OS JESUITAS E OS TEMPLÁRIOS                  
                  
 
O Papa Francisco disse que sonha com uma Igreja pobre para os pobres. Até aí não vemos nenhuma novidade nesse sonho do nosso Papa “Hermano”. Pois isso é o que a Igreja de Roma sempre fez desde o início de sua história. Pregar a pobreza como a principal virtude a ser praticada por seus fiéis. Com isso, os católicos elevaram a cláusula pétrea o postulado segundo o qual “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino dos Céus.” Esse postulado, aliás, foi matéria de discussão durante toda a vida da Igreja de Roma e dividiu as opiniões dos seus líderes durante milhares de anos. São Francisco de Assis e seus seguidores, os franciscanos, que o digam. Por pouco não foram parar na fogueira por ousarem advogar a tese de quem devia ser pobre era o clero e não o povo. Pobreza franciscana se tornou uma metáfora popular.
Esse postulado, Jesus pregou aos seus discípulos porque não os queria apegados aos bens do mundo, mas sim, totalmente comprometidos com a causa a qual ele servia. Já os bons padres da Igreja de Roma souberam usá-lo muito bem para disseminar a filosofia do  “eleito” que herdará o Reino do Céu por conta da pobreza e da ignorância em que viverem na terra. Enquanto isso, o conhecimento e a opulência não seriam interditos aos membros do clero, que, ao que se sabe, nunca passaram necessidades na vida. Aliás, a carreira eclesiástica, até bem pouco tempo atrás, era tão concorrida, que toda família importante sempre quis ter um padre nos seus quadros. Os cargos mais altos na Igreja eram comprados a peso de ouro. Esse foi também o motivo pelo qual Martinho Lutero brigou com Roma e deu nascimento aos cultos protestantes. Pena que ele não tinha o dom de prever o que iria acontecer depois, como Nostradamus, pois se ele soubesse que no futuro a sua rebelião iria servir para os Edir Macedo e os RR Soares da vida para acumularem imensos impérios econômicos, duvido que ele fosse se dar ao trabalho de brigar com o Papa.
Portanto, não é nenhuma novidade esse sonho do Papa Francisco em querer uma Igreja pobre, trabalhando para os pobres. Isso é o que a Igreja de Roma sempre quis. Para os outros, não para ela mesma. E sempre teve sucesso nessa filosofia.  Não é a toa que a grande maioria dos países subdesenvolvidos está entre a população dos chamados países católicos. E na Europa do euro, os países mais pobres são justamente aqueles onde a maioria da população é constituída de católicos. Espanha, Portugal, Romênia, Itália... Será coincidência? E no Novo Mundo então...
O povo é pobre, a Igreja é rica. Isso não tem nada de estranho. Toda estrutura de poder que se fundamenta em dogmas de discutível consistência filosófica apresenta essa característica. Aliás, o dogma existe justamente para isso. Para evitar que coisas que não podem ser explicadas sejam discutidas.
É necessário que o poder se revista de pompa e circunstância para que o seu brilho ofusque os olhos das pessoas e os impeça de ver o que existe dentro da estrutura. Como bem dizia o carnavalesco Joãozinho Trinta, o povo gosta de ostentação e luxo. Nesse estranho complexo de inferioridade do homem comum é que os espertalhões se apoiam para ocupar os cargos de maior relevância na sociedade. O povo gosta de ser governado por “doutores”. Quando o político não é “doutor”, o povo pode até elegê-lo, como fez com o Lula, mas sempre desconfiará dele. 
O homem comum não gosta de se curvar ao simples, ao que parece igual ser a ele. Não é toa que os primeiros deuses da humanidade foram o sol a e lua. Eles brilham. Eles estão no alto.  Assim também acontecia com os reis. Quanto mais opulência e brilho eles mostravam, mais eram adorados. A Igreja Romana soube aproveitar muito bem essa tradição. Seus bispos e arcebispos, e seu chefe maior, o Papa, sempre apareceram aos olhos do povo como verdadeiros príncipes. Hoje disfarçam melhor, mas no passado, eram poucos os reis que rivalizavam com o luxo dos bispos.
Assim, pregar o instituto da pobreza sempre foi uma filosofia da Igreja de Roma. Claro que não para o clero, nem para a própria Igreja enquanto instituição. Pois sabidamente, o Vaticano nunca teve nada de pobre.
Todavia, há uma coisa boa na eleição do novo Papa. Ele é jesuíta. Os jesuítas sempre foram o que de melhor a Igreja de Roma produziu até hoje. Sua filosofia humanitária e realmente preocupada com a felicidade do povo, já lhes rendeu vários conflitos com os donos do poder e com a própria cúpula da Igreja.  A Ordem dos Jesuítas já foi, inclusive, suprimida pela Igreja em 1773, pelo Papa Clemente XIV, em virtude da sua conduta, tida pelos católicos conservadores e pelos governos déspotas como excessivamente envolvida em assuntos políticos. Conseguiu recuperar suas prerrogativas, mas volta e meia alguns de seus membros são vítimas de perseguição política ou eclesiástica em virtude de alguma “rebeldia”. Um exemplo de perseguição e intolerância do Vaticano com os jesuítas ocorreu com o Padre Pierre Teilhard de Chardin, um dos maiores intelectuais que a humanidade já produziu.
Os jesuítas, a propósito apresentam um currículo de luta e resistência contra alguns institutos que envergonharam a história do ser humano, como a escravidão e o genocídio de raças e minorias. Isso é o que aconteceu, por exemplo, com o decreto de Don José, rei de Portugal, quando os jesuítas foram expulsos de todas as possessões portuguesas, por serem considerados “rebeldes, traidores, adversários e agressores que estão contra a minha real pessoa e Estados, contra a paz pública dos meus reinos e domínios, e contra o bem comum dos meus fiéis vassalos(...).[1)  Por conta disso a próspera colônia dos Sete Povos das Missões, que os jesuítas mantinham na fronteira do Rio Grande do Sul, foi vítima de um cruel genocídio, que até hoje envergonha a história da colonização portuguesa no Brasil.[2]
Pouca gente sabe e a Igreja, claro, não só não confirma como nega veementemente, mas tudo isso está ligado á história do nascimento e do desenvolvimento da maçonaria. É que a Companhia de Jesus é um ramo da arvore templária que sobreviveu e frutificou depois que seu tronco, que era a Ordem do Templo, foi cortada.  Na verdade, ela foi fundada por padres que nunca se conformaram com o crime do Papa Clemente IV, que extinguiu a Irmandade do Templo por motivos puramente políticos e deixou que seus comandantes fossem queimados na fogueira sem culpa formada. Quem duvidar disso que leia o Estatuto original da Cia de Jesus, redigido por Inácio de Loyola e compare-o com aquele escrito por São Bernardo de Clairvaux para os Templários. Vai ter uma grande surpresa, ao verificar que o ordenamento jesuíta nada mais é do que a regra templária adaptada.[3]
Podemos dizer, pois, que os jesuítas são os novos Templários, sem os vícios daqueles antigos monges-cavaleiros e sem a contaminação politiqueira e a mixórdia esotérica que acabou perdendo aquela antiga e poderosa Confraria. Aliás, foi a riqueza e o poder que os corrompeu e os tornou vulneráveis. Torço para que o Papa Francisco honre a história da Cia. de Jesus, como fizeram os Padres José de Anchieta e Manuel da Nóbrega, por exemplo. E quem sabe talvez não esteja na hora de a Igreja Católica mudar essa cantilena: pobreza não é virtude e não leva ninguém para o céu. Ao contrário, a elegia da pobreza mantém um inferno sobre a terra. Que o diga a maioria dos países africanos e latino-americanos. Estes últimos, todos de maioria católica, diga-se de passagem. Todo mundo tem direito de ter uma vida digna e sonhar com o que de melhor ela pode oferecer. Desejar um clero pobre, vá lá, mas o povo não precisa ser. Essa é uma música que ninguém quer dançar mais. Até porque, hoje em dia, a púrpura do bispo ofende muito mais do que impressiona.

 
 
[1] Decreto expedido pelo rei de Portugal em 1759, por instigação do seu ministro Marques de Pombal.
[2] Sete Povos das Missões é o nome pelo qual ficou conhecido o conjunto de setaldeamentos indígenas fundados por Jesuítas espanhóis no oeste do Rio Grande do Sul, próximo ás margens dorio Uruguay, composto pelas reduções de São Francisco de Borja, São Nicolau, São Miguel Arcanjo, São Lourenço Mártir, São João Batista, São Luiz Gonzaga e Santo Ângelo Custódio. Constituiam um dos mais avançados e prósperos povoamentos do sul do Brasil. A inveja, a cupidez e o temor das autoridades coloniais, aliado à independência com que os jesuitas administravam a colonia provocaram muitos conflitos entre os jesuitas e as autoridades coloniais, dando origem a uma guerra de exterminio que liquidou a população dessas colonias.
[3] Vários autores se referem á chamada “conspiração jesuítica”, comparando a Cia de Jesus com a maçonaria. Algumas teses sustentam inclusive que Inácio de Loyola seria um egresso da extinta Ordem dos Templários. Essa ordem, extinta pela Igreja em 1312, teria sobrevivido na clandestinidade e  originado duas ramificações, sendo uma delas a maçonaria, outra a Cia de Jesus. Outras teses sustentam que Loyola teria fundado a sua Ordem como uma reação católica ao desenvolvimento ao chamado pensamento Rosa-Cruz, de origem alemã, que em sua ideologia apoiava Lutero e os reformistas. Ver, a esse respeito, Geoffrey Cubitt, The Jesuit Myth: Conspiracy Theory and Politics in Nineteenth-Century France, Oxford: The Clarendon Press, 1993. Ver também o romance O Papa Negro de Ernesto Mezzabotta, 1848.