PEQUENA LIÇÃO DE CABALA: Entre o Céu e o Abismo

Considerações sobre as influências na vida humana e o Autodomínio

- O mundo material

O mundo material - principalmente no aspecto da vida em sociedade - oferece-nos muitas possibilidades. Se tivermos oportunidade de investir em nossa educação e contarmos com uma boa rede de relacionamentos, abrir-se-ão portas para nossa evolução intelectual, profissional e material. Vivemos na era do conhecimento e da sociedade de consumo. O conhecimento mais valorizado nesta época é aquele de ofício, ou seja, o conhecimento responsável pela produção de riquezas, diretamente ou não; como exemplo, podemos citar os cursos de formação técnica, os cursos universitários, os livros de caráter técnico-científico, etc. O consumismo, por sua vez, tornou-se um ideal de vida e, infelizmente, consideramos normal adquirirmos muito mais do que necessitamos para viver com dignidade.

Se compararmos um país com um organismo vivo, podemos considerar os processos de produção de bens e serviços como o metabolismo das células; se o metabolismo cessa, advém a morte. Imaginemos, por um instante, um colapso total nos sistemas produtivos: paralisação da produção de energia elétrica, do fornecimento de água, da produção agropecuária, da produção industrial, dos sistemas de telecomunicações, etc. Seria algo catastrófico. No entanto, os males da vida trazem consigo algum aprendizado: nesse contexto caótico, seria interessante observar aquelas pessoas arrogantes de elevado status socioeconômico (não afirmo que todas as pessoas com elevado padrão de vida sejam arrogantes) desesperadas por um punhado de arroz ou um pedaço de pão. Existe um abismo de diferença entre sermos algo e crermos que somos algo. Os poderosos deste mundo possuem um poder relativo e frágil. Eles exercem poder enquanto os sistemas (político, econômico, bancário, etc.) funcionarem razoavelmente e as massas (milhões de pessoas com mentalidade de “rebanho”) estiverem sob controle.

- Conquistar o mundo ou conquistar a Alma?

A excelência da sabedoria de Cristo, expressa nos evangelhos, ensina: “Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?” (Mateus 26.16). Acredito numa interpretação mais simbólica e universal da Bíblia e, desse modo, proponho uma análise mais abrangente do que vem a ser “perder a alma”. Considero que a alma seja formada por um conjunto de virtudes e de poderes internos (normalmente apenas em estado latente). Essas virtudes e esses poderes nos conferem, dentre outras, as seguintes capacidades: domínio do corpo físico, domínio da fala, domínio dos pensamentos e das emoções, continuidade de propósitos, lucidez (consciência desperta), vontade inquebrantável, etc. De nada nos serve construirmos um império neste mundo se não formos capazes de empreender a obra mais digna e elevada da vida humana: A conquista de si mesmo.

- Um tema muito abordado

Quando mencionamos “a conquista de si” estamos nos referindo ao domínio sobre si ou autodomínio. Trata-se de um tema discutido tanto no campo religioso quanto no campo da Psicologia. No entanto, devemos dar a ele uma abordagem cem por cento pragmática, de maneira que possa ser gradualmente aplicado na vida cotidiana.

Em outras palavras, não há necessidade de escrever volumes imensos sobre o autodomínio. Basta que tenhamos as chaves para adquiri-lo.

- Influências sobre a psique humana

Existem dois tipos de forças atuantes na vida humana, tanto em nível individual quanto em nível coletivo. O primeiro tipo consiste nas forças “condensadoras” e o segundo nas forças “sutilizadoras”. Estas últimas assim são denominadas porque nos aproximam de Deus, levando-nos do denso (egóico) ao sutil (espiritual). As primeiras levam tal nome porque nos conduzem a estados progressivamente mais densos e grosseiros.

- As Forças “Condensadoras”

É a fatalidade. As forças “condensadoras” são as influências que nos conduzem à materialidade e, por fim, ao Abismo. A materialidade nos põe numa condição em que nos contentamos apenas com as impressões que chegam à mente por meio dos cinco sentidos e com conceitos puramente intelectuais. Além disso, leva-nos ao consumismo e à frivolidade.

O Abismo, representado na Kaballah como a Árvore Qliphótica (qlipha, klipha = “concha”; cada qlipha é uma região infernal com seus vícios e delitos característicos), é o depósito das escórias da humanidade (Perdoe-me por utilizar tão forte expressão!). Entendamos melhor essa questão. Deus é a Realidade Infinita na qual nos movemos, vivemos e somos. Todos os valores presentes em nosso mundo interior que estejam em desarmonia com as leis universais, ou seja, em desarmonia com as leis e os desígnios de Deus, devem obrigatoriamente submergir no Abismo, pois não possuem razão para existirem. Todo verdadeiro esoterista sabe quais são esses valores: o Ego.

As forças “condensadoras”, em síntese, conduzem-nos ao Abismo e consistem nas manifestações egóicas (pensamento, emoção, palavra e ação) e nos sistemas do mundo.

- As Forças “Sutilizadoras”

As forças “sutilizadoras”, por sua vez, elevam nossa consciência e nos conduzem a Deus. Na Kaballah, estão sintetizadas na Árvore Sephirótica (sephira = “esfera”; acima do sephirote de Malchut, o mundo físico, os demais sephirotes são os mundos superiores e cada um tem suas virtudes e atributos divinos). Acessamos essas forças luminosas por meio da prática espiritual, da devoção, da oração e, sobretudo, por meio de um trabalho psicológico sobre nós mesmos que nos permita entrar no terceiro estado de consciência, no qual não mais estamos identificados com a mente (covil do ego) e seu fluxo de pensamentos. De tal modo, o autodomínio se faz possível, fundamentado na consciência e fortalecido pelo auxílio celestial.

- Livre-arbítrio?

Cabe neste instante perguntarmos se temos de fato livre-arbítrio para eleger as forças que atuarão sobre nós. No sentido humano, não o temos. Definitivamente, não é possível emancipar-se da fatalidade tão somente por esforços humanos. Obviamente, estes são indispensáveis, mas existe uma força sem a qual essa emancipação torna-se impossível: o impulso do Ser, o Espírito de Deus no mais profundo de nossa consciência, que nos confere as inquietudes espirituais. Disso identificamos a necessidade da Humildade, mediante a qual reconhecemos nossas limitações e confiamos plenamente em nosso Real Ser, dispostos a endireitar nosso caminho.

“Então, ele respondeu: Eu sou a voz do que clama no deserto: Endireitai o caminho do Senhor, como disse o profeta Isaías.” (João 1.23)