Sobre o deus único cristão
Algumas das grandes mazelas da humanidade decorrem de ideias estranhas e impositivas como:
existe um único deus, é o meu, e não o seu, e você tem que acreditar nisso!
Na versão católica, esse dogma assume uma forma bastante peculiar, e especialmente surpreendente. Embora critiquem outras religiões pelo suposto erro de adorar vários deuses, constroem um enorme panteão de entidades divinas, anjos, arcanjos, querubins, santos, embora insistam no fato de que não são deuses.
Ora, as religiões, via de regra, costumam falar de um criador. Imagino que muitas falem de um único criador, e que outras evoquem criadores secundários para continuar a obra de um criador original, de modo que, no linguajar católico, cultuam também um único deus, auxiliado talvez, pelos santos propostos pela seita.
Vistas desse modo, denominando-se deus apenas o criador do universo, as coisas são descritas de uma forma mais natural, fazendo, talvez, parecer absurda a suposição da existência de vários deuses, já que um terá sido o primeiro criador e, portanto, o verdadeiro deus. Tenho certeza que poucas religiões ousariam transpor conclusão tao óbvia.
Eu teria sido tentado, aliás, a acreditar que nenhuma religião pudesse admitir vários criadores, não conhecesse a estranhíssima versão católica da divindade. Embora insistam tremendamente em contrapor seu deus único à multidão de deuses suposta nas outras crenças, os cristãos descrevem um deus ternário, sendo, absurdamente, um e três ao mesmo tempo!
É curioso como as palavras podem nos iludir, brincar conosco; a trindade vem sendo aceita com naturalidade pelos crentes, que desde crianças ouvem falar dela. Deus é único, um só, insiste-se muitíssimo nisso, fazem-se guerras por isso; mas um deus único que é ao mesmo tempo três, descaradamente!
Devido ao costume, o absurdo acima pode parecer natural a muitos. Foi talvez naturalmente, também, que o genial escritor paraibano Ariano Suassuna estendeu o conceito, criando uma trindade quíntupla! Em sua versão, a santíssima trindade, ou seja, pai filho e espírito santo, este último representado por um pombo, são transformados na misteriosa trindade quíntupla: o pai, o filho, o gavião, a onça e a anta! A venerável trindade que são cinco! Aliás, três que são um e que são cinco, ou... bem... isso confunde...
Seja lá como for a trindade quíntupla parece ridícula; é bastante óbvio que uma trindade designa três referentes, não cinco. O mesmo raciocínio, obviamente, expõe o absurdo da trindade una; o mistério ,no caso, se resume à aceitação complacente do disparate por enorme número de fieis, embora insistentes na contraposição de seu deus único contra os santos dos fieis de outras crenças.
Estamos imersos em absurdos gritantes.