POR QUE ENSINAR ATEÍSMO AOS FILHOS
Se, na nossa sociedade, as crianças são bombardeadas desde pequenas com os conceitos religiosos e místicos, por que não apresentá-las também ao ateísmo e à analise racional do mundo?
Não basta estimular-lhes o senso crítico, facilitar seu acesso ao conhecimento científico, incentivá-las a questionar conceitos subjetivos e a duvidar de alegações sem evidências. É preciso tomar uma posição: a posição racional. E deixá-la clara aos filhos.
Enquanto pais religiosos, em sua maioria, buscam condicionar seus filhos dentro de suas religiões, moldando sua visão de mundo aos conceitos religiosos em que acreditam, vemos muitos ateus defenderem que os filhos não serão levados por eles ao ateísmo, que as crianças devem crescer e desenvolver seu senso crítico e fazer suas próprias escolhas quanto a seguirem ou não uma religião.
Acontece que enquanto crescem todas as crianças internalizam os conceitos sociais presentes em nossa cultura, entre eles os conceitos de Deus, de Paraíso, Inferno, Pecado Inicial e vida após a morte, já que o Cristianismo é a religião mais presente no cotidiano brasileiro.
A visão de mundo defendida e apregoada pelos cristãos (e por outras religiões também) não é honesta, não é coerente, não é lógica, não é ética, não é confortável e não é saudável para uma criança em fase de desenvolvimento cognitivo.
Por que lutar contra essa influência nefasta apenas após ela já estar instalada?
Por que permitir todo o sofrimento trazido pela ideia de nascimento pecador, de sexo pecador, de merecimento ou não do amor divino, da culpa ancestral e da desvalorização das responsabilidades e dos méritos individuais?
Por que permitir a visão da morte como um castigo, da gravidez como um castigo, do trabalho como um castigo, da própria vida humana (fora do Paraíso) como um castigo?
A vida humana é um privilégio e deve ser usufruída como tal, e não com toda essa carga equivocada e degradante permeando os atos e pensamentos de uma criança ainda em formação, quando tudo o que quer é descobrir o mundo.
Muito mais produtivo, amoroso e coerente com o pensamento cético é lutar para que esta influência não alcance níveis condicionantes; que não se apropriem do pensamento de nossas crianças ao ponto de dificultar-lhes o raciocínio lógico; que não atinjam o estágio em que parecerá lógico para uma criança que um pai amoroso mate seu filho único em sacrifício de sangue pelos pecados alheios e que ela nasceu suja e pecadora.
Uma educação ética, libertária e cética passa indispensavelmente pelo ateísmo, já que o deus mais presente em nossa sociedade é um forte opositor do humanismo, da ética e da igualdade de direitos entre os seres humanos.
Como ensinar aos nossos filhos a serem éticos e permitir, ao mesmo tempo, que sejam submetidos à lavagem cerebral que distorce os conceitos de bondade e justiça atrelando-os à "Vontade de Deus"?
Se um pai ou mãe ateus omitem-se de confrontar a ética divina com a sua própria, tudo o que posso dizer é que estão se rendendo à ideia de que o pensamento religioso traz algum benefício ao raciocínio e à formação de caráter de seus filhos.
Todos os conceitos ditos desejáveis derivados da religião ou não o são, ou são incoerentes, ou podem ser ensinados sem a necessidade de incluir um deus como parâmetro.
Ainda mais um deus assassino, cruel, adepto do sacrifício humano e de animais, que se preocupa tanto com a vida sexual de seus filhos ao ponto de condená-los por toda a eternidade caso transem de forma diferente da que esse deus aprova.
Bem, então eu repito a pergunta inicial:
Em uma sociedade totalmente contaminada pelos conceitos de sagrado, pecado, sobrenatural, divindades, horóscopos, homeopatia, transcedências místicas e supersticiosas, por que não criar nossos filhos dentro da perspectiva cética e ateísta?
A religião e o misticismo não nos dão trégua: eles estão presentes na programação das emissoras de televisão, na escola, nas propagandas, nos cultos em praça pública, nos filmes e desenhos animados, nas músicas e no imaginário ocidental, onde se ouve sempre a história de um milagre, uma assombração, uma visão dos Infernos ou dos Céus, sonhos premonitórios com deuses e santos e notícias e comentários sobre como é inaceitável que existam pessoas "sem Deus no coração".
Sendo assim, ser uma mãe ateia implica não apenas em não ensinar religião e conceitos religiosos aos seus filhos. Isso não basta. É necessário dizer a verdade aos nossos filhos, abrir-lhes os olhos, intrumentalizá-los para se defenderem do bombardeio de irracionalidade religiosa e mística a que estão expostos em todos os setores sociais.
As religiões, notadamente o Cristianismo, pregam e praticam que é de pequeno que se molda o fiel, objetivando podar qualquer laivo de pensamento crítico e racional que é natural ao ser humano, levando as crianças a terem uma visão distorcida da realidade, quando aprendem que se algo de ruim aconteceu, apesar de suas orações e apelos e bom comportamento, foi por que ela, a criança, não foi merecedora de um bem, mereceu aquele mal... ou por que "Deus age por caminhos misteriosos" e se Deus quis assim é por que assim é que é bom.
Ser mãe é uma escolha, e, como em todos as escolhas, demanda decisões definitivas que nos acompanharão por toda a vida.
Ser mãe demanda em fazer escolhas para os os filhos, sim. São os pais quem escolhem a alimentação, os ambientes, o tipo de educação, os princípios éticos e as crenças ou conhecimentos a que os filhos estarão mais suceptíveis.
São os pais quem assumem a responsabilidade de possibilitar o crescimento saudável dos filhos, tanto física quanto emocional e intelectualmente.
Desta forma, não há nenhuma conotação de "imposição", "radicalismo", "doutrinação" para o ateísmo quando os pais optam por criar seus filhos dentro da visão cética.
Fazer essa escolha é ser coerente com a própria ética, é exercer na prática o direito de prover alternativas racionais a tantos pensamentos irracionais aos quais as crianças são expostas.
Se as religiões ensinam as crianças a não usarem o seu intelecto e o seu raciocínio lógico, a alternativa mais amorosa e lógica é ensinar justamente o contrário:
Que possuem um cérebro capaz de analisar a realidade e que devem usá-lo, sempre. Inclusive, para questionar o próprio pensamento.