O lugar social do pobre na Igreja e no mundo
Padre Geovane Saraiva*
Na sexta-feira da paixão, o sacerdote presidente da celebração, prostra-se diante do altar, no insondável simbolismo de reverência, humildade e penitência, no início da celebração da Paixão do Senhor, representando um gesto expressivo de amor, que não se explica com palavras e muito menos com a razão. Entende-se a partir de uma excelsa mística, retratando a importância do silêncio, na concentração, meditação e oração, com grandiosa fé diante do mistério, no qual o Filho de Deus se antecipa na glória. É como diz a música litúrgica apropriada para a celebração: “Eu me entrego, Senhor, em tuas mãos, e espero pela tua salvação”.
Já no sábado santo, na celebração da luz, início da solene vigília pascal, quando o sacerdote coloca os cravos no círio pascal, numa simbologia extremante expressiva e forte, recordando a paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, nas belíssimas palavras: “Por suas santas chagas, suas chagas gloriosas, o Cristo Senhor, nos proteja e nos guarde”, para em seguida acender a grande vela, na seguinte expressão: “A luz de Cristo que ressuscita resplandecente dissipe as trevas de vosso coração e vossa mente”.
Com o Concílio Vaticano II (1962-1965), iniciou-se na Igreja a redescoberta do lugar social do pobre na Igreja e no mundo, ultimamente bastante esquecida, mas com a eleição do novo Romano Pontífice (13/03/2013), este tema torna-se assunto do dia, na sua afirmação: “Se vamos para a rua podemos sofrer acidentes, mas eu digo que prefiro mil vezes uma Igreja acidentada a uma Igreja doente”. É neste sentido o interesse pelos ideais de São Francisco de Assis, presente na mente e no coração do bispo de Roma, o qual deve se fazer mais presente e vivo, no coração das pessoas de boa vontade.
Como o Sumo Pontífice foi sábio, inspirado e inspirador, ao trazer para o presente a força da figura humana do pobrezinho de Assis, na redescoberta do pobre, precisamente numa época por ele vivida, na qual a Igreja era auto referência e tinha atingido o cume do seu poder e de sua influência no mundo. Poder espiritual e poder temporal estavam firmemente enfeixados nas mãos de um Papa que se soubera impor a príncipes e reis, dando ao Sacro Império Romano esplendores nunca antes vistos e vividos.
Diante do contexto da morte do Filho de Deus, numa sociedade em que pessoas carregam as marcas de Jesus Cristo crucificado, os cristãos são constantemente chamados a fazer uma profunda reflexão. Neste contexto, como é importante recordar o Cardeal Lorscheider, nas suas palavras inspiradas e ternas: “Sempre fiquei muito impressionado e atraído pelo amor quente e apaixonado que São Francisco dedica a Deus; as chagas do Senhor Jesus mostram outra faceta da rica personalidade de Francisco de Assis: um apaixonado pela paixão de Jesus Cristo, um apaixonado pela cruz do Senhor. Tão grande a sua paixão que mereceu experimentar ao vivo na própria carne a paixão sobre a qual tanto meditara e chorara a ponto de ter ficado quase cego. O amor de Deus na Encarnação torna-se, para nós, o mais concreto possível na doação total que a cruz simboliza: `Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos`” (Jo 15,13).
Com a graça de Deus temos um Papa que nos encanta, emociona e contagia; o momento vivido pela Igreja é imprescindível para termos diante dos nossos olhos o pastor dos empobrecidos, da paz e da ternura, Dom Helder Câmara, que com grande sabedoria e com o mesmo espírito acima citado, afirmava: “Tenho pena dos empobrecidos, dos sem abrigo, e mais pena ainda, dos instalados e enraizados, como se este mundo fosse morada permanente”.
*Padre da Arquidiocese de Fortaleza, escritor, colunista, blogueiro, membro da Academia Metropolitana de Letras de Fortaleza, da Academia de Letras dos Municípios do Estado Ceará (ALMECE) e Vice-Presidente da Previdência Sacerdotal - Pároco de Santo Afonso - geovanesaraiva@gmail.com