EXPERIÊNCIA QUASE MORTE – EQM

De repente, a existência atirou-o num leito de hospital sem motivo convincente aos olhos do leigo e principalmente dos familiares.

Tudo mudou! A vida quis dar uma rasteira no atleta. Intervenções cirúrgicas, antibióticos, apreensões, visitas de parentes e a preocupação zelosa e amorosa da família. Notícias eram sempre repassadas, procurando o jeito de amenizar o quadro e consolar a prole. Tudo por causa de um câncer, que chegara sem aviso prévio, com sintomas simples e inocentes.

O nosso rapaz estava ali, cordato, resignado e obediente. Tudo dentro dos conformes e das expectativas médicas, até que outro reparo cirúrgico fez-se necessário. Um 

acidente de percurso. Uma pedra no meio do caminho

As complicações vieram à baila, encarcerando-o num leito de UTI, durante  um mês, com incidência de ascite, pneumonia, septicemia (infecção generalizada), coma, escaras, transfusão de sangue, hemodiálise, intubação e um capacete que lhe penetrava o couro cabeludo, como se fosse uma coroa de Cristo. Isso para reter o oxigênio que lhe penetrava às vias respiratórias. Sem ele, os sinais vitais lhe faltariam.

Em estado gravíssimo, os prognósticos caminhavam para o pior ou mesmo para a cidade de “pés juntos”. Em desespero, mas guardando o controle e o otimismo, a família se revezava, em plantões permanentes, por vezes à porta do hospital, à cata de informações, procurando servir de alguma forma.

Embora num corpo estático, emagrecido, perfurado por muitos tubos e conectado a equipamentos que o mantinham vivo, fisicamente ele estava ali, um espectro humano. Esquálido e fragilizado. A fisionomia gritava por socorro e os que o viam, saíam com os olhos marejados e o coração apertado.

Talvez o melhor remédio, naquele momento, fosse o forte amor da família unida e coesa num só pensamento. Força e positivismo eram as palavras de ordem. Uma dura experiência! Afinal, não se costuma pensar que o indesejado possa nos acontecer.

E, depois, o homem era um atleta, comedido nos hábitos higiênicos e alimentares. Uma pessoa, realmente, bem esculpida nos bons costumes. Um profissional da área de saúde. Ninguém esperava por isso. Um câncer de intestino? Nunca!

Acontece que o moço recuperou-se! Uma bênção, um milagre, uma festa! E eis que voltou ao lar. Embora com algumas pequenas sequelas, podemos dizer que está ótimo. Otimismo é a sua bandeira.

Num desses amistosos diálogos sobre a sua estada fora do mundo, perguntei-lhe:

_  Na UTI, sozinho, no silêncio das madrugadas, você pensava em quê?

_  Eu não ficava lá, respondera-me ele convicto. Nunca fiquei lá! Eu viajava, passeava pelo mundo... Ia  aonde queria, sem quaisquer entraves.

Aquilo me despertara uma inusitada curiosidade e eu quis saber mais.

_ Meu corpo estava lá, mas eu excursionava, dirigindo a minha própria cama, que continha um volante dirigível e até tanque de gasolina.

O trânsito me era fácil, não obstante os muitos veículos que trafegavam céleres pelas vias. Sem problemas, eu atravessava ruas, avenidas e praças bem arborizadas e floridas, que me davam a sensação de paz! Tudo parecia mais bonito. Era uma liberdade indescritível! A distância era irrelevante para o meu veículo. 

Fazia-me presente em muitos lugares e eventos. Em palestras, eleições, associações de classes, igrejas, cujo tilintar dos sinos chegavam aos meus ouvidos. Ia ao meu lar, encontrava pessoas, familiares e muitos desconhecidos. Acompanhava minha mulher e até a vi discursar! Tudo normal, sem angústias nem constrangimentos.

E o engraçado é que, por vezes, era atendido em um consultório, que se fazia presente no local em que eu me encontrasse. E ainda pelo médico intensivista da UTI. Que respeito! _ Pensava eu agradecido.

Parecia-me tão real aquela situação, que numa determinada ocasião, vi que a gasolina do meu dirigível estava acabando, o que me preocupou muito. Embora, na realidade, fosse madrugada, nesse transe fiz o enfermeiro que me assistia fazer um telefonema ao meu filho, em que relatei a falta da gasolina. Uma conversa vaga, desconexa, que posteriormente me foi relatada pelo profissional e pelo filho.

Numa dessas andanças, eu seguia com a responsabilidade de atender a uma intimação. Coisa séria! Demandei, convicto de minha obrigação. Atravessei as avenidas arborizadas sob uma manhã clara e amena. Enfrentei um trajeto difícil, até chegar ao lugar determinado, numa região alta, de rampas íngremes.

Ali, existia uma empresa para exploração do lenocínio, cujo chefe, austero e bem vestido, acusava-me pelo descaminho daquelas mulheres, que se aglutinavam num grande salão. Mulheres bonitas e bem vestidas. Muitas eram casadas e a preocupação era a de serem flagradas pelos maridos. Embora não me lembrasse de culpa tão grande, algo dentro de mim acusava-me de haver sido o responsável pela infelicidade de todas elas.

Por isso, foi-me informado de que eu teria que me apresentar a uma autoridade, por quem deveria ali esperar. Tudo, sem palavras de terceiros. Apenas a acusação da voz de minha consciência, nítida e forte, sem nenhuma nuança de dúvidas. Eu podia ver sem o uso dos olhos físicos. Estando lá, eu via perfeitamente o cotidiano da UTI e também os médicos.

E ali, eu fiquei aguardando. Não sei por quanto tempo, tentando lembrar-me daquelas mulheres e do mal que as havia causado, embora eu já me sentisse um réu confesso, esperando pela sentença.

O tempo me era algoz naquele momento, até que fui introduzido num gabinete, bem aparelhado, amplo e limpo, chegando mesmo a ser luxuoso. Sentia-me apreensivo e tomado por um arrependimento angustiante que me mantinha calado. Sentado ali, estava um senhor e eu sabia que era ele a autoridade coatora que iria selar o meu destino.

Postado à sua frente, permaneci por longo tempo, que nem sei precisar. Enquanto isso ele me fitava atento, sem nada dizer. Muito depois, sem me dirigir reprimendas, dissera-me em tom grave: PODE IR!

_  E  que o aconteceu depois – perguntei.

_  Sentindo-me sozinho naquele lugar, onde não mais havia pessoas, somente a voz inaudível do silêncio, eu retornei aos meus aposentos. Postei-me em meu lugar entre os pacientes, religando-se a mim toda aquela parafernália que me mantinha vivo, embora algumas tivessem seguido comigo durante as viagens. 

Depois disso não me lembro de outros passeios pelo mundo, principalmente pela minha cidade.

Os dias se passavam seguidos da rotina da UTI. Embora por poucos minutos, recebia diariamente a visita dos meus familiares, o que me dava muita força para seguir em frente.

Percebi que muitos pacientes permaneciam sozinhos, sem o aconchego da família nos horários de visitas. Atento a tudo, assistia, todos os dias, alguém retornar ao lar ou a outra dimensão da vida.

Minha força mental positiva revigorava os meus órgãos fragilizados. E assim, fui melhorando, até ser transferido para um apartamento, com os mesmos cuidados da UTI. Finalmente, em casa! _ concluiu ele.

Sei que estive muito mal, prestes a deixar o globo terrestre. A equipe que me assistia chegou a dizer que a minha recuperação significou uma inusitada vitória médica, pelo que se regozijava.

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O atleta retornou a casa com 40k. Já recuperou o seu peso normal, voltou às caminhadas matinais, à malhação, ao convívio da família e dos amigos. Vida normal. Amém!

De tudo, uma certeza: NÃO PARTIMOS ANTES DA HORA!

E, ainda: NÃO ESTAMOS AQUI POR ACASO!

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Genaura Tormin
Enviado por Genaura Tormin em 04/08/2012
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