CAMADAS

Frequentemente sentimos a presença de Deus manifestada na criação quando nos deparamos com um belo crepúsculo ou uma alvorada serena em meio à névoa rarefeita que se dissipa ao toque dos primeiros raios revelando toda a maravilha de uma paisagem marítima ou campestre, ou até mesmo urbana. Ou mesmo num dia chuvoso, ou quando observamos a beleza da fauna silvestre ou a beleza de picos, quer verdes, plúmbeos ou alvos... Entretanto estas não são as obras-primas de Deus, A grande criação de Deus é o ser humano. Então porque é tão difícil encontrar Deus no ser humano? Será que são os outros que não permitem que se veja a maravilha do Criador em seu seio? Ou é nossa a incapacidade de ver?

Creio que seja necessário, para se vislumbrar a chispa divina no interior de cada indivíduo, se desfazer de certos filtros que cobrem o nosso “eu” como camadas numa cebola. Temos muitas camadas e enxergar através delas não é fácil. Também não é fácil removê-las e talvez, nesta vida, nem consigamos remover todas, mas às vezes temos tantas camadas e tão grossas que se torna impossível ver a chispa divina em nosso próprio interior, quanto mais no interior do próximo.

Porém de uma coisa estou certo; todos nós temos essa luz interior que muitas vezes está escondida pelas tais camadas como uma lâmpada debaixo da vasilha... Creio que seja por isso ser tão difícil ver Deus na criação humana. Acredito que para que possamos ver o Deus no outro precisamos começar por remover as nossas próprias camadas. São as camadas da inveja, do ódio, da maledicência, da luxúria, do ciúme... Enfim são tantas e tão espessas que não é de se admirar que sejamos tão “míopes”. Eu não sei como podemos removê-las, mas sei que podemos pedir essa graça a Deus e Ele no-la dará, pois a quem pede lhe será dado, quem procura, acha e a quem bate a porta lhe será aberta. (Mt 7, 8).

Logo, não preciso saber o como, só preciso pedir e desejar sinceramente removê-las e o milagre acontecerá! Mas é uma luta diária que sozinhos jamais venceremos. Contudo existem outras camadas, as camadas dos outros! Essas também precisam ser removidas para que possamos sentir a presença de Deus no outro. Por vezes o outro não consegue removê-las sozinho, precisa da nossa ajuda, mas comumente não estamos dispostos e empreender essa laboriosa jornada, por medo, ou por indiferença ou por comodismo, e deixamos que o outro permaneça lacrado em seu sarcófago grosso e pesado. Também não sei como podemos escavar essas camadas que às vezes parecem feitas de concreto e que escondem tão bem a luz de Deus que há em cada ser humano. Como o nosso, esse “concreto” é de vários tipos: inveja, mesquinhez, indiferença, individualismo hedonista, etc. Mas sei que se o fizermos encontraremos um manancial de amor e ternura que o próprio Deus plantou em cada pessoa. Mas como faremos? Acredito que do mesmo modo que escavamos as nossas próprias camadas; pedindo a graça de saber fazê-lo. Com paciência, perdão, perseverança, etc. poderemos, creio, alcançar essa chispa divina e finalmente auscultar a presença de Deus no intimo de cada um tão facilmente como a vemos num crepúsculo ou numa alvorada.