DEUS PODE TUDO ?

Li, num fórum evangélico, uma interessante pergunta: "Pode Deus fazer uma pedra tão pesada que ele mesmo não possa carregar?" A sinuca filosófica é que ambas as respostas possíveis parecem incompatíveis com a onipotência divina. No entanto, convido os leitores interessados no tema a opinar quanto a se consideram esclarecedora a resposta abaixo, inspirada em alguns artigos do site jw.org.

Sim, Deus pode fazer uma pedra que ele mesmo não possa carregar, desde que não a possa carregar por razões morais, e não por lhe faltar a onipotência. Se Deus, ao fazer determinada pedra, por mais leve que seja, afirmasse sobre ela: "Eu decido que jamais a carregarei", ele jamais poderia carregá-la porque não pode mentir nem negar-se a si mesmo. Óbvio está que ele tinha força para sustentar o peso da pedra, mas não a queria carregar para não se negar a si mesmo.

Um exemplo concreto de como Deus só pode tomar determinada ação depois de remover os eventuais entraves morais é a criação de seres com livre arbítrio, como os anjos e os homens. Muitos deles escolheram não se sujeitar à autoridade de Deus, tornando-se "satanás” ou “satanases” (que significa "opositores", "adversários") de seu criador. Deus não 'podia' tomar uma ação judicativa imediata contra eles porque, se o fizesse prematuramente, incorreria num comportamento que ele mesmo já definira como impróprio para si mesmo. Assim, o julgamento condenatório dos anjos rebeldes só poderá ser executado quando restar plenamente provada a inveracidade das acusações explícitas e implícitas que eles fizeram sobre Deus e sua maneira de governar o homem. Precisaria também ser demonstrado que o modelo de comportamento que eles implementaram na sociedade humana realmente fracassou, durante os seis mil anos de “mandato” do originador da rebelião, Satanás. Além disso, para legitimar a ação judicativa de Deus de destruir anjos rebeldes e condenar a uma segunda morte (ou seja, morte eterna, sem perspectiva de ressurreição), o modelo governamental de Deus (o iminente reino milenar de Jesus sobre toda a terra) terá de ser provado benéfico para a humanidade, pondo um fim a todos os seus problemas, inclusive a doença, a velhice e a morte (1 Cor 15:26-28).

A antítese também é verdadeira. Assim como não pode Deus aplicar punição sem a comprovação processual da culpa dos réus e da legalidade e justeza da punição, Deus também não 'pode' sustá-la a seu bel prazer, como se sua soberania estivesse acima de seus próprios compromissos assumidos e de seus próprios atributos essenciais.

Por exemplo, quando Deus afirmou ao primeiro homem, Adão, que, se o desobedecesse, “positivamente morreria” (Gênesis 2:17), renunciou expressamente a ter a opção de perdoá-lo, isentando-se da aplicação da sentença, pois, do contrário, não se mostraria veraz, e “Deus não pode mentir” (Tito 1:2). Embora tivesse o poder soberano de impor arbitrariamente sua decisão de não aplicar a sentença de morte e perdoar o casal desobediente, se o fizesse, negaria sua própria condição de Deus Verdadeiro. Além disso, forneceria argumentos para o fomentador da rebelião ser vindicado como verdadeiro, pois afirmou que Deus estava mentindo ao fazer tal ameaça e que o homem “certamente não morreria” (Gn 3:4).

Assim como “palavra de rei não volta atrás”, com muito mais razão, palavra de Deus também não volta. Desse modo, para possibilitar a vida eterna aos descendentes do primeiro casal humano, Deus não podia simplesmente perdoá-los, livrando-os do salário prometido - a morte. O que ele podia, para atingir o mesmo intento, era o que fez: depois de os pecadores sofrerem ao longo dos anos a pena de morte, ele os recriaria, do mesmo jeito que eram anteriormente, através da ressurreição. Com esse método, atinge Deus o mesmo objetivo de salvar a humanidade, sem negar sua condição de O Verdadeiro Deus.

Por que criou Deus homens e anjos capazes de desobedecê-lo? A fim de que se tornassem manifestos os dois tipos possíveis de seres com livre arbítrio: os aptos e os inaptos para a vida eterna. Os que se mostraram inaptos não podem reclamar, porque receberam o dom da vida por um bom tempo, não a perpetuando por sua própria vontade. Quanto aos aptos para a vida eterna, sofrem temporariamente com a rebeldia dos inaptos, inclusive a interrupção de sua vida com o sono da morte, mas por fim se beneficiam da própria rebeldia dos inaptos. Por que? Porque, depois de testados, tornam-se praticamente indesviáveis dali para frente, vez que restou empiricamente provado o único caminho a seguir para se ter vida e felicidade eterna: fazer a vontade de Deus por livre escolha e verdadeiro amor (Rom 9:22-24).

Deus, por sua vez, decidiu não saber antecipadamente quais de suas criaturas com livre arbítrio seriam desobedientes e se tornariam inaptas para a vida eterna. Não quis antecipadamente saber, por exemplo, se Adão e Eva iriam pecar; nem que determinado anjo os tentaria; nem que seria o apóstolo Judas, o Iscariotes, que haveria de traí-lo; nem a quais dos anjos ele também desviaria. O que Deus sabia com certeza é que os fez com a mesma capacidade tanto de se rebelar como de ser fiel a Deus. Salvo influências externas, isto corresponde a uma proporção virtual de exatos cinquenta por cento de possibilidade de uma criatura se inclinar para qualquer um dos dois sentidos possíveis. Por outro lado, a mais poderosa das influências externas é bem menos poderosa do que a capacidade de reação de uma criatura com livre arbítrio. Assim como o primeiro homem perfeito, Adão, optou pela desobediência, o segundo homem perfeito, Jesus, escolheu a obediência a Deus.

Embora tenha Deus evitado quase sempre conhecer antecipadamente, por razões éticas, a escolha de suas criaturas com livre arbítrio que criava, quanto a se trilhariam o caminho da vida ou o caminho da morte, sabia ele impossível nunca ocorrer qualquer das duas possíveis escolhas. Por que não? Porque é impossível se jogar uma moeda para o alto por bilhões de vezes de maneira que ela caia no chão sempre com a mesma face: cara ou coroa. Deus é capaz de criar seres com livre arbítrio que fujam a qualquer possibilidade de previsão. Ele é também capaz de escolher não investigar, por quaisquer outros métodos, quais os seres com livre arbítrio que ele criou que haveriam de se desviar no futuro, pois ele não é refém de sua própria onisciência, podendo optar por não fazer uso dela, quando considerasse esse procedimento moralmente adequado. Isto pode ser ilustrado por alguém que aluga um filme numa locadora e, embora tendo a capacidade de conhecer antecipadamente o final, assiste-o a partir do começo, porque considera este procedimento mais vantajoso. Sim, Deus pode fazer uma pedra tão pesada que ele mesmo não possa carregar.

Lúcio Gama
Enviado por Lúcio Gama em 18/01/2013
Reeditado em 06/02/2013
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