MARTA E MARIA 

Tema : A Palavra. O que é mais importante no cristianismo : o serviço pastoral ou a contemplação ? A visão de Santo Agostinho sobre a perícope de Marta e Maria.

Introdução :

Biografia : Santo Agostinho foi filósofo, bispo e teólogo cristão. Um dos principais alicerces do cristianismo, é marca registrada da Patrística. Aurélio Agostinho, o Santo Agostinho de Hipona, foi um importante bispo cristão e teólogo. Nasceu na região norte da África em 354 e morreu em 430. Era filho de mãe que seguia o cristianismo, porém seu pai era pagão. Sua maior especialidade : homilias !

Obras famosas de Santo Agostinho :

- Da Doutrina Cristã

- Confissões

- A Cidade de Deus

- Da Trindade

- A Imortalidade da Alma e outras.

Objetivo : é provocar uma reflexão sobre a questão : ação/contemplação e contemplação/ação. E para tanto iremos fundamentar o nosso trabalho no Evangelho de Lucas, capítulo 10, versículos 38 – 42. Na perícope conhecida como “Marta e Maria”, temos um momento impar na história de Jesus onde Ele provoca uma tensão interessante e que conduz o cristão a perceber que a referida passagem é muito mais significativa do que pensamos.

Perícope : Evangelho de Lucas, capítulo 10, versículos 38 – 42.

38 E aconteceu que, indo eles de caminho, entrou Jesus numa aldeia; e certa mulher, por nome Marta, o recebeu em sua casa;

39 E tinha esta uma irmã chamada Maria, a qual, assentando-se também aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra.

40 Marta, porém, andava distraída em muitos serviços; e, aproximando-se, disse: Senhor, não se te dá de que minha irmã me deixe servir só? Dize-lhe que me ajude.

41 E respondendo Jesus, disse-lhe: Marta, Marta, estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária;

42 E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.

NOSSA REFLEXÃO : Marta e Maria

A história do “povo de Deus” é longa, cheia de alegrias, tristezas, expectativas, dores, amarguras, esperanças, vitórias e derrotas, farturas e misérias, angústias e ansiedades, mas é uma história de fé, muita fé. E essa fé é o combustível que move a caminhada desse povo – o antigo e o novo – ao longo dos últimos milhares de anos.

Santo Agostinho sempre nutriu um amor especial pela Igreja de Cristo. Para ele, a finalidade do cristianismo é preparar o homem para Deus. Agostinho é um dos pilares centrais dessa religião.

O famoso bispo de Hipona, como é conhecido, tem nos seus sermões e pregações o ponto alto de sua espiritualidade. Em Lucas 10, 38-42 temos o belíssimo texto sobre Marta e Maria, irmãs de Lazaro. E Agostinho usou essa passagem bíblica para atingir os corações de forma certeira e provocar reflexões. O que há por trás desse famoso diálogo entre Jesus, Marta e Maria ?

O que nos chama a atenção são os versículos 40 – 42, quando Marta reclama para Jesus que Maria a deixa servir sozinha, não a ajuda. E a resposta de Jesus é profundamente significativa para Agostinho. Diz Jesus :

  • Marta, Marta estás ansiosa e afadigada com muitas coisas, mas uma só é necessária e Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada.

Algumas interpretações entendem que Marta representa o antigo comprometimento com a Lei judaica, onde o cumprimento das obrigações falava mais alto. Enquanto Maria significa a aplicação da boa nova, os novos tempos. Para Origines, por exemplo, Maria pode representar a vida teórica e Marta a vida prática. Marta seria a imagem da sinagoga e Maria a imagem da Igreja (que surgiria em breve).

Agostinho vai mais longe e busca uma interpretação positiva para o desempenho das duas irmãs diante do Senhor. Para ele, Marta nos mostra o caminho ativo, o trabalho pastoral, de formiguinha, onde ficamos sempre ansiosos e cansados, pois temos que levar a Palavra do Senhor aos nossos irmãos, seja lá onde estiverem. Por outro lado, Maria nos mostra outro caminho de suma importância, a contemplação, a oração, a reflexão.

Para o bispo de Hipona são dois momentos distintos, mas altamente significativos. Enquanto o trabalho de Marta demanda o uso da palavra e das ações, o de Maria demanda o “saber ouvir”, aprender a escutar e depositar as Palavras de Jesus junto ao coração para depois poder praticar. Marta tem uma vida (cristã) ativa e Maria uma vida contemplativa. Primeiro, é preciso aprender, tomar conhecimento, ouvir, para depois, então, sair em campo para evangelizar, ensinar, divulgar, promover, festejar e louvar. “Se você não for capaz de ouvir, não construirá nada”.

Em um de seus discursos, Agostinho frisa que o cristão deve concentrar sua preocupação no “unum necessarium” que encontramos, exatamente, nas palavras de Jesus no versículo 42.

Mas o que é esse “unum necessarium” ? Para ele, nada mais do que Deus em si mesmo, pois Jesus deixa bem claro :

  • uma só coisa é necessária.

O foco está na unidade encontrada no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Ele enfatiza e sedimenta a Trindade. Para ele, o uno é uma só realidade em três. A diversidade que encontramos no Pai, Filho e Espírito Santo nos conduz à unicidade em Deus.

Agostinho entende que Marta e Maria simbolizam as duas vidas, a presente (daquela época) e a futura, depois da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Marta significa o caminho, a via e Maria o “finis”, o objetivo a ser alcançado. Marta representa a vida cheia de preocupações e anseios e Maria a vida de repouso fundada na beatitude.

Entretanto, para não permitir que haja distorção na interpretação, Agostinho faz questão de deixar bem claro que não pode haver uma entrega exclusiva à contemplação e registra a importância e necessidade do “serviço cristão”, das atividades pastorais. Essas são interdependentes. Marta e Maria se completam. A vida cristã começa em Maria e termina em Marta. “O destino do cristão, neste mundo, é o destino de Marta : servir ao Senhor, pois Ele ainda precisa e muito dos serviços “dela” (nossos)”.

O bispo de Hipona afirma que tanto a ação em servir (Marta) quanto a contemplação (Maria) são vitais para o caminhar do cristão.

OUTRA OPINIÃO :

Consultamos, também, a visão do Frei I. Mazzarolo, Doutor e Professor em Teologia da PUC – Rio em seu texto sobre “Marta e Maria, diferentes níveis do conflito”, abaixo identificado na bibliografia.

Introdução :

Para Mazzarolo, o encontro entre Marta e Maria revela um nível profundo de conflitos que podem ser de natureza cultural, ideológica ou eclesial. Por que Maria escolheu a melhor parte ? Servir não é importante ? Quem está, culturalmente, no lugar de Marta ? Maria, a quem representa ? Repare que as dúvidas do autor são semelhantes às nossas !

Contexto do Evangelho de Lucas :

O Evangelho de Lucas foi escrito por um discípulo de Paulo, certamente de origem grega e a presença do helenismo é marcante nesse documento. Foi escrito com o objetivo de conquistar o coração dos “pagãos” pelo mundo afora, com as viagens de Paulo. Mazzarolo, diz que o Evangelho de Lucas é o evangelho sociológico, dos pobres, das mulheres e da inclusão.

Adaptar o Evangelho para as comunidades estrangeiras era o grande desafio do “cristianismo” nascente, e o ponto alto era “escutar, acolher e conhecer antes de agir”. Esses pré-requisitos foram fundamentais para os pagãos “acolherem” a Boa Nova de então.

Texto e Contexto :

O capítulo 10 de Lucas começa com a missão dos 70 para propagar a mensagem de Jesus. Início da peregrinação. E antes da perícope em tela Lucas nos brinda com a magistral parábola do “bom samaritano” (Lc 10, 30 – 37). E ao término da passagem de Marta e Maria, o que temos ? O começo do capítulo 11 onde Jesus ensina aos seus discípulos a orar o Pai Nosso. Portanto, a perícope que estudamos é emoldurada por dois momentos sublimes na vida do Jesus Histórico que repercutem por toda a história do Cristo da Fé.

Hermenêutica da Perícope :

O autor bíblico pode ter tido a ideia de registrar através do conflito entre as irmãs, as tensões sociais e pessoais da época. Marta seria o lado do judaísmo e Maria o lado do helenismo ? Os judeus queriam se “livrar” de Jesus, enquanto os gregos queriam conhecê-lo (Jo 12, 20-21).

Marta é eficiente, faz muitas coisas e se encarrega dos serviços, mas “reclama” e “cobra” uma postura da irmã. Agir assim é correto ? Não seria mais justo fazer como Maria fez ? Muitas coisas, ainda que bem feitas, perdem o seu valor quando realizadas com má vontade ou sentimento de obrigação.

Segundo Mazzarolo, há pessoas que fazem muito nas igrejas e se sentem os donos do pedaço, mas falta o principal : o acolhimento aos que se apresentam, não são afetuosas, simpáticas, carismáticas. Como diz o Papa Francisco são “fiscais da fé”. Onde está amor fraterno ? E em alguns casos, ainda temos o fator negativo do “clero” que também não contribui de forma positiva e se coloca em pedestais inalcançáveis.

As “Martas” são importantes, pois são elas que fazem acontecer muitas coisas na prática, mas elas precisam ter o sentimento de “acolhida” das “Marias”, visto não serem elas as únicas que encontram dificuldades.

Conclusão :

Comparemos a passagem com uma “lavoura”, onde você colhe aquilo que você planta. Marta, nesse caso, não seria o momento do “plantio”, quando você semeia a plantação ? Maria, não seria, então, o momento da “colheita” que faremos na Casa do Pai ? Afinal, o Reino é o “já e o ainda não”.

Assim finalmente, em nossa opinião, entendemos que Marta significa a ação, Maria significa a contemplação e Jesus ?

Jesus significa a MISSÃO.

Bibliografia :

- Evangelho de Lucas 10, 38 - 42

- Da Esperança à Vida Plena, Lina Boff

- Sermões de Santo Agostinho – 203 e 204

- Revista Bíblica – Portugal

- Estudos Bíblicos vol. 28, n. 109 - texto de I. Mazzarolo

 

Leandro Cunha

junho de 2.013