A lembrança de Antonio Maia
Deveríamos ser mais atentos à trajetória das nossas amizades. Que dirão vocês se eu lhes disser que privei, durante muitos anos, da amizade de Antonio Maia, mas já não lembro em que ano o conheci (sei apenas que foi na década de 70, no Mosteiro de São Bento) e nem em que ano ele faleceu?
Ficaram como recordações alguns livros que ele me deu, como fazia generosamente com os amigos, ele que custeava do próprio bolso as suas edições, escritor pobre e sem editora que o bancasse. Congregado mariano — e por isso assinava Antonio Maia, c.m. — dedicou-se a vida inteira à catequese, à sincera e dedicada divulgação da fé católica. Era irmão do cantor Tim Maia, embora levassem vidas completamente diferentes. E mesmo sendo menos conhecido que o célebre irmão, Antonio Maia, como escritor, poderia se perpetuar muito mais tempo, se os seus livros pudessem ser encontrados em livrarias ou sebos, se alguém se interessasse em reeditá-los.
Eu o visitei, muitas e muitas vezes. O contrário é que não se deu, pois Maia era avesso a sair de casa, deslocar-se. Tivemos muitas conversas que giravam em torno da situação da fé católica no Brasil e no mundo. Maia sempre defendeu a religião católica em sua pureza integral. Ele era, aliás, bem o tipo que os homens maus costumam xingar de “reacionário”. E, de resto, uma pessoa de refinada civilização, um homem boníssimo.
Reli agora um dos seus livros: “Ideal celeste”. Parece mais uma revista, por falta de lombada. É um opúsculo que debate a modificação do hino das congregações marianas.
O que aconteceu é que elementos da ala falsamente intitulada de “progressista” alteraram a letra tradicional. O pior que fizeram estava no segundo verso: originalmente cantava-se: “Dum ideal celeste seguimos os encantos”, e virou: “Grande ideal humano, construir um mundo novo”. Ou seja, trocaram a transcendência pela imanência! Antonio Maia revoltou-se contra isso, e com razão: “É demais! É a humanização, a propalada promoção do homem, geralmente em detrimento do sagrado, a prioridade do social, relegando-se o espiritual (...)”.
Maia era uma fábrica de livros que, hoje, não se encontram nem em livrarias nem em sebos. Entre eles, “A Missa”, “A Missa agora é assim”, “Cânticos do claustro”, “Pequeno dicionário católico” e muitos outros, inclusive uma história da Tijuca — onde ele morava em modesto apartamento — em oito volumes, dos quais o autor só conseguiu editar o primeiro.
Além disso, colaborou num sem-número de publicações, desde jornais comunitários — como “O Catumbi” e “Jornal da Tijuca” — até revistas como “A Ordem” ou jornais católicos como “O lutador”, de Belo Horizonte, e o “Lar católico” de Juiz de Fora. Se ele não tiver reunido todas essas publicações, coligir agora o que não saiu em livro será praticamente impossível.
Na década de 90 minha vida passou por grandes mudanças e fui morar longe da Tijuca; minha mãe atravessava a sua fase terminal, e eu perdi contato com muitos amigos. Minhas visitas ao Maia cessaram, e nem me lembro quando falei com ele pela última vez, ao telefone. Um belo dia soube, por sua esposa, que ele morrera. Deus o chamara.
Nem sempre as amizades extrapolam da pessoa para a família. Ainda tentei manter algum contato com os familiares de Maia, através de cartas, mas sem êxito. Creio que o próprio telefone havia mudado. Passados alguns anos, resolvi procurar a viúva; tinha uma pergunta a fazer. Aproveitei um feriado e arrisquei uma passada naquele apartamento onde, outrora, tantas vezes fôra recebido. A esposa do escritor recebeu-me na porta, alegando indisposição. Eu não tinha o direito de me queixar: cada um de nós recebe a quem quiser em sua casa. Mas havia a minha pergunta, sobre o patrimônio literário que Antonio Maia deixara — e, prolífico como era, provavelmente seus textos inéditos dariam para montar vários livros.
Ela explicou-me que todo o acervo fôra entregue à Congregação Mariana. Maia era profundamente devoto de Nossa Senhora e dedicado á congregação. Talvez tenha sido a melhor solução.
Despedi-me e fui embora, para sempre, daquele apartamento onde o meu amigo habitara por décadas. E, como a vida sempre nos ocupa com novidades, a lembrança dos amigos que se foram acaba se tornando vaga.
Mesmo assim, quando às vezes me lembro de Antonio Maia, fico pensando no destino do seu legado cultural, se algum dia ele voltará a ser publicado com reedições ou obras inéditas.
Deveríamos ser mais atentos à trajetória das nossas amizades. Que dirão vocês se eu lhes disser que privei, durante muitos anos, da amizade de Antonio Maia, mas já não lembro em que ano o conheci (sei apenas que foi na década de 70, no Mosteiro de São Bento) e nem em que ano ele faleceu?
Ficaram como recordações alguns livros que ele me deu, como fazia generosamente com os amigos, ele que custeava do próprio bolso as suas edições, escritor pobre e sem editora que o bancasse. Congregado mariano — e por isso assinava Antonio Maia, c.m. — dedicou-se a vida inteira à catequese, à sincera e dedicada divulgação da fé católica. Era irmão do cantor Tim Maia, embora levassem vidas completamente diferentes. E mesmo sendo menos conhecido que o célebre irmão, Antonio Maia, como escritor, poderia se perpetuar muito mais tempo, se os seus livros pudessem ser encontrados em livrarias ou sebos, se alguém se interessasse em reeditá-los.
Eu o visitei, muitas e muitas vezes. O contrário é que não se deu, pois Maia era avesso a sair de casa, deslocar-se. Tivemos muitas conversas que giravam em torno da situação da fé católica no Brasil e no mundo. Maia sempre defendeu a religião católica em sua pureza integral. Ele era, aliás, bem o tipo que os homens maus costumam xingar de “reacionário”. E, de resto, uma pessoa de refinada civilização, um homem boníssimo.
Reli agora um dos seus livros: “Ideal celeste”. Parece mais uma revista, por falta de lombada. É um opúsculo que debate a modificação do hino das congregações marianas.
O que aconteceu é que elementos da ala falsamente intitulada de “progressista” alteraram a letra tradicional. O pior que fizeram estava no segundo verso: originalmente cantava-se: “Dum ideal celeste seguimos os encantos”, e virou: “Grande ideal humano, construir um mundo novo”. Ou seja, trocaram a transcendência pela imanência! Antonio Maia revoltou-se contra isso, e com razão: “É demais! É a humanização, a propalada promoção do homem, geralmente em detrimento do sagrado, a prioridade do social, relegando-se o espiritual (...)”.
Maia era uma fábrica de livros que, hoje, não se encontram nem em livrarias nem em sebos. Entre eles, “A Missa”, “A Missa agora é assim”, “Cânticos do claustro”, “Pequeno dicionário católico” e muitos outros, inclusive uma história da Tijuca — onde ele morava em modesto apartamento — em oito volumes, dos quais o autor só conseguiu editar o primeiro.
Além disso, colaborou num sem-número de publicações, desde jornais comunitários — como “O Catumbi” e “Jornal da Tijuca” — até revistas como “A Ordem” ou jornais católicos como “O lutador”, de Belo Horizonte, e o “Lar católico” de Juiz de Fora. Se ele não tiver reunido todas essas publicações, coligir agora o que não saiu em livro será praticamente impossível.
Na década de 90 minha vida passou por grandes mudanças e fui morar longe da Tijuca; minha mãe atravessava a sua fase terminal, e eu perdi contato com muitos amigos. Minhas visitas ao Maia cessaram, e nem me lembro quando falei com ele pela última vez, ao telefone. Um belo dia soube, por sua esposa, que ele morrera. Deus o chamara.
Nem sempre as amizades extrapolam da pessoa para a família. Ainda tentei manter algum contato com os familiares de Maia, através de cartas, mas sem êxito. Creio que o próprio telefone havia mudado. Passados alguns anos, resolvi procurar a viúva; tinha uma pergunta a fazer. Aproveitei um feriado e arrisquei uma passada naquele apartamento onde, outrora, tantas vezes fôra recebido. A esposa do escritor recebeu-me na porta, alegando indisposição. Eu não tinha o direito de me queixar: cada um de nós recebe a quem quiser em sua casa. Mas havia a minha pergunta, sobre o patrimônio literário que Antonio Maia deixara — e, prolífico como era, provavelmente seus textos inéditos dariam para montar vários livros.
Ela explicou-me que todo o acervo fôra entregue à Congregação Mariana. Maia era profundamente devoto de Nossa Senhora e dedicado á congregação. Talvez tenha sido a melhor solução.
Despedi-me e fui embora, para sempre, daquele apartamento onde o meu amigo habitara por décadas. E, como a vida sempre nos ocupa com novidades, a lembrança dos amigos que se foram acaba se tornando vaga.
Mesmo assim, quando às vezes me lembro de Antonio Maia, fico pensando no destino do seu legado cultural, se algum dia ele voltará a ser publicado com reedições ou obras inéditas.