A Doutrina Espírita e o Conceito de Tempo - Uma Revolução em Silêncio
De que modo existem aqueles dois tempos - o passado e o futuro - se o passado já não existe e o futuro ainda não veio? Quanto ao presente, se fosse sempre presente e não passasse para o pretérito, já não seria tempo, mas eternidade !
Foi dessa maneira devastadora para todos os filósofos e que até hoje não teve
contestação à altura que Santo Agostinho, no Livro XI de Confissões, nos colocou o problema de definir o que é o tempo.
O presente artigo tem por objetivo apresentar algumas considerações a respeito desse problema fundamental para Filosofia e as oportunidades e desafios que o Espiritismo nos oferece ao abordá-lo.
Cada vez que nos perguntamos o que vem a ser exatamente o tempo ficamos
impressionados - a quantidade de respostas é inversamente proporcional a capacidade de esclarecimento. Desde as condições meteorológicas até o processo de envelhecimento, passando pelas piadas daqueles que nos mostram seus relógios, as pessoas nos dão longas explicações que a rigor não tem significado algum. Mais do que isso, nos impressionamos com a convicção de respostas que frequentemente apelam para noção de "senso comum" e que demonstram aquela que talvez seja a única verdade sobre a questão - também estabelecida pelo bispo de Hipona - se nos perguntam o que é o tempo, sabemos; se tivermos que explicar o que é, já não sabemos.
É a partir deste ponto que eu gostaria de começar este breve exercício de
entendimento. O conceito de tempo como uma espécie de "ordem interna" do processo racional foi magistralmente tratado por Kant em sua Crítica da Razão Pura. Na parte que toca à Estética Transcendental, parece ser evidente que a simples noção daquilo que venha a ser o tempo prescinde de uma experiência prévia e ele é definido como uma espécie de "verdade intuída". Sem ser um filósofo profissional e muito menos ter a certeza de ter compreendido bem um livro como esse, me parece que o tempo funciona como uma espécie de "pano de fundo" para um teatro em que o ator principal é a nossa própria razão. Parto aqui da idéia de que, tudo aquilo que entendemos como racional precisa ser entendido no tempo e não a partir dele. Tudo que nos cerca nos parece passível de ser analisado racionalmente à medida que estabelecemos relações de causa e efeito entre os fenômenos que observamos. Sem a noção de antes e depois não é, ao meu ver, possível ser racional em sentido algum.
A verdadeira revolução que a Doutrina Espírita coloca para esse problema (definição do que é o tempo) é a idéia da reencarnação. Toda nossa vida é pautada pela idéia de finitude. Aceitando ou não, todos nós sabemos que um dia vamos morrer e o universo moral em que vivemos tem seus conceitos inevitavelmente fundado nisso. Nossa espécie construiu seus ideaIs de beleza, amor, verdade, e acima de tudo justiça em função de sermos mortais. Extrapolamos nossas noções de certo ou errado conforme o tempo em que estivemos aqui. Conversando com amigos ou simples conhecidos nos surpreendemos às vezes dizendo de forma amarga - Não há justiça nesse mundo. Veja o exemplo de "fulano" que trabalhou toda vida, nunca fez mal a ninguém, sofreu como um cão e morreu na miséria. Não é fácil ser filósofo num momento assim, mas num exercício muito rápido é possível ver que toda essa "verdade" exposta de maneira tão cruel depende de aceitar como resolvido um problema que não está nem próximo disso. Se não; vejamos: como posso dizer que não há justiça nesta vida quando não
sei exatamente o que é tempo? Se a própria noção geral do que é justiça depende
unicamente da minha vida aqui nessa terra e que essa vida é a única que eu tenho, como posso aceitar um Deus que me faz nascer, morrer, e viver na mais perfeita injustiça? Coloca-se aí o problema de que se Deus existe ele não é justo, mas se ele não é justo; então não é Deus.
A revolução a que faço referência no título deste trabalho é o advento da noção de
reencarnação. Resgatado e codificado de forma tão brilhante por Kardec ela não é
nova na história humana pois a necessidade que todos nós temos de dar um sentido ao sofrimento e entender aquilo que vivemos é anterior ao Espiritismo.
Iluminados pela mensagem deixada por Cristo que tem como fundamento o princípio filosófico de que o fim do corpo não é o do espírito, temos na idéia de reencarnação toda uma verdadeira "revolução" naquilo que entendemos como justiça. Este é o fato fundamental pois eu afirmo que todo ser humano, acreditando ou não em Deus, sabendo ou não o que é o tempo, está, como diria Sartre, "condenado a ser livre" e para isso (acréscimo meu) a buscar aquilo que pensa ser justo
"Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei" é o lema desta
revolução que se fez em silêncio, que mudou o que pensamos sobre o que é a justiça e o que é o tempo e nos mostra, de maneira quase geométrica, que fora da caridade não há salvação.
20 de julho de 2012
Dr.Milton Simon Pires.
CREMERS 20958
Porto Alegre - RS