DÍZIMO NA IGREJA: INSTITUIÇÃO DIVINA OU MANIPULAÇÃO?

A religiosidade cristã às vezes recorre ao Antigo Testamento para resolver seus problemas institucionais. Moisés, quando institucionalizou o culto a Deus, encarregou a tribo de Levi para cuidar dos ofícios religiosos. Os levitas não receberam terras para cultivar, como as outras tribos, mas foi-lhes garantido o direito à subsistência com a obrigação do pagamento do dízimo por parte de todos os outros israelitas.

Todos os anos os israelitas deveriam levar o dízimo (a décima parte) de suas colheitas a um lugar santo e consumi-lo diante de Deus, compartilhando com os levitas. Além disto, a cada três anos, todo israelita deveria separar a décima parte de sua colheita e reparti-la entre os levitas, os estrangeiros, os órfãos e as viúvas, para que se pudessem saciar (cf. Deuteronômio 14,22-29)0. Os sacerdotes também tinham parte neste dízimo.

Posteriormente, o povo judeu ainda institucionalizou impostos para o sustento do Templo. Jesus, quanto aos impostos, chegou a dizer: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" (Mt 22,21). Como se vê, Jesus não nega que o homem deva destinar parte de seus rendimentos a Deus. Mas, quanto ao dízimo, critica de forma radical a hipocrisia como os fariseus tratam o assunto. Para Jesus, o dízimo é uma questão religiosa totalmente secundária. O essencial para a religião é a prática da justiça, da misericórdia e da fidelidade, e não a cobrança de taxas. De fato, no Novo Testamento não há nenhuma exigência aos discípulos de Jesus para que paguem obrigatoriamente o dízimo.

Mas, vejamos como hoje se apela para o bolso dos fiéis. É notório que algumas "igrejas" recorrem à tradição bíblica do dízimo de forma abusada. Pregam que "quem não paga o dízimo, rouba a Deus", que "Deus só atende na medida da generosidade financeira de cada um", etc. etc. Disto resulta que desempregados, viúvas, favelados e pessoas sem consciência crítica se sintam desamparados por Deus, e na obrigação de dar aos "pastores" e demais dirigentes religiosos, de forma descontrolada, o que lhes falta à mesa.

Objetivamente, há abusos nesta pregação do dízimo. Pois, segundo o espírito bíblico, quem não possuía renda estava dispensado do dízimo, e até deveria receber parte do que fosse arrecadado pelos levitas. Além do mais, não se pode hoje recorrer a uma tradição de 3000 anos atrás, quando a situação social e econômica do povo era radicalmente diferente. Por isto, em muitos casos, considero ilegítima, abusiva e uma aberração teológica a maneira como se apela à tradição bíblica do dízimo.

A cobrança do dízimo era uma das tradições judaicas que não necessariamente faz parte do Evangelho. O que julgo cristão e evangélico é o apelo aos cristãos para que sustentem, também economicamente, as suas comunidades e aqueles que dão a sua vida por elas. O termo "dízimo" é inadequado para cobrar este sustento. Pregar que Deus exige do cristão o dízimo é teologicamente falso, e gera confusão na cabeça das pessoas.

É verdade, o cristão que recebe serviços espirituais de sua igreja pode ser incentivado a contribuir para o bom andamento desta comunidade. Mas, para que alguém se sinta obrigado a contribuir, a ação da comunidade deve ser transparente. Se uma igreja não tiver seu conselho paroquial e administrativo democraticamente constituído, se um vigário ou partor agir como se fosse o dono da igreja, ou der vez e voz apenas a uma "patota" de fiéis, então é melhor não contribuir. Pois esta não é a Igreja de Jesus Cristo. Mas, se existir, realmente, uma comunidade cristã, que se esforça para viver segundo o Evangelho, eu digo: cristãos contribuam generosamente para o crescimento do Evangelho.

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Inácio Strieder é professor de Filosofia e Teologia -- Recife/PE/Brasil