A Lei de Moisés: uma abordagem discreta.

É sabido que as leis têm como função regular as relações em sociedade. Apesar do rigor e frieza das leis humanas, percebe-se que, ao legislar, o homem mantém em seus códigos certa gradação na punibilidade de acordo com o potencial ofensivo de eventual infração à lei estabelecida. É outro modo de dizer que “cada caso é um caso”. Assim o era o Código de Hamurábi e também a Lei Mosaica.

Entretanto, há alguns códigos que não consideram as variantes sob determinadas situações. Ninguém pode, por exemplo, alegar desconhecimento de determinada lei e assim declarar-se inimputável, ainda que, de fato, não esteja cônscio do referido ato. Assim prevê a Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro:

Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Dec Lei 4.657 de 04/09/1942

Faz-se necessário o artigo a fim de que ninguém, em uso de má-fé, venha a esquivar-se de punição prevista. No campo bíblico, ou teológico, observa-se que no Antigo Testamento o preceito era igualmente observado. A lei estabelecida por Deus através de Moisés deveria ser observada cabalmente, sendo punido aquele que, mesmo desconhecendo-a, transgredisse alguns de seus preceitos. O exemplo clássico se encontra no segundo livro do profeta Samuel (6:1-7). Davi, depois de retomar Arca da Aliança das mãos dos filisteus, coloca-a sobre um carro de bois novo (a intenção era a melhor), e põe Uzá e Aiô, filhos de Abinadabe para conduzi-la até Jerusalém. Em dado momento, o carro tropeça ameaçando derrubar a Arca, e, Uzá toma a atitude mais óbvia segurando-a com as mãos. Estava ele assim assinando sua sentença de morte. Deus o matou ali mesmo. Por quê? Porque Deus já havia determinado que somente os coatitas, raiz da família dos levitas, poderiam transportar a Arca e mesmo assim, não poderiam levá-la sobre carro algum, mas levá-la aos ombros utilizando-se dos varais que nela continham. (Nm 7:9)

O texto diz que Davi ficou desgostoso com o que aconteceu a Uzá mas o que ele deveria ter feito era ter lido a lei de Moisés a respeito do transporte da Arca, pois era obrigação do rei ler os estatutos de Deus e praticá-los.

—Quando o rei começar a governar, mandará fazer uma cópia da lei de Deus que está no livro guardado pelos sacerdotes levitas. Ele deverá ficar com essa cópia e todos os dias da sua vida lerá a lei, para que aprenda a temer o SENHOR, nosso Deus, e para que sempre obedeça fielmente a todas as leis e a todos os mandamentos. Se fizer isso, ele não irá pensar que é mais do que os outros e cumprirá fielmente todas as leis. (NTLH Dt 17: 18-20)

Há, também na Bíblia, outra passagem bastante interessante em que a lei retroage para punir, algo inconcebível no Direito Brasileiro. O texto relata que uma israelita de nome Selomita teve um filho com um egípcio. O filho mestiço, ao contender (discutir) com um israelita, amaldiçoou e blasfemou do nome do Senhor. Quando trazido o caso a Moisés, constatou-se que não havia lei que discorresse sobre o tema, apesar da gravidade da situação. Moisés aprisionou o homem e aguardou a orientação de Deus. O registro bíblico relata que Deus decretou que neste caso e em outros semelhantes, seria aplicada a pena de morte por apedrejamento. (Lv 24: 10-16)

Logo, o que se vê é que há paralelos entre o código mosaico e o direito moderno, mas há pontos em que eles, absolutamente, não se confundem. É relevante informar que as regras de Moisés visavam, além de ordenar a vida civil e religiosa do povo judeu, a chamar a atenção das demais nações para o estatuto mais justo de que se tinha notícia. O modo apaixonado com que Moisés defendia as leis estabelecidas por Deus nos chama a atenção:

Como o SENHOR, meu Deus, me ordenou, eu lhes tenho ensinado as leis e os mandamentos que vocês deverão guardar na terra que vão invadir e que vai ser de vocês. Portanto, obedeçam fielmente a todas essas leis, e assim os outros povos verão que vocês são sábios e inteligentes. Quando ouvirem falar dessas leis, eles dirão: “Como é sábio e inteligente o povo dessa grande nação!” (NTLH Dt 4: 5-6)

Com o advento da Graça (o Favor Imerecido de Deus), os homens criaram certa ojeriza à lei de Moisés, acreditando ter a Lei uma carga de maldição que impedia a observação ou qualquer paralelo com o disposto na nova dispensação. É claro (e não Vivo, ou Oi, ou Tim) que a lei cerimonial foi abolida juntamente com a lei civil e à igreja não compete qualquer tentativa de guarda do que ali se vê. Mas, dentro do compêndio a que denominamos Lei, estão também a s leis morais que, de modo algum, foram removidas.

Mesmo sem conhecer a Graça - infinitamente superior à Lei – o salmista canta “...terei prazer nos teus decretos; não me esquecerei da tua palavra...” (Sl 119:16). De igual modo, Paulo ratifica que

Por conseguinte, a lei é santa; e o mandamento, santo, e justo, e bom. Acaso o bom se me tornou em morte? De modo nenhum! Pelo contrário, o pecado, para revelar-se como pecado, por meio de uma coisa boa, causou-me a morte, a fim de que, pelo mandamento, se mostrasse sobremaneira maligno. Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. (RA Rm 7:12-14)

De modo nenhum nossa intenção é voltar à Lei – o que consistiria em equívoco grave – pois, Paulo nos diz que

Todos quantos, pois, são das obras da lei estão debaixo de maldição; porque está escrito: Maldito todo aquele que não permanece em todas as coisas escritas no Livro da lei, para praticá-las. E é evidente que, pela lei, ninguém é justificado diante de Deus, porque o justo viverá pela fé. Ora, a lei não procede de fé, mas: Aquele que observar os seus preceitos por eles viverá. (Gl 3: 10-12)

O que nos importa é perceber que, mesmo invalidada, a lei de Moisés muito acrescenta ao estudo da Palavra a respeito do caráter de Deus, bem como do uso de suas prerrogativas. Lembrando sempre que “... tudo que dantes foi escrito para nosso ensino foi escrito, para que, pela paciência e consolação das Escrituras, tenhamos esperança. (Rm 15:4).

“Analisar o passado é entender o presente e preparar-se para o que nos espera no futuro”