Personagens do julgamento de Cristo

Personagens do julgamento de Cristo

Paulo Salles

“Foi quando o sumo sacerdote rasgou as próprias vestes e disse: Blasfemou! Por que precisamos de mais testemunhas? Vocês acabaram de ouvir a blasfêmia. O que acham? É réu de morte, responderam eles”. (Mateus 26:65-66).

Estou certo de que não se duvida mais do fato histórico da vida de Cristo e de sua crucificação. Questionamentos ainda existem, no entanto, quanto se era Ele o Filho de Deus, até porque alguns não creem na existência do próprio Deus, e se teria Ele ressuscitado.

Certamente que o julgamento de Cristo foi uma das maiores farsas da história. Deus, na sua onisciência, sabia que seria assim. Podemos, no entanto, afirmar que esse não seria o seu plano, pois Ele não compactuaria com uma farsa. Permitiu que a história seguisse o seu curso. O resgate do homem da morte eterna já estava prevista nos propósitos Divino desde a sua queda e para tanto, no seu plano, custaria a vida do seu Filho Unigênito, Jesus Cristo. (Gênesis 3:14-15). A forma encontrada foi a crucificação, que era o modo mais cruel de execução na época.

Constantemente medito no sacrifício de Cristo para a salvação da minha alma, como manifestação do amor e da misericórdia de Deus para comigo e ainda mais nesse período da semana chamada santa. Sempre que leio os textos Bíblicos, sou atraído por alguns personagens envolvidos no julgamento de Cristo e projeto a existência de outros nos dias de hoje.

O primeiro personagem está representado pelos líderes religiosos da época. Certamente que eles conheciam as profecias sobre o messias que “restauraria o reino de Israel”. O povo também aguardava, embora alguns estivessem esquecidos por aquilo que seria uma demora de Deus. Simeão aguardava com expectação e quando o Espírito de Deus revelou que aquele menino que lhe estava sendo apresentado era o messias esperado, extravasou toda a sua alegria. O mesmo ocorreu com a profetisa Ana. (Lucas 2:25-38). Cristo não foi o messias que os líderes religiosos esperavam. Não entendiam que a restauração seria espiritual e não política. Como por estratégia, os Romanos não se envolviam com as questões religiosas dos povos conquistados, desde que não lhes trouxessem problemas, os líderes religiosos, fariseus, saduceus, sacerdotes e o sumo sacerdote, não apenas tinham a liberdade de exercer seus ofícios, como gozavam de certos privilégios. Os Romanos entendiam que eles tinham influência junto ao povo e de certa forma os controlava. Estes viam em Cristo a possibilidade de suas “boas vidas” serem incomodadas. Além do que não aceitariam um messias com as suas características: um homem simples. Havia preconceito até sobre o local onde nasceu. Sem falar que os chamados doutores da lei foram por Ele taxados de hipócritas e raça de víboras. E o que dizer do derrubar e reconstruir o famoso templo de Jerusalém em três dias? E o afirmar-se como Filho de Deus, assentado à direita do Pai? Foi demais.

Partiu destes a conspiração contra Jesus. Passaram a planejar a prisão e morte de Cristo. E aqui ficamos a perguntar: como pode um sumo sacerdote judeu ter o intento de matar alguém? Ainda mais um compatriota? A dificuldade era de que não tinha ele nada de que acusar a Cristo. A interveniência de Judas veio a calhar. Cuidava-se, agora, de encontrar o pretexto para matá-lo e com o apoio do povo. Levantaram falsas testemunhas, mas não foi o suficiente, até que o sumo sacerdote perguntou se Cristo era o Filho de Deus e diante da resposta do Mestre, ele encontrou o que procurava: “a blasfêmia”. Agora eles tinham o apoio do povo, mas precisavam do referendo das autoridades políticas e aqui entra o nosso segundo personagem. O primeiro já está devidamente caracterizado pelo ciúme, a inveja, a insubmissão.

Nosso segundo personagem, representado pelas autoridades políticas do Império Romano, também teve papel relevante no julgamento de Cristo e suas condutas ficaram registradas na história da humanidade e no Livro Sagrado. Não se envolviam com as questões religiosas, mas agora o caso era o julgamento de um homem que poderia ser condenado à morte. Ainda mais de uma pessoa de quem eles ouviram falar dos feitos e tinham imensa curiosidade de conhecê-lo. Não iriam desperdiçar essa oportunidade. O primeiro foi Pilatos, que era o governador de Roma na Judéia. A acusação não poderia ser apenas de ordem religiosa, por isso mesmo a questão foi direcionada para o fato de Cristo ter dito que era o Rei dos Judeus. Para Roma, a única autoridade era o imperador César. Essa acusação não causou nenhum efeito. Direcionaram, então, para o fato de Cristo estar subvertendo a ordem em toda a Judeia com os seus ensinos e de proibir o pagamento de impostos, o que o caracterizava rebeldia e atitude revolucionária. Como nem essas acusações tinham fundamento, e isto foi constatado por Pilatos, que não desejando assumir a responsabilidade pela execução de Cristo e sabendo que Herodes estava em Jerusalém, e que o Mestre seria de sua jurisdição, não teve dúvidas, ordenou que o levassem a ele. Herodes ficou radiante diante de Cristo, na esperança de que Ele realizasse algum milagre na sua presença. Como Cristo permaneceu em silêncio, e diante das veementes acusações, tratou de ridicularizar e zombar de Cristo, vestindo-o com um manto, por ter Ele dito que era o “Rei dos Judeus”, e devia vestir-se como tal. Depois disso, mandou Cristo de volta para Pilatos que, novamente não encontrando nenhuma culpa nele, disse que o castigaria e depois o soltaria, o que em nada agradou os líderes religiosos e o povo, cujo propósito era o de matar a Cristo. Mais uma vez Pilatos tentando libertar a Cristo, invocou o costume que havia de soltar um preso durante a páscoa. Entre Barrabás e Cristo, o povo e a liderança religiosa optaram por Barrabás, que não era figura das mais recomendáveis, enquanto que com relação a Cristo, gritavam para que fosse crucificado. Pilatos então cedeu a vontade deles e o entregou para ser crucificado, não sem antes pedir água e lavar as suas mãos declarando-se, com esse gesto, inocente da morte de Jesus, episódio que ficou na história da humanidade. Ele tinha poderes para soltar a Cristo. Isso ele fez questão de declarar ao Mestre, que simplesmente respondeu que ele não teria nenhuma autoridade se Deus não a tivesse concedido. Foi omisso e covarde. Não sabia ele que Deus era o Senhor da história e que a conduzia.

Nosso terceiro personagem seria o povo. Quem sabe alguns comeram do pão e do peixe multiplicados; presenciaram os milagres; ouviram os ensinos de Cristo; etc. Tornaram-se massa de manobra, manipulados pelos líderes religiosos, insuflados por estes, reforçaram o coro do “crucifique-o, mate-o”. Já foi dito que a multidão não pensa. A oração de Cristo na cruz foi de que o Pai os perdoasse, porque não sabiam o que estavam fazendo. (Mateus 23:34). Trocaram Cristo por um bandido e se deixaram manipular.

O quarto personagem é Judas. Figura participante do colégio apostólico, vivenciou todo o ministério de Cristo, ouviu os seus sermões, viu os seus milagres, etc. Era o tesoureiro do grupo e em algumas ocasiões não agiu honestamente. Estava entre os doze, mas não era um deles. Até participou de parte da última ceia, quando, identificado por Cristo como aquele que o trairia, saiu para cumprir o seu intento. O preço: 30 moedas de prata. O gesto: um beijo. Quando viu que Jesus tinha sido condenado, foi tomado por um profundo remorso, jogou o dinheiro que havia recebido dentro do templo e saiu para tirar a própria vida. A morte como solução, como se ela fosse solução para alguma coisa. O remorso ao invés do arrependimento. Uma manifestação de que o simples remorso, o condoer-se, sem uma mudança de pensamento e atitude não leva a nada.

Quase dois mil anos depois vamos encontrar, representados na humanidade de nossos dias, o comportamento de alguns personagens diante do mesmo episódio. O primeiro, à exemplo das autoridades de Roma na época, são os indiferentes. A morte de Cristo no calvário não tem nenhuma significação para estes. Ainda menos em relação à salvação de suas almas, pois não creem nisso. Até lamentam a crucificação de alguém que eles também consideram como inocente e que só praticou o bem. Até se enternecem, assistem representações do sacrifício de Cristo, mas não passam disso.

O segundo personagem está representado naqueles que não são indiferentes à morte de Cristo na cruz, mas ainda não se posicionaram acerca desse sacrifício como sendo o único meio de salvação de suas almas. Ainda relutam em aceitá-lo como Salvador e Senhor de suas vidas. Até pensam sobre isso, mas não tomaram ainda uma decisão.

Um terceiro personagem está associado àqueles que não entendem que o sacrifício de Cristo foi e é suficiente para a salvação do homem. Nada mais precisa ser feito. Tudo estava consumado. Esses buscam em vão complementar a sua salvação nas boas obras e no bom comportamento. Continuam perdidos.

Creio que, infelizmente, um quarto personagem, assemelha-se a Judas. Certamente que não gostariam de ouvir isso. Ninguém que ser o traidor. Estão no meio do povo de Deus, mas não fazem parte desse povo. O texto de Hebreus 6:4 a 6, é de uma contundência tal que me limito apenas a transcrevê-lo na versão NVI: “Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes do Espírito Santo, experimentaram a bondade da Palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando de novo o Filho de Deus, sujeitando-o a desonra pública”. Ainda bem que não nos cabe dizer quem são. Tão somente não sejamos um deles.

Um quinto personagem, e com esse encerro, está representado naqueles que aceitaram o sacrifício de Cristo na cruz como suficiente para a salvação da alma. Pela fé, creram nisso como o plano completo e insubstituível de Deus. Em consequência, agora buscam viver uma vida de obediência aos seus ensinos, submissão à sua soberania, de testemunho da transformação pela qual passaram e anúncio desse plano maravilhoso, disponível a todos que quiserem aceitá-lo.

A esse quinto personagem, a vitória de Cristo sobre a morte, a sua ressurreição e a sua segunda vinda, trazem a esperança de uma vida eterna na sua companhia, pois Ele foi nos preparar lugar.