Águas Revoltas
Águas revoltas
Paulo Salles
“De repente, uma violenta tempestade abateu-se sobre o mar, de forma que as ondas inundavam o barco. Jesus, porém, dormia” (Mateus 8:24).
Quem já teve o privilégio, como eu, de fazer um cruzeiro marítimo, talvez tenha tido a mesma sensação de impotência, pequenez e limitação, que eu tive. O grande transatlântico é nada diante da imensidão do mar azul-esverdeado, verde-azulado. Um infinito horizonte de águas quando se está em alto mar, sem nenhuma visão da terra. Não nos sentimos mais tão seguros assim. A tragédia do Titanic nos vem à mente. Outras também, como a do transatlântico Costa Concórdia, que virou na costa da Itália, após se chocar com um rochedo, em uma imprudente manobra do seu comandante, foi o que se constatou. Como pode um gigante como aquele simplesmente virar como se fosse um frágil barquinho de papel? Minha esposa foi vitima de uma tempestade nas costas da ilha de Fernando de Noronha. As ondas estavam muito altas. Ela conseguiu desembarcar, outros tantos não, e tiveram que ver as ondas atingirem a cozinha, restaurante e camarotes do navio, causando grande destruição. O grande navio não era nada diante da força da natureza.
Naveguei em mar de calmaria, mas também encapelado, pelas águas do mar Egeu, em um cruzeiro pelas ilhas gregas. Lembro-me quando o comandante avisou que atravessaríamos uma pequena tempestade, mas que ninguém se preocupasse. O susto foi maior quando as ondas começaram a crescer de tamanho e as águas começaram a inundar a cabine onde estava instalado. Como a “grana” era curta, a minha cabine ficava em um nível mais baixo, onde a única visão do mar era pela escotilha, onde o vidro trincando possibilitava a entrada da água. O problema foi imediatamente detectado pelo sistema de segurança do navio, que providenciou o fechamento da escotilha. Como fiquei sem nenhuma visão e curioso como sou, subi a parte mais alta do navio, para ver e filmar a tal tempestade. Não consegui. As ondas estavam altas, pelo menos para mim, e batiam com ímpeto à frente do navio que as desafiava, jogando-me de um lado para o outro, desestabilizando-me completamente. Mesmo assim, consegui filmar alguma coisa. Como fiquei muito “mareado”, precisei tomar uma medicação contra enjoou, que me deu um sono profundo, e quando acordei o mar já era de calmaria e a navegação bastante tranquila.
Não pude como não me lembrar do episódio narrado por Mateus 8:23 a 27, Marcos 4:35-41 e Lucas 8:22-25), o que resalta a sua importância, quando os discípulos foram vítimas de uma grande tempestade nas águas do Mar da Galiléia. Apesar de serem homens acostumados ao mar, a embarcação deveria ser frágil, tanto quanto a fé de cada um deles. Ficaram em pânico. Enquanto isso, Jesus dormia. Trataram de perturbar o sono do Mestre, que acorda e acalma a tempestade e os corações dos incrédulos, que ficaram perplexos: “Quem é esse que até o mar e os ventos lhe obedecem?”. (verso 27).
Estamos todos no barco da vida. Nele navegamos em mares de calmarias e encapelados. Em águas tranquilas e revoltas. Em suaves brisas e em fortes ventos. Ninguém passa por essa vida sem tempestades. São as doenças; as frustrações; as limitações; as injustiças; o desamor; o preconceito; a indiferença; as angustias; as dores; a ansiedade; as carências; a saudade; a falta de um trabalho digno; a opressão; a depressão; a falta de fé; a desesperança; etc. etc. Obstáculos da caminhada, dificultando a nossa qualidade de vida. Como encarar tamanhos desafios? Tudo depende, fundamentalmente, de duas coisas. Primeira: quem está conosco no barco e quem é o comandante. Segunda: como reagimos diante das adversidades dos fortes ventos, tão presentes. Cristo estava no barco com os discípulos e isso era garantia de salvação. Os homens se desesperaram enquanto Cristo dormia. Aquele que tem o poder de acalmar até mesmo o mar e o vento, porque os criou, muito mais cuidará de nós, apesar da pequenez da nossa fé, que tantas vezes nos leva a duvidar disso, como ocorreu com o apóstolo Pedro que ousou andar sobre as águas ao encontro de Cristo e começou a afundar quando viu a força do vento. Foi preciso que o Mestre o socorresse, não sem antes recrimina-lo pela dúvida e pequenez da fé. Os discípulos reconheceram então que Cristo era verdadeiramente o Filho de Deus. (Mateus 14:25-33). Enquanto olhava para Cristo, Pedro conseguiu andar sobre as águas. Quando desviou o foco, começou a afundar. O mesmo acontece conosco quando achamos que o nosso problema é maior do que o nosso Deus. Colocamos o nosso foco no problema e não na grandeza do nosso Deus. “Não há problema que Deus não resolva”, diz a letra de uma canção. Cristo não nos deixará afundar. Gosto muito da letra de utro cântico que diz: “se o trovão e o mar rompendo vem; sobre a tempestade eu voarei. Sobre as águas Tu também és rei. Descansarei, pois sei que és Deus”. Precisamos cantar crendo nisso. Outra canção, da minha tenra infância, dizia que “com Cristo no barco tudo vai muito bem, no mar da Galiléia”. A presença de Cristo em nossas vidas não é garantia de que não teremos dificuldades, mas sim de que não seremos por elas derrotados, engolidos. Ele está presente no barco da sua vida e é Ele quem comanda? Se estiver, Ele fará a diferença.
A segunda coisa, ou seja, a forma como reagimos às tempestades, está relacionada à primeira. Vemos isso com muita clareza por ocasião do funeral de quem morreu crendo em Cristo. O momento é de dor, de tristeza, de saudade, de perda, etc., mas, se os que estão ali também são crentes em Cristo Jesus, o clima não é de desespero. Desespero é falta de esperança e Cristo é a esperança de vida eterna. Por que não há desespero? Porque se sabe que ali está apenas a matéria. O pó que volta ao pó. Mas o espírito já está a gozar as delícias do céu e da presença de Cristo. É preciso reagir diante das dificuldades. O desânimo a nada conduz. Tudo passa. Somente Deus e o homem são eternos. Por isso reaja, enfrente, caminhe. Tenha em mente, entretanto que, se com a presença de Cristo as coisas não são fáceis, sem Ele tornam-se quase impossíveis. As águas revoltas virão ou já chegaram. Convide Cristo a ser o comandante do seu barco e tenha a certeza de que ele não afundará.