POR QUE DEUS NÃO EXISTE? II

POR QUE DEUS NÃO EXISTE? II

(Contra-argumentos aos comentários de Israel Rozário)

Caríssimo leitor,

Tive a honra de receber alguns comentários do Sr. Israel Rozário (veiculados em sua própria escrivaninha neste RL) a respeito do nosso ensaio “Por que deus não existe?”. Assim sendo, cumpre-me fazer alguns esclarecimentos sobre os tópicos por ele abordados, o que pretendemos fazer de forma respeitosa, para não incorremos na falácia “ad hominem”, argumento retórico que, não possuindo base lógica, procura negar uma proposição apelando para a difamação do autor, a qual foi recorrentemente utilizada por nosso crítico.

Bem, iniciamos nossa exposição, no citado ensaio, com o seguinte parágrafo:

(Por que deus não existe?)

Por que deus não existe? Será que existe uma resposta satisfatória? Dentre as várias possibilidades, vamos tentar uma linha de resposta mais sucinta. Bem, deus é considerado, sobretudo, o criador de tudo. Além disso, Deus (com “D” maiúsculo) como Grande Pai, já teria consciência de tudo, ou seja, trata-se de um Ser onisciente, que tudo sabe, que tudo vê, desde sempre. E é com base nessa onisciência que Ele teria um “Plano” para cada um de nós. Ok. Então, temos algo que poderia ser o nosso “incontestável” e “infalível” ponto de partida: a consciência. Por quê? Porque sem ela não há que se falar de deus. Imagine, um deus que não sabe de nada! Como poderia ter criado TUDO etc, etc, etc?

Nesse ponto, nosso comentador inicia sua manifestação:

Comentários de Israel Rozário:

“Bem, antevejo tendenciosamente (como dirão meus detratores), já a essa altura, o surgimento de um ‘probleminha’ nessa abordagem do objeto considerado, no entanto prefiro não mencioná-lo ainda, seja porque o leitor atento o perceberá sem grande esforço, seja porque minha curiosidade pelo desenvolvimento do argumento me instiga a fazer certa concessão ao articulista a fim de não julgarmos, equivocadamente e de forma precipitada, o que pode vir a se tornar algo bem interessante.

Prossigamos, pois, em nosso incomensurável otimismo, paciente leitor.”

Pacine/ contra-argumentos:

Conforme se observa, logo no primeiro parágrafo, o nosso comentador já demonstra a sua disposição à ironia, e vai preparando o terreno, mostrando sua argúcia em detectar, de plano, um ‘probleminha’, mostrando a sua superioridade moral e intelectual. Além disso, caracterizando sua índole por seu senso de justiça que não o permite fazer julgamentos precipitados, e pela sua generosidade, ele abre a concessão para que o ensaio prossiga, contando, é claro, com seu incomensurável otimismo e com a paciência do leitor [na persistência da leitura de um ensaio que já se prenuncia tão fraquinho].

Como dissemos, se esse primeiro comentário já não se trata de uma categórica falácia “ad hominem”, estamos diante, pelo menos, de uma carga emocional tamanha que, no geral, contamina a possibilidade de análise racional dos fatos e dos argumentos. Aliás, mais um dos 'problemas' de deus e da “crença”: cegar as pessoas.

A seguir, com o beneplácito do comentador, mais alguns parágrafos do ensaio comentado são ‘liberados’, provavelmente para o deleite do leitor, chegando no seguinte ponto:

(Por que deus não existe?)

[...] Não existe consciência isolada, pois consciência pressupõe e só pode ser uma representação da pluralidade. Assim, não há como se conceber uma consciência pura, fora do mundo, ou, pior, anterior a tudo.

Israel Rozário / comentários:

Era o que eu temia! A ‘definição pronta e acabada’, que apesar de suas ‘dificuldades’ acaba por ser esfregada em nossa cara de qualquer modo, um exemplar ‘Vai-Assim-Mesmo’ retórico sem gentileza nem lubrificante.

Pacine/ contra-argumentos:

Não fizemos uma definição de “consciência”, o que fizemos foi simplesmente afirmar que a consciência ocorre em seres humanos (mas não descartamos, alguns parágrafos abaixo, que os animais possam ter algum grau de consciência) e que, simplesmente, sua constituição decorre de um longo processo histórico. Ora, isso não é definição. Veja você mesmo leitor que a distorção do comentador não faz sentido. O que dissemos foi:

“[...] sabemos das dificuldades referentes a uma “definição” pronta e acabada. Mas o que podemos começar a dizer é que a consciência se trata de uma faculdade eminentemente humana, proveniente de um longo processo histórico e plural.”

Aliás, talvez o crítico pudesse nos alfinetar em outro ponto, quando alegamos que “[...] pode-se dizer que a “substância” da consciência é a linguagem”. Porém, estamos falando de um atributo superior da consciência que é a reflexão, conforme os estudos mais respeitados da ciência, vejamos:

“[...] Mas como inferir se [os animais] têm autoconsciência? A teoria mais aceita é que essa propriedade é fruto da evolução do sistema nervoso e só teria sido obtida com o aumento do cérebro – e o surgimento da linguagem. Foi no Homo sapiens que o córtex, camada superior do cérebro, atingiu seu desenvolvimento máximo. E é justamente essa área a responsável por atividades mentais consideradas “nobres”, como consciência, linguagem e raciocínio. O nosso córtex, contudo, é só a versão mais exagerada de uma tendência que já pode ser detectada entre outras criaturas do grupo dos mamíferos.” (SUPERINTERESSANTE, 2008)

Israel Rozário / comentários:

Até aqui, o autor parte para a constatação da inexistência de Deus – de antemão proposta como fato – baseado em um de Seus atributos, a onisciência, tomada como hipótese, claro, em detrimento dos demais (onipotência, onipresença e eternidade, entre outros), o que pode ser um complicador e tanto, mas vá lá.

Perguntas: Qual o critério usado para tal procedimento e por que a onisciência teria esse status de destaque em relação aos demais aspectos da divindade?

Pacine/ contra-argumentos:

Que ótimo! Ainda bem que ele perguntou... Simplesmente, porque os “Seus” (com a deferência da letra maiúscula) demais atributos não são fenomenológicos. Assim como a “força” (em si) não pode ser percebida, salvo quando em ATO, isto é, em movimento, a “potência” também não, nem a onipotência, a onipresença ou a eternidade... Em outras palavras, essas noções são metafísicas, não podem ser capturadas pelos sentidos. Logo, o único atributo que 'dizem' que deus possui e que é fenomenológico, isto é, que se manifesta no mundo, é a consciência. Então, sobre ela nós podemos nos debruçar, estudar, analisar, e, por fim, descartar a sua substancialidade “por si mesma”.

Outra coisa, apesar de minha opção pela consciência, essa não é a única via de refutar a existência de deus. Por isso, escrevi logo nas primeiras linhas do ensaio o seguinte: “Por que deus não existe? Será que existe uma resposta satisfatória? Dentre as várias possibilidades, vamos tentar uma linha de resposta mais sucinta.” É isso, eu peguei apenas uma das vias: a que me parece mais sucinta.

E quais seriam as outras vias? Bem, no geral é somente quando os “crentes” apontam para alguma característica fenemenológica de deus que se pode refutá-los. Enquanto deus for apresentado como o “Não-Ser” (Ein Soph), o inefável, o invisível, a onipotência, o transcendental, fica difícil de refutar, porque não há nada o que dizer sobre isso. Mas quando apontam para algo mundano – Pronto! –, temos “objeto” para trabalhar. E é claro, esses atributos divinos nunca resistem a um exame.

Nesse particular, parece que nosso crítico tem uma percepção de deus meio híbrida (meio deísta, meio teísta). Deus seria para ele transcendental, mas, paradoxalmente, também repleto de manifestações mundanas ou milagrosas. Não sei. Vejamos o que ele diz:

Israel Rozário / comentários:

“Apenas me ocorre o nome pelo qual os cabalistas medievais referiam-se a Deus, Ein Soph, o Não-Ser, aquele que por definição transcende as estruturas de nosso próprio discernimento.”

Pacine/ contra-argumentos:

Não sei se é mera citação ou se ele realmente acredita nisso (?). Logo depois ele diz:

Israel Rozário / comentários:

“Numa perspectiva estritamente teológica a consciência é um dos elementos que só Deus pode conferir aos homens, assim como o senso estético, emoções e moral. Não há, por exemplo, prova científica da existência desses elementos. São aceitos como evidências da revelação geral de Deus ao homem. A proposta do articulista, no entanto, nada tendo de teológica (pelo contrário), por algum motivo acaba por trazer à cena motivos da plausibilidade da hipótese divina.”

Pacine/ contra-argumentos:

Pois é, para ele deus confere aos homens o senso estético, as emoções e a moral. Não é milagroso? E mais, “não há prova científica da existência desses elementos”. Ora, o que não existe é a “substancialidade” do senso estético, das emoções e da moral. Claro que não, não se tratam de “essências”, ou de algo que possa ser dissecado em laboratório. Todos esses elementos fazem parte da consciência, se desenvolveram historicamente, estão instalados nas relações humanas, plurissubjetivas e com o mundo. E também são expressões culturais de cada época, de cada povo. Manifestações totalmente plurais. Como poderiam ser “conferidas” por deus? Isso é puro dogma.

Agora como dizer que não há prova da existência desses elementos instalados na sociedade? Então, não existe CULTURA? Ninguém que pensa, que sente, que reage... Será que estamos numa Matrix?

Mas, nosso crítico não para por aí. Pior ainda, ele diz que esses elementos “são aceitos como evidências da revelação geral de Deus ao homem”. E, por isso, o meu ensaio que era “Por que deus não existe?”, “por algum motivo acaba por trazer à cena motivos da plausibilidade da hipótese divina.” Dogma, dogma e dogma. Não há demonstração de nada. Só sofística erística.

Mas, há outra coisa que também pode ser objeto de estudo e de refutação das “provas da existência de deus”, a saber, os sistemas filosófico-teológicos, que pretendem “provar”, pela via argumentativa, a existência de deus. Mas, isso é por demais antigo, vem desde “o mundo das idéias” de Platão, passando pelo “motor imóvel” de Aristóteles, até encontrar terreno fértil na idade média e tal.

Para não deixar passar em branco, fiz um trabalho desse tipo refutando os argumentos de Santo Anselmo, para quem se dispor, o link está postado nas referências abaixo.

Entretanto, não vou entrar por essa via pois, como disse, prefiro algo mais sucinto. Mas se o leitor quiser há muito o que examinar, desde o paradoxo de Epicuro (problema do mal) até a pá de cal de Kant, na Crítica da razão pura.

Outra via seria a refutação de "doutrinas" como o faz Bart Ehrman, que, na condição de um dos maiores teólogo do mundo, chegou à conclusão de que a Blíblia não tem inspiração divina (vide a obra “O que Jesus disse, o que Jesus não disse), pelo contrário, ela tem mais interpretações que palavras.

Ah! Eu ia me esquecendo, o tal “Design Inteligente” e o “princípio antrópico” também seriam teorias “científicas” que “provam” a existência de deus. Não é preciso dizer que já foram totalmente refutadas, basta pesquisar. Aliás, a metafísica não tem cabimento como ciência desde Kant.

Outra coisa importante, meu ensaio foi publicado na parte de teologia/religião por que trata sobre o tema, realmente eu não sou teólogo, e nem pretendo estudar um “objeto” que para mim não existe.

E nosso crítico prossegue:

Israel Rozário / comentários:

“[...] Infere que o que caracteriza fundamentalmente Deus é a consciência e a partir daí conceitua e define consciência a despeito das já alegadas ‘dificuldades’. A rigor o mais humilde objeto inanimado é necessariamente consciência, ainda que em estado passivo, que se atualiza toda vez que tomamos contato com sua realidade, através da percepção que temos de sua presença, estrutura, propriedades, etc. Segundo a linha de raciocínio adotada pelo articulista, Deus e a caneta com que rascunho essas linhas possuem mais em comum que poderíamos imaginar, leitor perspicaz.

E aqui o ‘probleminha’ vem à tona: a consciência tomada como elemento através do qual eventualmente possamos chegar a alguma percepção de Deus é uma péssima, senão a pior das escolhas, por um motivo muito claro: a noção que temos da consciência é por demais especulativa para lograr êxito na empresa proposta, qual seja, definir a partir da natureza de Deus a sua existência ou impossibilidade de ser.

[...] Nunca demais lembrar que conforme exposto pelo articulista até o momento:

- Deus é um ser. (eu disse isso?)

- Deus não existe.

E não existe por que? Segundo o que nos informa:

- Consciência é uma faculdade humana.

- Deus, obviamente, não é humano.

- Deus, portanto, não pode ter consciência.

- Se Deus não tem seque consciência, que dirá onisciência, não pode ser criador.

- Logo, Deus não existe.

Perfeito!!! Parabéns pela síntese!!! Assino em baixo.... (Pacine)

O erro é obsceno: ao restringir a ‘consciência’ aos limites da realidade finita o autor acaba mutilando de forma letal o feto de um argumento que acenava esperançoso, fraquinho é verdade, mas com suas ambições de vir a ser. Daí por diante nada mais vai coerir a não ser que se ignore solenemente que tudo é consciência, o fato de a consciência não estar presente em mesmo grau e teor em seres diversos não significa, absolutamente, que apenas alguns seres sejam consciência e outros não.

Pacine/ contra-argumentos:

Pois é, como podem ver, para o nosso crítico TUDO é consciência, uma pedra, uma lesma, a poeira cósmica... Acho que posso fazer uso de suas próprias palavras “pura masturbação intelectual”... Berkeley se sentiria em casa!

Pois é, continuo afirmando, deus não existe, mas causa muitos problemas!

Ah! Ainda temos as duas últimas frases de desfecho de nosso crítico, o qual, em cima de sua glória inatingível, profere o brado de vitória: mais alguém?

Israel Rozário / comentários:

O que não deixa de ser lamentável em se tratando de uma estréia.

Próximo!

Referências:

ROZÁRIO, Israel. Comentário sobre o texto ‘porque deus não existe’. Disponível em < http://www.recantodasletras.com.br/pensamentos/4159323 > acesso em 05/03/2013.

PACINE, David. POR QUE DEUS NÃO EXISTE? Disponível em < http://www.recantodasletras.com.br/artigos/4157633?fb_action_ids=583029625060164&fb_action_types=og.recommends&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582 > acesso em 05/03/2013.

PACINE, David. POR QUE DEUS NÃO EXISTE? Disponível em < http://www.recantodasletras.com.br/artigos/4157633?fb_action_ids=583029625060164&fb_action_types=og.recommends&fb_source=aggregation&fb_aggregation_id=288381481237582 > acesso em 05/03/2013.

SUPERINTERESSANTE. Porque os humanos têm consciência? Disponível em < http://super.abril.com.br/ciencia/humanos-tem-consciencia-447584.shtml > acesso em 05/03/2013. (2008)

David Pacine
Enviado por David Pacine em 05/03/2013
Reeditado em 05/03/2013
Código do texto: T4172526
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