Rios de água viva

RIOS DE ÁGUA VIVA

Coisa fantástica é a água e seus efeitos na vida do ser humano. A água limpa, purifica, dá sentido, mata a sede. Este pensamento inicial serve para ajudar nossa reflexão sobre a Palavra de Deus e a necessidade de transformá-la em prática. Há um conjunto de textos bíblicos que estabelece, com muita propriedade, uma leitura do tempo penitencial e catequético da Quaresma que relata o diálogo de Jesus com uma mulher samaritana, junto ao poço de Jacó (cf. Jo 4, 5-42).

A temática flui através da oferta que Deus, generosamente, faz de seus dons, quando o evangelho fala em água, que se transforma em um fio condutor que descreve o itinerário do ser humano desde sua sede até a fonte que contém a água viva. Na figura da samaritana podemos enxergar todos nós, sedentos em busca de uma fonte de onde possamos tirar água e nunca mais ter sede. Igual aos homens de hoje, a samaritana não conseguia enxergar a oferta de Deus além das coisas palpáveis. A água por si já é um dom natural de Deus, por todos os benefícios que inflete sobre o ser humano, principalmente os que vivem em regiões de seca. Ora, se a água natural pode ser vista como um dom, o que dizer da “água viva” legítimo dom que vem do céu.

Tanto assim que, em um determinado momento do diálogo, Jesus chega a exclamar, para ela e para nós: “Ah, se você conhecesse o dom de Deus!” (v. 9). Dentro de um projeto de acolhimento esse evangelho se torna uma “chave-de-leitura” para a compreensão, não de Deus, pois ele vai além de nosso raciocínio, mas naquilo que ele nos toca, que são os dons com que continuamente nos agracia. Jesus pede água para beber para provocar a reação da mulher. Ao pedir algo, ele sabe que mais tem a ofertar que a receber, mas quer que a conversa se encaminhe. A mulher não recusa dar-lhe a água, apenas estranha o pedido, partindo de um judeu. À questão levantada pela mulher, Jesus responde:

Se você conhecesse o dom de Deus, e quem lhe está pedindo

de beber, você é que lhe pediria. E ele daria a você água viva

(v. 10)

A indignação de Jesus diante da cegueira da samaritana é emblemática:

Ah, se você conhecesse o dom de Deus!

Essa exclamação evidencia a dificuldade que as pessoas humanas têm em reconhecer os dons que Deus dá a cada um. Jesus já o revelara a Nicodemos (cf. Jo 3, 16) através da imagem de um Deus-amor, autor da salvação, artífice da vida eterna. Os antigos intuíam em Javé, um dom futuro de salvação. Jesus (Yo-shuá) torna presente esse dom. Na culminância desse diálogo Jesus lhe respondeu à mulher:

Se você conhecesse o dom de Deus e quem está pedindo água,

você lhe teria pedido e dele receberia água viva.

A mulher contestou: O senhor não tem com que tirar água, e o poço é fundo. Onde pode conseguir essa água viva? (Jo 4,10s ).

Como dissemos, a samaritana não representa apenas uma mulher, presumivelmente pecadora, mas torna-se tipo da humanidade inteira. Àquela altura, são todos os mortais que pedem a Jesus o dom de Deus. A “água viva” é o dom por excelência, revelado como um gesto de amizade e perdão de Deus, que resulta na pertença ao grupo dos seguidores de Jesus, por todos os tempos. Para os antigos judeus, o dom maior era a Lei. Jesus chega e se anuncia como o dom vindo do Pai. Para João, a revelação da Verdade assume o lugar da Lei (cf. Jo 1, 17). Conhecer o dom, na verdade, quer dizer conhecer a Jesus como revelação dos tempos futuros (vv. 25-26).

Mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede.

Ao contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte

de água a jorrar para a vida eterna (Jo 4,14).

A tempo, a samaritana troca a água de Jacó (AT) pela de Jesus (NT). A água do poço é boa, não é má. Só que insuficiente; mata a sede por horas ou instantes. A água viva, o dom, mata para sempre a sede de Deus que todo o homem tem consigo. Pedindo água a Jesus, a mulher passa da ironia à intimidade. Da descrença à tentativa de fé. Agora é ela que pede a água, embora ainda não entenda bem como funciona.

À água pedida por Jesus à samaritana, poderíamos acrescentar outros pedidos seus. É interessante observar que, mesmo tendo poder, Jesus se insinua às pessoas, não impõe nada, apenas pede. Quem o acolhe e abre a porta (cf. Ap 3, 20) recebe o dom. Ao nascer, ele pediu um sim a Maria, sua mãe. Igualmente, pediu o barco de Pedro para cruzar o mar da Galiléia. Para entrar em Jerusalém, pediu um jumento emprestado. Igualmente, a sala onde comeu a derradeira páscoa com seus amigos, era emprestada. Depois da ressurreição, à noite, na beira do mar, ele pede comida aos discípulos que pescavam. No mistério do incalculável dom que Jesus tem para nós, o primeiro movimento, humilde e discreto é dele: ele chega e pede alguma coisa, nosso amor, nosso coração, nossa adesão. Se a pessoa diz sim, e abre a porta de seu coração, a festa está feita. Unindo a delícia da água à providência de Deus, assim disse o salmista:

Junto de ti está a fonte da vida (Sl 35, 10).

A mulher da Samaria, personagem desta reflexão, conhece o dom de Deus, através das palavras de Jesus, acolhe a “água viva”, revela sua fé e tem o amor de Deus derramado em seu coração, na medida em que passa por uma transformação em seu coração. Havia um impedimento: a mulher tivera cinco maridos, que podem ser cinco relacionamentos maritais ou apenas a dominação da Samaria por cinco sistemas políticos (egípcios, assírios, babilônios, filisteus e gregos, além do atual, Roma) que lhe impuseram seus deuses. Quando a mulher professa sua fé na messianidade de Jesus, ela rompe com o passado, tanto assim que se sente impelida em anunciar o Cristo a seus conterrâneos. A samaritana fez opção pela “água viva”, o dom de Deus que mata toda a sede, e essa experiência marcou-a tanto, a ponto de transformá-la em testemunha e missionária dessa mesma vida ao povo de sua aldeia. Esse dom já fora anunciado pelos profetas do passado:

Pois derramarei água na terra sedenta, e torrentes na terra

seca; derramarei meu Espírito sobre sua prole e minha bênção

sobre seus descendentes (Is 44,30,

No último e mais importante dia da festa, Jesus levantou-se e

disse em alta voz: Se alguém tem sede, venha a mim e beba.

Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão

rios de água viva (Jo 7,37s).

No último livro do Novo Testamento, o Apocalipse, o tema dos “rios de água viva” é retomado de forma vigorosa.

Nunca mais terão fome, nunca mais terão sede. Não os afligirá o

sol nem qualquer calor abrasador, pois o Cordeiro que está no

centro do trono será o seu Pastor; ele os guiará às fontes de

água viva. E Deus enxugará dos seus olhos toda lágrima

(Ap 7,16s).

Disse-me (o Cordeiro) ainda: "Está feito! Eu sou o Alfa e o Ômega,

o Princípio e o Fim. A quem tiver sede, darei de beber

gratuitamente da fonte da água da vida” (Ap 21, 6 )

Então o anjo me mostrou o rio da água da vida que, claro como

cristal, fluía do trono de Deus e do Cordeiro (Ap 22,1)

O Espírito e a noiva dizem: "Vem!" E todo aquele que ouvir

diga: "Vem!" Quem tiver sede venha; e quem quiser beba de graça

da água da vida (Ap 22,17).

Se um pouco de “água viva” (a graça de Deus) já é uma riqueza, imaginem como será “um rio de água viva”. É o esplendor da graça! O livro de Ezequiel tem uma intenção objetiva: Declarar que o Senhor está no controle da história e que Ele é o Deus todo-poderoso, não importa o que aconteça, os planos do Senhor jamais podem ser frustrados. O profeta Ezequiel teve a visão da restauração do templo. Uma visão que tem como alvo eu e você.

O rio que sai de dentro do templo produz vida por onde vai passando, é um rio de água viva. Até mesmo o mar morto, é restaurado por este rio que sai de dentro do templo (Na visão do profeta Ezequiel 47,8). O mar morto é um mar que não tem vida porque o nível de sal das suas águas é muito alto e nenhum peixe sobrevive nele. Mesmo ali onde não existe possibilidade de vida, o rio de Deus trará cura. (v. 9). Deus restaura através dessas águas que saem do templo até mesmo em meio ao deserto a vida volta a dar frutos, (v. 12).

Isso lembra um versículo no livro de Salmos:

Pois será (o justo) como árvore plantada junto a ribeiros de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto, e cuja folhagem não murcha; e tudo quanto fizer prosperará (Sl 1,3).

Os homens tentam saciar-se em outras fontes, mas considere como terminam decepcionados. Mas hoje, como há mais de 2000 anos atrás, Jesus continua convidando:

Quem tem sede, venha a mim e beba...