PEREGRINO DE DEUS
Segundo os Atos dos Apóstolos, os primeiros cristãos eram denominados de “adeptos do caminho”. Isto, com certeza, porque Jesus havia dito a seus Apóstolos: “Ide, e fazei que todas as nações se tornem meus discípulos...”(Mt 28,19). Para cumprir esta missão, os cristãos rapidamente chegaram aos confins do Império Romano, deslocando-se pelos caminhos de todos os povos. Dom Helder sentiu-se impelido pelo mesmo Espírito, que levou os primeiros cristãos a peregrinarem por toda a parte. Viajou pelo mundo afora. Dialogou com cardeais e papas, com descrentes e cristãos de outras denominações; com budistas e adeptos das mais diversas religiões e ideologias. Falava a acadêmicos e a ignorantes. Usava a mídia de todas as formas, contanto que a mensagem do Reino, com ele, peregrinasse pelos caminhos de toda a terra, e se aninhasse no coração dos homens de boa vontade. O impulso do Espírito o impeliu para longe dos rincões nordestinos, fazendo-o cumprir a missão originária dos primeiros cristãos: “Ide, a todos os povos...”. E, para ser fiel a este impulso, se tornou um Peregrino de Deus.
No dia 27 de agosto de 199 faleceu, em sua humilde residência, nos fundos da Igreja das Fronteiras, no Recife, Dom Helder Camara.Neste mês (agosto/2012), portanto, já se completam 13 anos de sua ausência. Mas, ao contrário do que ocorre com muitos outros homens, poderosos em vida e esquecidos rapidamente após sua morte, a memória de Dom Helder está muito viva. No momento, quase todos os dias, em Pernambuco, a mídia recorda Dom Helder e sua atuação. É a Comissão Estadual da Verdade se debruçando sobre o assassinato do auxiliar de Dom Helder, o Padre Henrique. Crime, nunca esclarecido devidamente, ocorrido em 1969 no Recife, praticado por agentes da ditadura e torturadores profissionais. Estes covardes não tinham coragem de eliminar diretamente Dom Helder, certamente porque temiam as repercussões internacionais e a reação popular. Assim planejaram ferir a alma de Dom Helder, matando com requintes de crueldade um de seus auxiliares diretos.
Dom Helder era cearense, mas viveu no Recife de 1964-1999 como Arcebispo católico. Sua mensagem de paz não permaneceu retrita aos católicos, nem mesmo somente aos cristãos. Ela era uma mensagem de amor e de humanidade para todos os homens. Dom Helder viajou pelo mundo inteiro, denunciando a opressão, a tortura, a miséria dos excluídos, as injustiças, os esquemas de exploração dos ricos para com os pobres. Segundo ele, os egoísmos e as ambições dos homens são causas das afrontas à dignidade de tantos dos nossos irmãos humanos. Dom Helder pregou a solidariedade e a fraternidade universais. Pregou a esperança para um novo milênio (séc. XXI) sem miséria. As ameaças e as metralhadoras não o calaram. “A violência não cala aos profetas”. Durante muitos anos Dom Helder procurou dar voz e vez aos que não tinham voz nem vez. O “Dom da Paz” , o “Bispo Comunista” na linguagem dos ditadores e torturadores, que usurparam o poder político no Brasil de 1964-1985, nos deixou fisicamente, mas a sua mensagem humanitária permanece viva. E, como dizia o saudoso PE. Joseph Comblin, aquilo que deixou escrito ainda ecoará como mensagem daqui a mil anos. Esta mensagem é um bem para toda a humanidade. Serve de horizonte para todos os que buscam a dignificação da vida humana nesta terra.
Inácio Strieder é professor de filosofia- RECIFE-PE