Vocação Missionária

VOCAÇÃO MISSIONÁRIA

Nós todos temos – ou deveríamos ter – uma vocação na vida. Há os que se sentem chamados para as coisas da arte. Outros vivem a vocação da família, do matrimônio. Alguns se dedicam ao chamamento da espiritualidade, tornando-se padres, religiosos, monges ou místicos. No campo profissional, muitos se dedicam àquilo que lhes apraz, como bancários, advogados, professores, técnicos em informática, etc.

Diferente do vocacionado, aparece aquele que se dedica a uma atividade pela perspectiva do rendimento ou da vaidade. Esse nunca será totalmente realizado, pois não faz o que gosta, mas o que rende dividendos. Em geral, só vence na vida o indivíduo que abraça uma vocação autêntica, de acordo com seu perfil. Quem abraça uma atividade para a qual não tem vocação, vai padecer, mais cedo ou mais tarde, a irrealização das pessoas desestruturadas.

No campo da espiritualidade há dois tipos de vocação: a principal e a secundária. À primeira poderíamos dar o nome de vocação, propriamente dita, e à segunda de con-vocação. Qual a diferença entre elas? Por vocação, empregando critérios da psicologia, se poderia classificar a atividade principal, o ser padre ou religioso, por exemplo. A isto a pessoa adere após uma vocação, onde prevalece o aspecto divino do chamamento. A vocação dos leigos é diferente. Eles são chamados para a vida da família, serem pais e mães, profissionais, políticos, administradores, artistas, etc. Esta é a vocação dos leigos. Não se admite como vocação a um leigo exercer tarefas de padre, nem de um padre cumprir atividades destinadas aos leigos. Tem gente que gosta de assumir as atividades dos padres para fugir às responsabilidades de sua atividade laica na família, por exemplo.,

Embora não sejam proibidas essas trocas de exercícios, o salutar é que fique cada um na sua, para melhor eficácia do projetado, sem, no entanto que se seja proibido a um leigo ajudar na igreja ou a um padre ou religioso militar, por exemplo, na política. Mas aí não se trata de vocação, mas de convocação. Vocação é uma coisa; convocação é outra. Tem gente, leigos, que subvertem sua missão, buscando atuar como mini-padre ou “sacristão-sênior”, fugindo à proposta básica de sua vocação. Quem age desta forma evidencia, em muitos casos, uma tentativa de fuga. Conheço leigos que vivem enfurnados no templo (convocação) enquanto seus lares (vocação) está uma bagunça;

A atividade de discípulos-missionários, hoje preconizada pela Igreja aos leigos, como integrante do mandato divino, na verdade é uma convocação, pois este grupo já tem na vida familiar, cultural e profissional sua vocação básica. Mesmo assim, sempre há tempo e campo para que o leigo atue, por convocação, de forma paralela e subsidiária à sua vocação, em alguma atividade eclesial, social-evangelizadora ou transformadora, sem prejuízo da vocação original.

Não se admite que um leigo se dedique a alguma tarefa de igreja, relaxando sua vida familiar, social ou profissional, para a qual ele recebeu uma graça-de-estado. De qualquer maneira, dentro do possível e do racional, não é escusado ao leigo se omitir de sua parcela na construção da dimensão temporal do Reino entre seus pares. Essa participação ocorre sob quatro pontos básicos: o anúncio, o convite, a união e a missão. Vamos a eles.

1. O anúncio

Jesus abre sua vida pública falando em um tempo completo, na iminência do Reino e na necessidade de crença no evangelho e conversão às suas exigências. Crer e ser batizado, exigências básicas da conversão, são os pré-requisitos da salvação (cf. Mc 16,16). O anúncio de Jesus repousa sobre esses dois eixos.

Depois que João Batista foi preso, Jesus voltou para a Galiléia, pregando a Boa Notícia de Deus: “O tempo já se cumpriu, e o Reino dos céus está próximo. Convertam-se e creiam no Evangelho” (Mc 1,14s).

Até hoje, pelo evangelho, pelos profetas e pela pregação da sua Igreja, Jesus continua a passar por nós e a mostrar a necessidade de uma radical mudança de vida. Conversão na verdade, é ruptura com toda a forma de egoísmo e dominação, num mundo tão marcado pelo pecado. O ingresso no Reino se realiza mediante a fé na Palavra de Jesus, selada pelo batismo e testemunhada através do apostolado e da vida compartilhada.

2. O convite

O convite original de Jesus foi dirigido aos apóstolos e aos discípulos, que caracterizaram as primeiras autoridades da Igreja. Posteriormente houve chamamentos ao restante do povo, convocado para auxiliar os pastores na tarefa de evangelizar. Hoje se fala em discípulos-missionários numa alusão subalterna aos apóstolos que receberam o primeiro mandato. Cabe a eles, por vocação, levar adiante o anúncio da boa notícia. Eles foram vocacionados para esse fim. Aos discípulos modernos, ramificados na con-vocação cabe dar sequência ao trabalho inicial, confiado aos bispos e aos presbíteros.

Depois disso, Jesus saiu, e viu um cobrador de impostos chamado Levi, que estava na coletoria. Jesus disse para ele: “Siga-me!” Levi deixou tudo, levantou-se, e seguiu a Jesus (Lc 5, 28s).

O ato de abraçar uma vocação é uma atitude livre de quem se dispõe a seguir um ideal e a fazer dele uma norma de vida. O convite endereçado ao convocado é deveras importante, mas tem certa limitação, a partir do fato de não poder suplantar a vocação inicial. Você pode ser discípulo de Jesus, um servidor da Igreja, um divulgador do evangelho, sem deixar de lado sua missão primordial, de mãe e mãe de família, de profissional ou cidadão.

3. A união

Para trabalhar na grande lavoura de Deus é preciso estar ligado a ele. Em inúmeras circunstâncias, Jesus, os evangelistas e os escritores posteriores se valeram de noções de agricultura para fortalecer uma pregação, vivificando-a com uma comparação bem simples, porém suficientemente compreensível a todos os ouvintes e leitores. Dentro desse espírito, observa-se que Jesus usa diversas alegorias para caracterizar a inclusão dos fiéis a ele. A mais clara visão dessa união é aquela representada pelos ramos da videira, ligadas ao tronco.

“Eu sou a verdadeira videira, e meu Pai é o agricultor. Todo

ramo que não dá fruto em mim, o Pai o corta. Os ramos que

dão fruto, ele os poda para que dêem mais fruto ainda. Vocês

já estão limpos por causa da palavra que eu lhes

falei. Fiquem unidos a mim, e eu ficarei unido a vocês. O ramo

que não fica unido à videira não pode dar fruto. Vocês

também não poderão dar fruto, se não ficarem unidos a mim.

Eu sou a videira, e vocês são os ramos. Quem fica unido a

mim, e eu a ele, dará muito fruto, porque sem mim vocês não

podem fazer nada” (Jo 15,1-5).

Ora, se um ramo, fruto ou flor não tiver vínculo com o tronco, por mais forte, saboroso ou belo que seja num primeiro momento, por falta da seiva alimentadora, logo perecerá. Assim é a vida cristã. A permanência do crente unido a Cristo, no mistério da unidade da qual a Igreja-comunidade é tipo, transforma-o em nova pessoa, em um homem novo. Há, no entanto, vários obstáculos à conversão que impede o ser humano de se unir de forma eficaz a Deus:

- a preguiça/acomodação;

- a concupiscência;

- a cobiça;

- a vaidade/orgulho;

- a inveja/competição.

4. A missão

De nada valeria conhecer o anúncio da Palavra, escutar o chamado e estabelecer a união com Jesus, se não transformarmos isto na dinâmica da missão. A fé - ensinou o apóstolo – sem obras é morta. Ao se despedir dos seus amigos, Jesus estabelece a missão: fazer discípulos, batizar e ensinar sua doutrina.

Então Jesus se aproximou, e falou: “Toda a autoridade foi

dada a mim no céu e sobre a terra. Portanto, vão e façam

com que todos os povos se tornem meus discípulos,

batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo,

e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis

que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do

mundo” (Mt 28,18-20).

O cristão, mesmo conhecedor de sua vocação original, deve assumir uma parte da vocação dos outros como con-vocação. O leigo é convocado a ser missionário, ser sal, fermento e luz no mundo, a partir do batismo. Antes de qualquer outro sacramento, o que nos confere maior dignidade cristã é o batismo, e é esse batismo que nos torna missionários de Cristo, comprometidos com a instauração do Reino em sua dimensão temporal na sociedade humana.