Pedofilia e Igreja: o que é preciso saber

Antes de começar, um aviso: não sou vítima de pedofilia, nem tenho parentes que confessaram terem sido abusados por padres.

Creio, porém, que ninguém tem mais dúvidas de que as igrejas cristãs e, historicamente em destaque, a católica, têm abrigado no seu seio sacerdotes pedófilos. Pior que isso, houve denúncias em diversas partes do mundo, documentais, demonstrando que a hierarquia eclesial de certa forma protegeu o agressor. Inclusive, algumas vezes o promoveu. Outras vezes, transferiu o padre tarado para outra paróquia, e lá ele pode assediar sexualmente novas vítimas. E o mais espantoso é que não se encontra facilmente algum caso em que a vitima foi protegida e o agressor severamente punido. No mínimo, isso é o que se esperaria da justiça do “mundo”, quanto mais da justiça divina!

A lambança deve ter sido grande nos Estados Unidos, pois as indenizações do povo americano contra a igreja foram tão vultosas, a ponto de se fazer um acordo milionário entre os advogados de ambas partes, com a condição de se encerrarem novas demandas das partes agredidas.

Na Irlanda, num furo extraordinário de reportagem, jornalistas meticulosamente demonstraram assédio sexual, físico e moral, cometidos por padres e freiras em escolas durante nada menos do que quarenta anos seguidos. Antes desse documentário, os “pecados”, denunciados continuamente por alunos e ex-alunos, não haviam sido seriamente levados em consideração pelas autoridades da igreja. Somente quando a reportagem foi ao ar, eles começaram a mudar de posição, inicialmente com uma conduta de cautelosa repreensão. Depois, quando não havia mais como esconder os fatos, um pedido público de desculpas.

Mas isso não resolve. É muito pouco, partindo de uma igreja que prega o amor ao próximo, e que define como tarefa do pastor proteger as suas ovelhas. O que se fez nesses e em outros casos mais parece a atitude de lobos na pele de cordeiros.

É quase inacreditável, mas existe, disponível na Internet, cópia de um documento assinado por Ratzinger (o atual papa, que até reconheceu sua assinatura quando era chefe da Doutrina da Fé, entidade anteriormente chamada de “Santa Inquisição”), onde o então cardeal recomendava evitar rumores “pelo bem da comunidade religiosa”, em detrimento do sofrimentos daqueles que foram atacados sexualmente. Ao bispo que lhe pediu providência após ter constatado um padre pedófilo contumaz, recomendou estender-lhe “um braço amigo”. Esse cidadão, padre confessadamente pedófilo, depois entrevistado, informou ter continuado praticando a pedofilia até a velhice.

No Brasil, quando ocorreu uma comissão parlamentar sobre pedofilia, tendo alguns padres confessado seus crimes, os jovens denunciantes chegaram a filmar cenas de luxúria absurdas (o vídeo era vendido em feiras-livres no interior de Alagoas, por exemplo). Membros do legislativo descobriram que a rede de pedofilia entre padres era tão extensa, que remontava a pessoas senis, octogenárias, que por sua vez parecem ter sido vítimas de outros sacerdotes pedófilos.

Estarrecido, um senador deu entrevista na Jovem Pam, afirmando sentir-se perplexo com a intensidade e extensão dos acontecimentos. Muitos “coroinhas” disseram que perderam sua fé depois de ver o que um depravado desses pode fazer e, para piorar, foram escassamente defendidos e abrigados na “santa madre igreja”, se é que foram. Alguns pobres rapazes em formação religiosa não tinham aonde ir, e só lhes restavam conviver com o agressor. Dia após dia. Que tortura infernal!

Mas isso não é de hoje. Na Idade Média, um teólogo sério de nome Pedro Damião, ao escrever o Livro de Gomorra, dirigido ao papa da época, descreveu o que alguns monges e padres faziam nas suas irmandades: todo tipo de relação homoerótica, e, para escândalo maior, bestialismo, isto é, sexo com animais. O que Pedro Damião reclamava não era a extinção desse pecado, mas o fato de padres devassos praticarem tudo isso e depois participarem da eucaristia. Então, ele propôs uma espécie de “quarentena” para os mais pecadores, de forma a que se sentissem punidos. Não se sabe o resultado, mas, pelo notei, Pedro Damião provavelmente não teve resposta a seus pedidos.

Em suma, não há mais como a Igreja Católica esconder que seus membros praticaram e tem praticado pedofilia, entre outras obscenidades hediondas, até mesmo quando se achava que a Idade Média era uma teocracia, e que todo mundo temia o castigo divino. O propalado “temor a Deus” não os impediu de cometer obscenidades. Se tiveram grande dor na consciência, não se sabe, pois não se encontram relatos de suicídio ou autocastração.

Mas ridículo de verdade é argumento que determinados fundamentalistas da atualidade utilizam para defender ou minimizar esse crime repugnante. A "explicação" é tão débil que se torna ofensiva à inteligência humana. Dizer que a porcentagem de pedófilos católicos é menor do que a de pastores protestantes, ou que a pedofilia “no mundo material” é bem mais prevalente que entre os padres é o cúmulo da insensatez.

Ora, a desculpa seria digna de um mentecapto, se não fosse de alguém malevolente, desprovido de espírito cristão. Ninguém compararia esse tipo de coisa, se acreditasse que a igreja fosse o lugar de sacerdotes devidamente entronizados pelo divino e capazes de operar “mistérios”, entre eles o transubstanciação.

Quando um carola recorre a esse subterfúgio “estatístico”, praticamente enfia o dedo no próprio olho. Afinal, se ele considera “natural” (posto que apenas menos frequente) e esperada a atitude pedófila de um padre que “recebeu a vocação divina”, estudou no seminário e foi observado por seus preceptores, enfim, se não se enoja com esse coisa, é de se perguntar se ele é cristão, ou apenas um fanático, capaz de defender a igreja cegamente, a despeito de pecados e crimes cometidos pelos seres humanos que ali se instalam.

Para onde foram, então, aqueles honestos e sinceros profetas do Antigo Testamento, que diziam a verdade na cara dos pecadores, inclusive autoridades religiosas corrompidas? O que se fez das atitudes de Jesus, que não fazia pacto com farisaísmos vis? Como é que fica o medonho “castigo divino”? Não está escrito no Velho Testamento que o sacerdote deve ser honrado e perfeito? Não está escrito nas cartas de Paulo que os “bispos” (ou seja, aqueles que se ocupam da supervisão de suas ovelhas) devem ser retos e sem vícios? Por que não se segue justamente a Bíblia nesses pontos tão importantes?

Respondamos, agora, às alegações falsas dos que pensam que a igreja, para se salvar, deve naufragar ou corromper-se junto com aqueles que tem a alma cheia de pecado e impurezas, simplesmente porque se cobrem do manto sacerdotal nas missas.

Qualquer pesquisador com o mais leve discernimento sublinharia que o número de denúncias de pedofilia na igreja parece ser menor devido apenas à repressão e medo de testemunhar, somado à carência e abandono econômico das vítimas, além do conflito de se pensar ter praticado um gesto de desobediência: o nome técnico desse viés é “subnotificação”.

A própria hierarquia eclesial recomendou em jornais de grande circulação que os padres, coroinhas e demais “irmãos” não devem ir diretamente à delegacia quando abusados, mas contarem o ocorrido a seus superiores. Ora bolas, mas quem não teria receio de fazer um gesto desses, sabendo que entre os tais superiores haveria potencialmente amigos do padre pedófilo, ou gente querendo apenas proteger o “mercado da fé”.

Qualquer ser humano que tenha lido o “O Grande Inquisidor” no livro intitulado Irmãos Karamázovi, de Dostoiévski, irá se lembrar da cena em que Cristo, ao retornar ao mundo, constata que a “sua igreja” traiu seus princípios, e, logo identificado em meio à multidão, termina prisioneiro da elite eclesial. Por fim, Jesus é solto secamente, com o “vai e não voltes mais”.

Essa parábola ilustra o que a igreja é capaz de fazer, quando se trata de proteger seus interesses. Se Deus realmente existir, e se ele tiver criado o inferno, é consolo imaginar que o lugar esteja preparado para essa gente, a ser chamuscada sem cessar. E foi justamente o que Dante Alighieri imaginou, ao escrever A Divina Comédia: lá estavam, em torturas eternas, sacerdotes e até um papa pecaminoso.

O problema é que, pelo que se vê, tem muita gente dentro das igrejas que não acredita em Deus. Afinal, se acreditassem, como poderiam continuar praticando tais vilezas, ou as defendendo e ocultando? Como deixariam, feito cúmplices, suas ovelhas desprotegidas, se soubessem que tudo seria visto pelo divino e não poderiam mentir nem fingir inocência?

Talvez vocês tenham agora solucionado esse paradoxo da cristandade, caros leitores.

Por incrível que isso aparente, os ateus, ateus de verdade, poderiam ser exatamente os membros dessas igrejas que cometem essas baixezas, ou os que as defendem. Posto que não creem de fato em deus, eles sabem que ficarão impunes quanto a castigos.

Mas isso pode não resultar totalmente verdadeiro, algo do tipo "o crime compensa", desde que a justiça dos homens os alcance...

Laelius
Enviado por Laelius em 25/07/2012
Código do texto: T3795915
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