ceará. Seu pai era tabelião. Entrou no seminário de Olinda, mas percebendo a desordem no seminário resolveu deixar. Seu pai e o seu irmão mais velho participaram do movimento chamado Confederação do Equador e foram fuzilados barbaramente. Após a morte do pai de do irmão distribuiu suas irmãs nas casas dos tios e voltou para Olinda e entra na Faculdade de Direito de Olinda. Foi delegado em Quixeramobim e chegou a defender a família de Antônio Conselheiro frente a um fazendeiro possuidor de muito gado. Foi deputado federal, mas não quis ser reeleito e voltou a assumir sua carreira de advogado abrindo um escritório no Recife. Atuou muitas vezes na cidade de Areia – PB, sempre na defesa dos mais fracos da sociedade de seu tempo.

O povo conta que ele deixou a carreira de advogado contando a seguinte história: certo dia ele estava na margem de um rio e se aproximou um homem tangendo uns porcos, porém os porcos não queriam atravessar o rio. O homem bradou: entrem nesse rio como os advogados entram no inferno! (no dizer do homem os advogados entram no inferno porque burlam as leis para dar direito a quem não tem). Esse fato foi o suficiente para deixar a carreira brilhante de advogado.

Viveu um tempo de solidão no Recife, e orientado pelo confessor, resolveu ser padre, mas com uma condição de não ter que entrar novamente no seminário. Segundo Comblin (2011, p. 25), foi nomeado vigário geral e Professor de eloquência sagrada no seminário de Olinda, mas logo desistiu e adentrou de sertão afora pregando as missões e juntando os sertanejos na construção de obras comuns.

Segundo Comblin ( 2011, p. 13), “o padre Ibiapina foi sem dúvida o maior missionário do interior do Nordeste no século XIX: pelas viagens missionárias que fez em cinco estados do Nordeste, pela originalidade do seu método missionário, pela sintonia que soube criar entre a sua pregação e a alma do povo”.

Sua pregação não se diferenciava muito das pregações dos missionários anteriores. Podemos perceber esse dado, nos verços recolhidos por quem relatou as crônicas das casas de caridade do padre Ibiapina editadas pela Loyola sob a orientação de Eduardo Hoornaert.

Já morreu o samba

Já venceu Jesus

Ardam pontas violas

Em honra da Cruz

Todos os sambistas

Querem ter prazer

Venham ao pé da Cruz

Ver viloas arder

Segundo Carvalho (2008, p 49), com a queima das violas o padre Ibiapina pretendia erradicar a embriaguez, a prostituição, a ociosidade e a desordem.

O diferente estava na prática. As santas missões duravam enquanto durava a construção de uma obra. Podia ser um cemitério, um açude, uma estrada ou uma casa de caridade. Tudo construído com as forças locais. Os sertanejos contavam ainda com herança dos adjuntos, (trabalho coletivo) dos povos indígenas.

Enfrentou epidemia do cólera a qual deixou um rastro de muitas mortes e consequentemente muitos órfãos. Foi daí que nasceu a necessidade de construir as casas de caridade. Um espaço de educação e preparação para a vida, em especial para as órfãs. Ali unia a oração e o trabalho. Um espaço de refrigério para os miseráveis castigados pelas secas. Fundou 23 casas de caridade, sendo a de maior importância a Casa de Caridade de Santa Fé de Arara – PB.

Faleceu no dia 19 de fevereiro de 1883 após ter tido uma visão de Nossa Senhora. Crônica (p. 116), às 6 horas da manhã, meu Pai olhou para certa altura, ficou possuído de uma alegria extrema, apontou e disse: Maria!

Câmara Cascudo registra que à saída de padre Ibiapina o povo seguia cantando:

Foi embora o padre-mestre.

Deixou três ervas plantadas:

Salve-Rainha ao meio dia,

O terço à boca da noite,

O ofício de madrugada!

Conclusões

Com toda ambiguidade as santas missões possibilitaram um contato mais direto da Igreja com o povo.

As missões populares mesmo com todo o rigor das pregações e das penitências eram tidas pelo povo como uma festa. A exemplo, versos desse bendito (Cartilha das Missões, p. 209),

Só na santa missão nós temos,

Uma festa bonita assim,

Um começo de lá do céu,

Onde a festa não tem mais fim.

As santas missões populares praticadas nos dias de hoje em todas as dioceses do Brasil, tem sua inspiração nas santas missões, porém sua metodologia é bem diferente.

As santas missões populares tradicionais não favoreceram a uma evangelização consistente baseada no evangelho de Jesus, mas favoreceram as devoções.

Tanto os vigários como os frades estavam atrelados aos poderosos de sua época: fazendeiros, senhores de engenho e políticos. Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Paraíba costuma dizer: Se a Igreja tivesse marcado mais presença na senzala do que na casa grande, a evangelização do Brasil teria sido diferente.

Tivemos uma evangelização baseada no medo do purgatório e do inferno. O medo não liberta.

Uma evangelização que não levou em conta a realidade do povo. Uma evangelização desenraizada, fora do contexto.

O padre Ibiapina

As santas missões por ele orientadas respondem às necessidades da época. Envolveram o povo na reza e no trabalho, por isso, tornaram-se um paradigma para todos os tempos.

O padre Ibiapina ficou por muito tempo no esquecimento. O recobrar de sua memória nos dias de hoje se deve a dom Marcelo Pinto Cavalheira, a dom José Maria Pires, ao padre José Comblin, Eduardo Hoornaert e tanto outros.

Ele não ficou conhecido como o padre Cícero de Juazeiro, embora os dois tenham algo em comum, o cuidado com os pobres.

Segundo Comblin (2011, p. 14),

a vocação do padre Cícero era totalmente diferente do padre Ibiapina. Não realizou as obras que realizou Ibiapina. O padre Cícero era mais o homem do povo, o padrinho com o qual cada um queria identificar-se. Padre Ibiapina era mais homem da Igreja, no sentido de procurar organizar o povo. Padre Cícero era do tipo mais contemplativo, e padre Ibiapina, de tipo mais ativo.

LuizBarros
Enviado por LuizBarros em 17/07/2014
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