Um templo para o Senhor
Se existe um personagem bíblico encantador, certamente é o rei Davi. Um homem segundo o coração de Deus, mas nem por isso deixa de ser atrevidamente passional. Vencidas todas as guerras - inclusive contra si mesmo - o grande rei se angustia porque “Habito numa casa de cedro e a arca de Deus está entre cortinas” (2Sam, 7, 1). Deus deve ter achado graça daquela piedade ingênua de Davi; tanto que diz a Natan “Vai e dize a meu servo Davi: Assim diz o Senhor: Edificar-me-ás tu, casa para minha habitação” (2Sam 7, 8)????? Não obstante esse espanto de Deus ante a risível preocupação davídica, Salomão Lhe construirá um templo, movimentando um espantoso cabedal de recursos científicos, econômicos e humanos. Dizem de Davi, que a guerra lhe roubara a glória concedida ao filho Salomão – cujo nome significa “paz” : construiria um templo onde Deus não habitaria, mas onde homens da paz poderiam orar e oferecer sacrifícios propiciatórios.
Entre os cristãos, o consenso de que o homem que Deus suscitaria após Davi seria Jesus: “Destruam esse templo e eu o reconstruirei em três dias” (Mt 26, 61).
O que a piedade estritamente cristocêntrica se esquece de ver é que Deus é puro espírito e não poderia ser Emanuel; não poderia ser “Deus conosco” se não tivesse um corpo – seu templo material neste mundo. A piedade cristã também se esquece de que alguém preparou um corpo para esse Jesus que nasce hoje. Nenhum engenheiro, nenhum arquiteto ou pedreiro foram necessários para a consecução de tão grande obra: bastou que uma jovenzinha de seus 15 anos dissesse a Deus: “Faça-se em mim, como for da Tua Vontade”, isto é, engendra-Te a Ti mesmo em mim; construa-Te a Ti mesmo em mim, conforme o Teu plano arquitetônico – do qual não conheço uma única linha. Não tenho a mínima ideia de como será. E o corpo de Cristo, o Verbo Eterno, se fez, na mulher. Por isso o Natal não é apenas uma festa familiar. É a festa de Maria; é a festa da mãe; é a festa da mulher que apresenta a sua obra: um bebê. O templo de Deus feito com a própria carne. Um corpo que será morada do Verbo e através do qual será comunicada Vida Eterna ao homem. No Natal, Maria apresenta o corpo habitado pelo Espírito. O corpo que vencerá a morte.
Quando penso nisso, invariavelmente me entristeço. Deus gostou tanto do resultado da sua engenharia no corpo feminil que tem repetido o milagre ao longo dos séculos: cada filho gerado por mulher estaria destinado a repetir a história do Natal. Não é o que acontece. Enquanto escrevo essas poucas linhas, milhares de mulheres estão dizendo não ao Divino Arquiteto: abortam seus filhos. Abortam pequeninos irmãos do Verbo, também destinados à santificação do mundo e à glória de Cristo. Penso que a civilização fabril ainda deverá chorar muito até que aprenda a lição: os verdadeiros presentes de Natal são as crianças e não bugigangas eletrônicas.