É PRECISO UM OLHAR DE MISERICÓRDIA...

Lançar um olhar sobre a miséria humana é procurar ver com os olhos da alma, do coração a condição de quem se aproxima de nós ou nos aproximamos deles. Na parábola do bom samaritano, um sacerdote, homem do Altar, passando por certa localidade, viu um homem ferido caído ao chão, mas decidiu seguir adiante pelo outro lado sem socorrê-lo; de igual modo, um Levita, homem da Palavra, viu aquele mesmo ferido, mas esquivou-se dele também sem o socorrer. Um samaritano, isto é, um homem de Samaria, que não fazia parte do povo de Deus, viu aquele homem agonizante e teve compaixão dele, socorre-o e deu-lhe toda assistência necessária para que se recuperasse. E Jesus concluiu sua parábola a respeito de quem é o nosso próximo, dizendo a um fariseu que o havia indagado sobre isso: “Vai, e faze tu o mesmo” (Lc 10,37b).

Todos nós recebemos de Deus no batismo as graças necessárias para vermos os outros conforme a necessidade que nos se apresenta ou que apresentamos a eles. Porque, ao nos aproximarmos de alguém, há sempre a possibilidade de dar ou receber seja lá o que for. Às vezes, dada a urgência da necessidade, cada um busca algo que a supra, seja no campo material ou afetivo. Por exemplo, há os que só buscam tirar vantagens materiais dos outros se aproveitando da ingenuidade ou mesmo da generosidade deles; há também os se apegam aos outros se deixando levar pelo sentimento de possessividade, impedindo, com isso, um bom relacionamento ou até mesmo atrapalhando a vida do outro, etc. No entanto, as abordagens se dão a partir do estado de alma em que cada um se encontra. Ora, nós vivemos numa sociedade tão individualista, preconceituosa e violenta que procuramos ver os outros já com um pé atrás, isto é, desconfiados ou como inimigos, se não temos convivência com eles.

Pensando bem, não podemos seguir as regras esdruxulas dessa sociedade hodierna, quase que totalmente desprovida dos valores cristãos que devem nortear nossa vida. De fato, precisamos lançar um olhar de misericórdia sobre essa nossa sociedade enferma pelo secularismo estéril, repleta de ativismos infames, que chega até descaracterizar e corroer a natureza humana. Pois, só os que se deixam curar pela misericórdia divina é que podem transmitir o que receberam a partir da gratuidade de sua fé, visto que, estes também se deixam conduzir pelo Espírito Santo de Deus, como bem enfatizou São Paulo na sua carta aos Romanos (cf. Rom 8,12-14).

Quanto àqueles que de certa forma se aproximam de nós só para tirar algum proveito ou até nos agredir, precisamos agir em Deus, para termos um discernimento apropriado, de modo que cada um assuma a postura de alguém que precisa reativar os valores eternos recebidos no batismo, se são batizados, e que talvez se encontrem adormecidos pela falta de prática da fé. Certamente nenhum de nós é a solução material para os outros, todavia, podemos ajudá-los a encontrar não somente essa solução, mas principalmente a solução para a sua vida diante de Deus, ou seja, para melhorar, quem sabe, o estado precário de sua alma e de sua vida, como aconteceu com o bom samaritano que teve compaixão do homem ferido à beira do caminho.

Revendo essa parábola, precisamos entender que, o que é fundamental num encontro é que este seja um encontro com Cristo: “Quando fizestes ao menor dos meus irmãos, foi a mim que o fizeste”. Podemos até dizer da dificuldade de se fazer hoje em dia um encontro como esse; mas, se antes eu não me encontrar pessoalmente com o Senhor na minha oração e nos sacramentos, especialmente a Eucaristia, tão pouco poderei encontrá-lo caído à beira do caminho na pessoa do próximo, seja qual for sua condição existencial. Isto porque cada um só dá o que tem. Ora, se vivo em Cristo, então, tudo faço movido por ele.

Portanto, em nossa piedade e penitência, podemos dizer que vivemos muito próximo do Senhor, mas é preciso caminhar com Ele e sentir o nosso coração arder como ardia o coração dos discípulos de Emaús. Assim podemos afirmar que convivemos com o Cristo ressuscitado, porque Ele arde nas entranhas de nossas almas, como afirmava São Paulo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim” (Gal 2,20). Ora, se Ele vive em mim, é possível por Ele, vê-lo na pessoa do próximo, mas isto só se dá quando permanecemos Nele e lançamos um olhar de misericórdia sobre o próximo e a situação em que se encontra; sem isto, de fato, nos sentimos inseguros e incapazes de qualquer boa ação.

Paz e Bem!

Frei Fernando Maria,OFMConv.