UMBANDA E CANDOMBLÉ: O SISTEMA MORAL DE RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS

“É preciso haver muita moral para que a umbanda progrida, seja forte e coesa” (Caboclo das Sete Encruzilhadas, 1971. – Mensagem gravada pela senhora Lilia Ribeiro – Diretora da TELUF).

INTRODUÇÃO

Saravá a todos os filhos de fé que professam as religiões afro-brasileiras como sendo a sua religião! Nos dias atuais, dias de preconceito e intolerância religiosa, é um ato corajoso professar que a sua matriz de fé é uma religião de origem afro-brasileira, neste caso, destaco o Candomblé e a Umbanda, sendo que esta última é uma religião genuinamente brasileira, porém com influência africana. Seguir as religiões afro-brasileiras é ter fé duas vezes, por isso, perseveremos.

Que Oxalá nos dê a Paz e Ogum a vitória! Salve todos os orixás!

UMA ABORDAGEM GERAL SOBRE A MORAL

É inegável que existe uma ordem moral no cosmos, e que os seres humanos também se relacionam com o universo e com as pessoas pautadas numa lei moral. A discussão sobre a moral não é nova, é algo que já vem sendo explanada há alguns séculos, e não somente na esfera da religião, mas das artes, da filosofia, da ciência, é, inclusive, um tema atual. Na Europa, por exemplo, alguns países discutem também do ponto de vista moral, a legalização drogas e da prostituição, assim como no Brasil, onde também se aborda a questão aborto irrestrito, da eutanásia, da pena de morte, dentre outros temas.

Mas afinal de contas, o que é Moral?

A moral é uma virtude exclusivamente humana, sendo um conjunto de valores derivados da sua capacidade de observação e julgamento sobre os acontecimentos que o cercam, dentre estes, os seus próprios atos. Esse conjunto de valores morais que o ser humano formula constitui a sua consciência moral, responsável por juízos automáticos sobre os mais diversos fatos que este vai observar ou praticar, julgando os tais como sendo bons ou maus.

Em outras palavras, poderia dizer que a moral é um modelo subjetivo de compreensão do mundo, e que o comportamento moral é a expressão prática dessa compreensão.

Muito já foi discutido sobre qual seria a origem da moral e sua real necessidade, diversos pensadores já dissertaram sobre o tema. Rousseau afirmava que o homem é bom por natureza, porém, a sociedade o corrompe; ou seja, a imoralidade humana era produto da vida em sociedade, e não da natureza individual dos homens, que segundo Rousseau, é boa. Nietzsche afirmava que a moral é uma espécie de dominação humana, onde se pregava uma suposta boa convivência em grupo (que chamou de rebanho) em detrimento do individuo e sua própria natureza. Nietzsche não tinha uma boa visão sobre a moral dominante na sociedade e propunha uma transvaloração. Kant dizia que a base da moral era a vontade humana. Afirmava o alemão que se o homem pode querer fazer o bem, então deve fazê-lo de qualquer forma, a isto deu o nome de imperativo categórico. Schoupenhauer afirmava que a razão do homem não era a principal condutora dos atos humanos, mas que estes eram dominados por sua vontade primitiva, e quase imperceptível. Sendo assim, falar numa moral derivada da utilização plena da razão, como ensinavam outros filósofos, não fazia muito sentido para o pensador. Freud dizia que a principal base da moral humana era derivada do seu superego, ou seja, formada pelos conceitos sociais aprendidos das figuras de autoridade com as quais conviveu durante a sua vida infantil. Nicolai Hartmann afirmava que existem dois mundos, um real e o outro ideal, e que a moral é justamente a tentativa de, pela liberdade humana, fazer com que os valores do mundo ideal atuem sobre o real.

Enfim, muitos outros pensadores dissertaram sobre a origem da moral, e praticamente todos fizeram assertivas verdadeiras acerca desta, ainda que não plenamente, mas, no mínimo, parcialmente. Refletir sobre a constituição e a necessidade da moral sempre foram, e continuará sendo, uma necessidade real da raça humana, pois se não houver uma ordem moral findaria a sociedade, pois a moral é um dos seus alicerces. Enfim, como já afirmado acima, não foram apenas os pensadores da filosofia e da psicologia que refletiram sobre a moral, a religião, de modo amplo, também abordou o assunto da moral, predominando, inclusive, na formação do mundo ocidental um dos tipos de moral decorrentes de uma religião, a cristã.

ESCRAVOS DO LIVRE ARBÍTRIO: O EXERCÍCIO DA MORAL HUMANA

O principal fundamento da moral é a Liberdade, porque só tem sentido julgar moralmente a ação de uma pessoa se essa ação foi praticada em liberdade. Quando não se tem liberdade (escolha), quando se é coagido a praticar uma ação, é impossível decidir entre o bem e o mal (consciência moral), pois a decisão é imposta pelas forças coativas. Por outro lado, quando estamos livres para escolher entre esta ou aquela ação, tornamo-nos responsáveis pelo que praticamos. É essa responsabilidade que pode ser julgada pela consciência moral do indivíduo ou do grupo social.

A liberdade é o maior fundamento da Moral, porém, a liberdade não deve ser confundida com o livre arbítrio. A liberdade é uma característica que o ser humano possui (ou deveria) e o livre arbítrio é um meio para realizar a liberdade, e um meio ambíguo. Se bem empregado mantém o homem em liberdade, se mal empregado escraviza. Por exemplo, o homem que abusa do álcool ou do sexo usa mal a sua liberdade, pois cai sob a tirania do vício.

Penso eu, que é justamente nesse ponto, chamado livre arbítrio, que começa a história da moral dentro das religiões, pois todas elas, ou quase todas, proclamam que o homem é dotado liberdade e pode utiliza-la de acordo com sua consciência moral, através do seu livre arbítrio, que poderá levá-lo a virtude espiritual ou afastá-lo dela.

A MORAL NO CANDOMBLÉ E NA UMBANDA: FUNDAMENTOS ESPIRITUAIS

Como abordado acima, a liberdade é o mais importante fundamento da moral no plano humano, porém, em se tratando da moral religiosa existente no Candomblé e na Umbanda há ainda outros fundamentos, os espirituais.

O primeiro a ser apontado é o reconhecimento de Deus como ser supremo e absoluto, que no caso destas religiões é Olorum, este, tendo criado os Orixás e transmitido a eles o domínio de determinadas áreas da natureza, governa o universo num sistema de leis espirituais onde se respeita a liberdade humana e o seu pleno exercício através o livre arbítrio.

Este reconhecimento de Deus e seu governo sobre o universo material e sobre os seres humanos por si só implica na existência de uma ordem moral a ser seguida por aqueles que assim disponibilizam as suas vidas para a causa religiosa, pois este universo existe de maneira organizada, fundamentada numa hierarquia e em princípios espirituais e morais sólidos. Portanto, aquele que decide abraçar a religião se compromete irremediavelmente com estes princípios, dos quais não pode se desvencilhar.

Olorum, ou Zambi, é a referência máxima de Deus nas religiões afro-brasileiras, e aquele que entrega-se a causa religiosa deve conhecer a ética e a moral de sua religião e segui-la. Imoralidade não rima com Umbanda ou Candomblé.

Um segundo fundamento que regulamenta a moral nestas religiões é a existência de uma casa de fé a que o filho espiritual frequenta. Esta casa de fé possui uma hierarquia humana, que vai desde seu líder maior (babalorixá, pai-de-santo, dirigente espiritual, como queira chamar até o irmão que fica na porta, recepcionando as pessoas. Esta hierarquia humana, que é composta de diversos cargos e funções, vela pelo cumprimento dos princípios espirituais e morais de Deus, dos orixás e demais entidades que nela ajudam as pessoas através de uma intervenção divina. Embora a hierarquia de uma casa não vigie a vida de ninguém, ela sempre orientará para que haja um equilíbrio na vida do filho-de-fé, entre a fé que se professa e a vida que se vive. Isto também é moral e ética.

A devoção a Deus e aos Orixás e a vivência da fé num templo especifico implica em aceitar cumprir preceitos morais, como o amor ao próximo, a prática da Caridade, a vivência da humildade, o desapego aos bens materiais, o respeito e a conservação a natureza, dentre outros. No templo há uma materialização dos princípios morais apontados acima, de modo que visa visível a todos o ordenamento moral e ético da religião.

Estes dois fundamentos (embora se pudesse citar outros) são suficientes para fincar em nossa convicção que as religiões afro-brasileiras estão alicerçadas no Bem, tendo sua moral e ética como pilar central. Não se pode fazer o que se quer, deve-se fazer o que é permitido. Há um Código do Bem há ser seguido a risca por todos. O contrário é exceção de casas religiosas que podem se chamar de tudo, menos de Umbanda e Candomblé.

RELIGIÕES AMORAIS E AÉTICAS: UMA AFIRMAÇÃO ERRÔNEA. A PARTICULARIDADE DA MORAL E DA ÉTICA.

Olorum é um Deus moral e ético, porém, a moral e a ética não é fixa, mas é relativa e particular ao contexto a que pertence.

Discordo totalmente daqueles que afirmam que o Candomblé e a Umbanda são religiões amorais e aéticas, isso pode ser verdade quando se faz uma análise considerando como padrão uma moral predominantemente aceita e estabelecida, como a moral cristã, por exemplo, mas é uma falácia quando deixa de considerar que a cultura é relativa, que é própria de cada religião, de acordo com a sua origem, história e cultura, sendo assim, cada religião possui a sua moral, não sendo minha pretensão lhe fazer qualquer julgamento. Não é porque se aceita uma moral religiosa como sendo a mais apropriada, ou como sendo a moral “padrão” ou “correta” que uma religião que adota um sistema moral diferente esteja “errada”, ou, como dizem alguns, que “não há uma moral”, isso é incorreto. A manifestação moral é própria de cada religião, de acordo (repito) com suas origens, cultura e história. O Candomblé e a Umbanda possuem a sua moral muito bem fundamentada nestes termos, e deve por isso ser ainda mais respeitada.

A TAL IMORALIDADE!

Mas se existe uma moral estabelecida em fundamento humano e espiritual no Candomblé e na Umbanda, haveria então uma Imoralidade? Poderia dizer que sim, se considerar que os filhos destas religiões, por serem humanos, estão passíveis de em algum momento de sua trajetória espiritual, cometer algum erro, ou mesmo deixar de descumprir algum preceito considerado muito importante. Isso poderia, talvez, ser chamado de “imoralidade” se assim alguém pretender, mas não deixaria de ser uma manifestação normal da humanidade que todos possuem, afinal, todos erramos em algum momento, e Deus está para nos perdoar. O erro espiritual ou moral cometido pelos filhos de fé pertencentes a estas religiões corresponderia ao que outras religiões denominam de pecado, outras de transgressão e ainda algumas de fraqueza, etc. Penso que do ponto de vista religioso a imoralidade é deixar de cumprir com os deveres e obrigações assumidas voluntariamente por cada filho de fé, afinal, compromisso assumido de maneira voluntaria, deve ser cumprido, e nesta direção apontam todas as religiões.

O Candomblé e a Umbanda não são religiões desprovidas de preceitos morais, mas respaldada neles. É óbvio que se respeita a liberdade e o seu exercício através do livre arbítrio e não há nenhuma imposição ou monitoramento moral sobre como o filho de fé conduz a sua vida, mas isso não quer dizer que não há uma moral, pois os filhos destas religiões devem ser os primeiros a buscar entender o quanto antes quais os preceitos da religião a que se propôs voluntariamente abraçar como sendo a sua; deve velar pelo cumprimento e respeito aos preceitos da sua religião e cultura, de modo voluntario, sabendo que, nessa conservação e consciência, também se demonstra o seu crescimento. Aquele que diz professar o Candomblé e a Umbanda como religião, porém tem em seus conceitos afirmativos o pensamento de que estas religiões são depravadas e que não se importam com a sua maneira de viver a vida, ainda não encontrou as respostas elementares a questionamentos cruciais para o seu desenvolvimento humano e espiritual, e pode estar perdido mesmo dentro de um templo ou terreiro a anos. Tempo de terreiro não significa desenvolvimento espiritual e humano. E digo mais, no sentido espiritual, podemos nos perder mesmo entre quatro paredes, até porque, participar de liturgias religiosas e fazer os rituais previstos, mesmo ao longo dos anos, não significa necessariamente estar se desenvolvendo ou ter aprendido os reais preceitos da sua fé.

ESPELHOS DOS ORIXÁS

Concluo fazendo duas observações.

A primeira de que as religiões afro-brasileiras, por terem crescido no Brasil debaixo da égide do preconceito religioso (sobre o qual relatei no texto O CANDOMBLÉ CRISTÃO) e por terem sido associadas a prática do mal por aqueles que nunca pisaram com o coração limpo dentro de um templo sério, também herdaram gratuitamente o estigma de religiões “perdidas”, “depravadas” onde impera o desrespeito e a maldade, porém, como disse, isso não passa de um preconceito daqueles que ignoram a história destas religiões e que julgam, gratuitamente, e a distância, emitindo um juízo condenatório, como se fossem Deus. O Candomblé e a Umbanda são religiões que velam por um Deus único (Olurum) que governa o universo com a sua hierarquia estabelecida (Os orixás), tentando encaminhar o ser humano, através do seu livre arbítrio, para um crescimento que abarca toda a sua plenitude. As religiões afro-brasileiras não são religiões perdidas do ponto de vista moral, mas são alicerces seguros, quando se tem sacerdotes (homens ou mulheres) verdadeiramente comprometidos com o maior preceito moral, a que também falou Jesus: AMAR O PRÓXIMO!

A segunda observação é na verdade um estímulo aos filhos de fé das religiões afro-brasileiras aqui enquadradas: busquem conhecer os preceitos espirituais e morais da religião a que professam, pois não se pode crescer na espiritualidade e se desenvolver sem fundamentos sólidos. A fé em Deus (Olorum) e naqueles que regem o governo do universo (Os Orixás) deve ser continua. A mitologia dos orixás demonstra o perfil de todos Eles e a personalidade de um filho de fé é influenciada por este perfil, o que é chamado de arquétipo. A personalidade dos orixás, demonstrada nas lendas africanas, servem para ilustrar a influencia que cada filho pode herdar da sua Tríade Coronária (Orixás de Cabeça), e, penso eu, que é útil para demonstrar quem somos, para que entendamos as nossas virtudes e vícios, e assim possamos crescer no caminho da espiritualidade naquelas virtudes a que nossos pais e mães (Orixás de Cabeça) possuem, bem como nos afastar dos vícios destrutivos pelos quais poderemos ser influenciados. Os vícios dos Orixás (vício no sentido de erro) demonstrados nas lendas africanas não são desculpas para que o filho de fé permaneça na inércia e se afunde num charco imoral, ou que deixe de crescer. Se uma religião deixa de promover em nossas vidas um crescimento pleno, então devemos refletir sobre o real sentido de ser um “religioso”, um filho de fé. Por fim, considerando que as lendas africanas são lendas e que os Orixás Planetários jamais encarnaram, não podemos afirmar absolutamente de que possuam de fato os vícios ali demonstrados, mas sim que as virtudes e vícios devem servir, como já dito, para que possamos nos entender e nos descobrir como pessoas, desencadeando uma transformação de dentro pra fora, bem como deve servir para nos dar direção ao que buscar e ao que não buscar. Devemos ser espelhos dos Orixás em todas as suas virtudes, e não nos desculparmos nos erros levantamos como ilustração nas lendas mitológicas africanas.

Por fim, que sigamos com sincero coração e com toda a força que há em nós na direção de um desenvolvimento pleno e ilimitado, afinal, não somos apenas seres físicos, mas espirituais, e também morais.

SARAVÁ!

JADER OLIVEIRA

TEOLOGO CRISTÃO

Lui Jota
Enviado por Lui Jota em 05/01/2013
Reeditado em 11/01/2014
Código do texto: T4068960
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