PLACEBO ESPIRITUAL

A medicina e a psicologia já constataram um fenômeno interessante: há pessoas que se consideram doentes, mas, de fato, não estão; outras, de fato doentes, se curam, ingerindo substâncias neutras e inofensivas, convictas que são remédios. Estes “remédios”, que não são remédios, são os chamados placebos. Verifica-se que, em certos casos, pessoas se curam de suas doenças físicas, tomando placebos. A vontade de se curarem as leva a serem iludidas, sem o saberem, pensando que tomaram remédio, e faz com que despertem nelas energias psíquicas e físicas que aumentam a resistência às doenças, produzindo anticorpos, que levam à cura.

Bem, se isto ocorre no nível físico, será que no nível espiritual e religioso não existem também tais placebos? Penso que sim. São “remédios” espirituais, que não são remédios. No nível da medicina, às vezes, se pode legitimar eticamente o uso de placebos em experiências, e no caso em que o médico sabe que não seriam necessários remédios para uma determinada cura, mas a pessoa, por motivos psíquicos, julga necessária esta ingestão. Nos demais casos é eticamente repreensível enganar ou iludir pessoas. E, no caso espiritual e religioso, existiria alguma situação em que seria permitido enganar a alguém, ou oferecer-lhe um “ópio” religioso? Marx generalizou quando criticou as religiões como sendo o ópio do povo. Isto é, uma droga que tira a consciência, a racionalidade e as afasta da compreensão do real, alienando-as. Contudo, constata-se que diariamente são servidos aos homens de fé, em prédicas, programas de televisão e na mídia em geral, muitas “drogas”, que podemos considerar placebos espirituais. E líderes religiosos, às vezes até líderes religiosos respeitáveis, não se envergonham de iludir seus fiéis, aderindo a tais placebos, ou se omitindo em denunciar a ilusão a que são levados estes crentes. Neste sentido, seria recomendável que líderes religiosos respeitáveis e honestos aproveitassem suas prédicas para por fim a abusos de “placebos espirituais”, por exemplo, das pílulas de Frei Galvão. Nada contra a canonização de Frei Galvão, mas incentivar pessoas que engulam um pedacinho de papel em que está escrita uma oração, para que se curem de suas doenças e angústias existenciais, é algo que não cabe no horizonte de qualquer espiritualidade ou ética, mesmo que estas “pílulas” sejam gratuitas. Isto é iludir as pessoas. O que é lamentável no âmbito de uma fé, que quer dialogar com a razão, e de fato dialoga. Mas, ao lado deste “placebo espiritual” existem muitos outros, ainda mais lamentáveis, quando, por exemplo, se propaga que se levarão a Jerusalém bilhetinhos com pedidos ou pecados, e que lá Deus atenderá aos pedidos e perdoará os pecados, quando estes bilhetes forem queimados; ou quando se pede que as pessoas coloquem um copo de água em cima, ou ao lado da televisão, e que esta água mediará a graça de Deus para a família, a partir da bênção do pastor. E assim se multiplicam propostas aberrantes para uma sã espiritualidade. Diante disto, proponho: religião sim, fé sim, louvor a Deus sim, mas iludir os fiéis, não. Propor “placebos espirituais” é charlatanismo perante a ética, a lei e a sã razão.

Inácio Strieder é professor de Filosofia - Recife-PE